Doentes consideram essencial que informação clínica os acompanhe, independentemente do sector onde estão a ser tratados. Serviços Partilhados do Ministério da Saúde afirmam que evolução está em curso.
Para os doentes a questão é consensual. A criação de um registo único de dados em saúde, em que a informação clínica possa acompanhar o doente, independentemente do sector em que procura cuidados, é essencial. “Através de uma centralização dos dados em saúde, numa mesma arquitectura, conseguimos muitos ganhos não só para os doentes, mas para o próprio sistema de saúde”, afirma a presidente da Plataforma para a Saúde em Diálogo, que junta mais de 60 associações de doentes.
Portugal já tem um registo electrónico de saúde, que agrega várias informações no âmbito do SNS, mas a evolução para uma plataforma única, em que seja possível a partilha de dados entre os utentes e as diversas entidades de saúde, públicas ou privadas, está em curso, adiantam os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS).
“Importa-nos que os dados circulem e que exista interoperabilidade em todo o sistema”, diz ao PÚBLICO Maria do Rosário Zincke. “A pessoa pode estar em determinado momento no SNS, mas pode também recorrer ao sector privado ou social e é fundamental que possa existir acesso aos seus dados de saúde”, explica a presidente da Plataforma para a Saúde em Diálogo, que, em parceria com a Novartis, organiza esta quinta-feira em Lisboa o Fórum Saber mais para Apoiar Melhor.
O único tema em debate é este, pela importância que assume para os doentes e para o sistema, ao, por exemplo, “evitar duplicações, nomeadamente de exames de diagnóstico”. “Se não tiver acesso a eles, o profissional de saúde vai pedir outros. Há gastos que são dispensáveis ou até lacunas. Entendemos também que este registo único vai facilitar, e muito, o percurso de cuidados” entre os vários níveis (cuidados primários, hospitalares e continuados), diz, lembrando que a informação clínica é do doente e por isso é essencial que “circule com o devido consentimento da pessoa”.
“Conhecer o historial é fundamental. Não é que o testemunho da pessoa não seja importante, mas sê-lo através de uma avaliação clínica, de exames e de relatórios ganha-se também no aspecto da segurança”, refere.
A criação de um registo único “é um tema central”, afirma Joaquim Cunha, director executivo do Health Cluster Portugal, plataforma que tem associadas diversas empresas do sector da saúde e instituições académicas. “Há a questão do desperdício e ter um médico a ver a história do paciente é riquíssimo. Trabalha-se ainda muitas vezes às escuras, quando há meios para fazer isto”, diz, apontando outra possível vantagem, além das imediatas.
Salientando o peso que o envelhecimento da população irá significar em aumento de doença e, por outro, a existência de novas terapêuticas mais caras, o responsável vê na utilização da tecnologia a variável que permitirá manter o acesso aos cuidados e reduzir os custos. “Não é só poupar na duplicação de exames, mas dar informação de elevada qualidade aos decisores.”
“Se se dispuser da informação de toda a população, teremos uma enormidade de dados que permitirá fazer explorações a diversos níveis, nomeadamente epidemiológicos, sabermos porquê e onde se gasta, investigar e desenvolver novas terapêuticas em áreas que se percebam necessárias”, exemplifica, referindo que este é um tema de debate na Europa.
Construção “em curso”
A área da digitalização da saúde é uma das que têm previstos fundos no Plano de Recuperação e Resiliência. “Teremos 300 milhões de euros para os sistemas de informação, seria de aproveitar este empurrão”, diz Joaquim Cunha. Uma opinião partilhada por Maria do Rosário Zincke, que recorda os passos importantes que já se deram na área da digitalização, como, por exemplo, a receita electrónica.
“A construção de um registo electrónio de saúde único está em curso, nomeadamente a definição de standards e de especificações técnicas necessárias para interoperar os dados dos utentes, para que possam ser mais bem servidos em qualquer ponto do sistema nacional de saúde, seja público, privado ou social, pelo que é fundamental o envolvimento e diálogo entre todos os parceiros, profissionais e prestadores de saúde”, referem os SPMS.
“O objectivo é obter mais e melhores dados, e reforçar a segurança dos mesmos, para o Registo de Saúde Electrónico Único reunir informação clínica essencial para uma prestação de cuidados mais informada, de forma a constituir um registo passível de ser partilhado entre o utente, profissionais de saúde e entidades prestadoras de serviços de saúde”, explica a mesma entidade, acrescentando que se encontram “em expansão diversos projectos que vão contribuir para acelerar e automatizar processos, contribuindo para o registo de saúde electrónico único”. “A partilha de resultados de exames médicos, ou meios complementares de diagnóstico e terapêutica, realizados no âmbito dos cuidados de saúde primários, é um dos bons exemplos. Nos últimos oito meses e meio, mais de 24 milhões de resultados médicos já foram partilhados digitalmente, podendo ser consultados através da app e do portal do SNS 24”, dizem.
Cidadãos no centro dos cuidados
“A existência de silos de informação/acesso está intimamente relacionada com o desperdício, sobretudo porque incentiva a duplicação de actos clínicos e procedimentos, como exames complementares de diagnóstico”, refere Válter Fonseca, moderador no debate e responsável pela decisão médica e qualidade na saúde da UpHill, empresa que trabalha em ferramentas informáticas para a área da saúde. Há estudos que indicam que o desperdício, que tem várias causas, corresponde a cerca de 20% a 30% da despesa em saúde, diz.
Mas existência destes silos “também pode contribuir para o atraso no diagnóstico e início da terapêutica adequada”. “Por isso, um registo electrónico único é uma ferramenta transformadora para os sistemas de saúde, garantindo uma navegação pelos vários níveis de cuidados, ultrapassando barreiras e compartimentos, sem duplicação de actos, e com melhoria da experiência do doente e um potencial muito significativo de eficiência e melhoria de resultados em saúde, quer a nível individual, quer a nível colectivo”, afirma.
“O recente enquadramento dado pelo European Health Data Space, que regulará a utilização e portabilidade de dados em saúde, estima que possam ser poupados 5,5 mil milhões de euros num período de dez anos”, acrescenta o responsável, cuja empresa em que trabalha tem projectos com entidades do sector público e privado na área das doenças crónicas, oncológicas, no seguimento pré e pós-cirúrgico de doentes e em cuidados agudos (urgentes).
Crente de que “a saúde deve evoluir no sentido de tornar os cidadãos o verdadeiro centro dos cuidados, diminuindo a actual assimetria de acesso a informação”, e que um registo único contribuirá para isso, Válter Fonseca afirma que “têm sido feitos importantes progressos em Portugal” na área do registo electrónico de saúde. Contudo, “ainda tem de ser melhorado para garantir a portabilidade dos dados e a sua reutilização, por parte do doente, noutros contextos”.
Dá alguns exemplos do que existe nesta área, como e-MCDT, um projecto que a Administração de Saúde Regional do Norte criou para “centralizar a leitura e partilha de radiografias, que centraliza a gestão dos exames de imagem com ganhos de eficiência e redução de deslocações desnecessárias dos doentes” e o MyHealth@EU, em vigor em cerca de dez países da União Europeia, que permite que os cidadãos de um país possam comparar medicamentos num outro e que os seus dados de saúde possam ser disponibilizados a prestadores de outros Estados-membros, “contribuindo para a qualidade e segurança da prestação de cuidados transfronteiriços na União Europeia”.