Patrícia Carvalho, in Público
Secretária de Estado da Inclusão admite rever regras para evitar casos como o da professora que tem de fazer 80 quilómetros diários para deixar o filho na crecheEste ano a professora Rita Gândara, 44 anos, teve sorte: ficou colocada na mesma freguesia onde reside, na Gafanha da Nazaré, em Aveiro. Mas a necessidade de colocar o filho de cinco meses numa creche acabou por anular qualquer alívio que essa facilidade lhe trouxe. Pediu a gratuitidade através do programa Creche Feliz e, quando já tinha desistido de uma vaga no sector social, ela acabou por aparecer. Mas a 20 quilómetros de distância de casa e do trabalho. Por isso, faz 80 quilómetros por dia, para ir levar e buscar o filho. “Não tive hipótese de escolha, se queria ter a creche gratuita”, diz. A secretária de Estado da Inclusão admite rever as regras.
Antecipando que teria de regressar ao trabalho assim que acabasse a licença de maternidade, Rita Gândara tinha procurado insistentemente uma vaga para o filho. “Inscrevi-o em 50 creches, em Aveiro, Ílhavo e Vagos. Nenhuma tinha vaga. A única que existia era numa creche privada, em Aveiro, a 10 quilómetros de minha casa. Ele ia começar a integração quando as listas da Segurança Social foram actualizadas e vi que havia uma vaga no concelho”, explica.
Como tinha ficado em lista de espera em todas as vagas em que se tinha inscrito, a professora ligou para a creche social em que existiria vaga e confirmou-a. Na análise dos critérios para as listas de espera, concluiu-se que a vaga era para ela, se quisesse. Acabou por a aceitar, apesar dos quilómetros a que está obrigada para ir levar e buscar o bebé, para poder usufruir da gratuitidade.
Foi um “sacrifício”, nas palavras de Susana Batista, da Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos de Ensino Particular (ACPEEP), que acabou por ajudar outros pais de Aveiro, que aguardam pela possibilidade de beneficiarem da Creche Feliz no sector privado mas não podiam pedir esse apoio, devido à existência de uma única vaga naquela creche da freguesia de Eixo, já que as creches privadas apenas podem aderir ao programa se não houver vagas do sector social no concelho em que estão instaladas. Entre esses pais, está Susana Rosa, de 39 anos, também professora e mãe de um menino de seis meses.
Com três filhos e o marido, militar, a trabalhar em Lisboa, Susana diz que não sabe como iria gerir a vida se tivesse sido ela a ter de ocupar a vaga do Eixo, uma vez que também vive na Gafanha da Nazaré. “Como é que eu ia fazer, sozinha, para ir buscar os três a escolas diferentes, com a creche a 20 quilómetros de distância?”, questiona-se. Mas, quando contactou a creche de Eixo, eles disseram-lhe que a vaga já tinha sido ocupada, e passaram-lhe uma declaração a confirmá-lo, que Susana entregou à Segurança Social. “A Segurança Social já confirmou que não existe vaga [no sector social] e que teríamos direito à gratuitidade [no privado], disse para aguardarmos”, conta.
A professora espera, por isso, que o seu caso seja resolvido em breve, uma vez que a creche privada em que colocou o filho em Setembro - depois de não ter encontrado vaga no sector social - já tem a autorização de adesão à bolsa de creches gratuitas para os meninos nascidos depois de 1 de Setembro de 2021, no âmbito do programa Creche Feliz. E também já entregou a declaração a comprovar que a creche aceita a inscrição do seu filho. “A nossa situação está um pouco mais resolvida, espero”, desabafa.
Esta segunda-feira, ainda esperava por uma resposta definitiva. E o mesmo fazia Sónia Cardoso, uma mediadora de seguros de 42 anos, com um filho de um ano e três meses. O seu percurso é idêntico ao dos outros pais: procurou e não encontrou qualquer vaga no sector social em Alfena ou Ermesinde, ambas no concelho de Valongo. Acabou por o inscrever no infantário privado de São Vicente, em Alfena, onde a irmã mais velha frequenta o ATL, porque tinha de trabalhar. “Estava tudo sem vagas. Quando apareceu uma em Ermesinde, na página da Segurança Social, liguei para eles e desloquei-me lá, mas confirmaram que essa tal vaga não existia. Passaram-me uma declaração a confirmar isso mesmo, que entreguei à Segurança Social, e agora estou à espera”, conta.
