10.1.23

Quase um quarto dos alunos abandona cursos superiores profissionais

Samuel Silva, in Público online

Falhas na orientação vocacional e atracção do mercado de trabalho ajudam a explicar fenómeno. “Via verde” para diplomados do ensino profissional continua com pouca procura.

Quase um quarto dos alunos inscritos em cursos técnicos superiores profissionais (Ctesp) abandonaram os estudos antes de concluírem estas formações, que duram dois anos e são oferecidas em exclusivo no sector politécnico. Os responsáveis das instituições e os estudantes concordam que há falhas na orientação vocacional e alguns alunos acabam em cursos de que não gostam. O mercado de trabalho é, para muitos, mais atraente do que a formação no curto prazo.

Os dados mais recentes dizem respeito ao ano lectivo 2020/21 e foram divulgados pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) no mês passado. Em 2020/21, 24% dos estudantes inscritos pela primeira vez no primeiro ano dos Ctesp já não se encontrava no ensino superior no ano seguinte. Este é o indicador oficial mais fiável e que tem sido usado para medir o abandono escolar no ensino superior. No mesmo ano, a taxa de abandono nas licenciaturas fixou-se nos 11%.

Os números da DGEEC revelam que houve um aumento do abandono nos dois anos lectivos atingidos pela covid-19: a taxa foi de 19% em 2019/20, ao passo que, nos dois anos anteriores, ficou em 17%. “Não se pode deixar de considerar os efeitos da pandemia”, contextualiza o presidente da Federação Nacional de Associações de Estudantes do Ensino Superior Politécnico (FNAEESP), João Pedro Pereira, mas o abandono nos Ctesp já antes era elevado.

O dirigente aponta falhas na orientação vocacional nas escolas secundárias e profissionais, que fazem com que muitos dos seus colegas “acabem em cursos de que não gostam”. “Alguns são quase empurrados pelos seus professores para fazerem um Ctesp só porque isso lhes dá acesso a mais um estágio”, comenta ainda o presidente da FNAEESP. Os dados da DGEEC mostram que, além dos 24% de alunos que desistem de estudar, há mais 9% que optam por mudar de curso um ano após o início da formação.

A presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP), Maria José Fernandes, concorda que existem problemas na orientação destes alunos. “Muitos deles não sabem ao certo o que pretendem fazer”, admite esta responsável, defendendo que as instituições de ensino superior devem trabalhar melhor no acompanhamento dos alunos.

O acesso aos Ctesp é feito por concursos locais. Ou seja, os alunos candidatam-se directamente junto do politécnico onde pretendem estudar, ao contrário do que acontece nas licenciaturas, às quais a maioria dos estudantes acede através do concurso nacional de acesso, que é centralizado.

As soluções para os problemas de orientação e abandono dos Ctesp devem, por isso, “ser tomadas localmente”, defende Maria José Fernandes. Por exemplo, o Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, que dirige, colocou, na página de candidaturas aos cursos técnicos superiores do seu site, um questionário acerca dos interesses dos alunos, destinado a dar-lhes algum tipo de orientação nas escolhas.

Aos problemas com a orientação vocacional, junta-se a “concorrência” das empresas, sobretudo no caso dos alunos que chegam aos Ctesp com um diploma do ensino profissional nas mãos. “Da maneira que está o mercado de trabalho, é fácil arranjar um emprego e isso desvia estes estudantes”, considera a presidente do CCISP, uma posição secundada pelo líder da FNAEESP e também pelo presidente da Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior (CNAES), Fontainhas Fernandes.
Competição interna

Os Ctesp, com a duração de dois anos, são uma oferta de ensino superior com uma componente prática, implicando sempre um período de trabalho em contexto de empresa. Foram introduzidos em 2014/15 e, desde então, não têm parado de crescer. No ano lectivo 2020/21, ao qual dizem respeito os dados divulgados pela DGEEC, havia 9394 estudantes inscritos nestas formações, mais 841 do que no ano anterior. No ano lectivo em curso, foram colocados 9840 alunos, segundo dados disponibilizados ao PÚBLICO pelo CCISP. Foram ocupadas 76,4% das vagas disponíveis num total de 507 cursos.

Ao contrário dos Ctesp, que têm tido procura crescente, o concurso especial de acesso para diplomados em vias profissionalizantes, introduzido em 2020 para facilitar ao acesso a uma licenciatura dos alunos do ensino profissional, continua a ter pouca procura.

Matricularam-se no ensino superior 874 estudantes por esta via, neste ano lectivo. Ou seja, foram ocupadas pouco mais de um terço (35,8%) das vagas existentes. Também este ano, houve cerca de 4500 diplomados do ensino profissional a entrar numa licenciatura através do concurso nacional de acesso, que os obriga a fazer exames nacionais sobre matérias que podem não ter estudado nos seus cursos.

A maioria dos alunos do Ctestp são provenientes do ensino profissional e muitos (cerca de 1600 no ano passado) acabam por prosseguir estudos para uma licenciatura, apesar de não terem sido originalmente criados com esse intuito. Por isso, o ingresso nos cursos técnicos superiores e o concurso especial para as vias profissionalizantes acabam por “concorrer entre si” pelos mesmos alunos, admite a presidente do CCISP, Maria José Fernandes.

A líder dos politécnicos entende, ainda assim, que as duas vias devem continuar a coexistir. Para isso, é necessário “melhorar a articulação do ensino secundário e profissional com o ensino superior” e fazer uma “maior divulgação” do concurso especial destinado aos diplomados dos cursos profissionais, entende.

Estas eram também as recomendações feitas ao Governo, no Verão, por um grupo de trabalho, nomeado ainda pelo anterior ministro, Manuel Heitor, sobre o acesso ao ensino superior, e que foi liderado pelo presidente da CNAES, Fontainhas Fernandes.

O ensino superior nacional “precisa de atrair mais alunos do ensino profissional”, até para compensar os efeitos da quebra demográfica no número de estudantes que fazem uma licenciatura, considera aquele responsável. O caminho deve “passar por uma especialização” das instituições de ensino superior, que tenha em conta as características das regiões onde se localizam.