Ela e vários outros pais com filhos na creche privada. Tiago Nabais, da Associação Feijoeiro Mágico, que gere o infantário, diz que este tem 17 lugares para crianças que podiam estar já a beneficiar da gratuitidade - dois dos quais ainda por ocupar -, mas que, apesar de ter enviado o pedido de adesão à bolsa de creches gratuitas ainda em Dezembro, continua à espera de resposta da Segurança Social, sem saber sequer se o pedido foi recepcionado. “Aqui no Grande Porto, a indicação que há dos associados da ACPEEP, como nós, é que ninguém tem resposta do Centro Distrital da Segurança Social, nem respondem aos emails. Em Valongo, não há qualquer IPSS listada com vagas, mas confirmar isto foi um trabalho que fizemos com as famílias. Ou seja, estamos num concelho prioritário, sem vagas no sector social, e nem assim temos resposta ao nosso pedido de adesão”, lamenta.
O responsável pela creche diz não entender o porquê da regra que obriga à inexistência de vagas no sector social para activar as creches privadas, uma vez que todas recebem exactamente o mesmo do Estado, no âmbito do programa Creche Feliz: 460 euros mensais por cada criança. E lamenta o que diz ser a “burocracia em demasia” que torna o processo mais lento do que o desejável.
Ao PÚBLICO, a secretária de Estado da Inclusão, Ana Sofia Antunes, lembra que o alargamento do programa ao sector privado ainda é recente - começou a 1 de Janeiro -, pelo que há coisas a ajustar, e admite que as regras possam vir a ser alteradas. “Não está fora de questão, seja vermos as vagas na lógica das freguesias, em vez de concelhos, em algumas zonas do país, seja pela não exigência do esgotamento de vagas a 100%, mas precisamos de um pouco mais de tempo”, diz.
Concelhos esgotados e sem privados
A secretária de Estado diz que não consegue, por enquanto, estimar quanto tempo de avaliação será necessário para introduzir algumas eventuais mudanças, garantindo que, por enquanto, está “focada em ter oferta disponível nos concelhos que já estão esgotados no sector social e têm privados interessados”. Isto porque, diz, “dos concelhos esgotados [no sector privado], só um terço tem oferta privada” interessada em aderir à rede. “Há concelhos onde vai haver esgotamento de vagas e que ainda não têm oferta privada para activar”, diz.
Para tornar mais fácil às famílias saberem, em tempo real, que vagas existem e onde, está a ser preparada uma app, com o nome Creche Feliz, onde as instituições poderão colocar toda a informação sobre as vagas que têm disponíveis e ir actualizando esses dados, espera-se, de forma célere.
Ana Sofia Antunes diz que esta semana a app já deve estar disponível “ainda a título informativo”, mas que a partir do final de Fevereiro permitirá que os pais se possam inscrever numa creche, depois de acordarem previamente uma vaga.
Susana Batista diz acreditar que esta nova ferramenta poderá tornar mais fácil e fidedigna a informação sobre as vagas existentes a cada momento. E, se assim for, o maior problema que subsistirá é precisamente o da distância que as famílias podem ser obrigadas a percorrer para beneficiar de uma vaga gratuita. “Era importante que fosse revista a situação dos concelhos. Obrigar as pessoas a aceitar uma vaga a longa distância só porque fica no mesmo concelho não é viável, é um critério inadmissível e que não funciona. Como se concilia a vida profissional e pessoal se temos de colocar uma criança a 20 ou 30 quilómetros de casa?”, questiona.
Na semana passada, em audição parlamentar, a ministra Ana Mendes Godinho disse que mais de 47 mil crianças já frequentavam a creche de forma gratuita, metade das quais ao abrigo da Creche Feliz (as crianças do 1.º e do 2.º escalão de rendimentos, independentemente da data de nascimento, já tinham direito à gratuitidade). A ministra disse ainda que 106 instituições privadas já estavam na bolsa de creches aderentes ao programa.