10.1.23

Bonito, bonito, era termos mais guito

Pedro Gomes Sanches, in Expresso

Um país que se satisfaz com 125 euros para toda a gente e que tem um milhão de famílias para quem 240 euros fazem a diferença, não é um país, é uma fila de gente à porta da "sopa do Sidónio ”Portugal é o país mais pobre da Europa. Vá, está dito, agora podem tentar provar que estou errado. A verdade é que não quero saber. Não faço ideia se somos mesmo, mesmo, o mais pobre dos países europeus; se somos aquele que tem a maior percentagem de pobres; se temos a maior fatia da população à beira do limiar da pobreza; se somos o país cujas poupanças não sobrevivem a um mês sem rendimentos; mas, em qualquer caso, devemos andar perto. Não quero saber, e também não me pagam para ir ver. Mas há uma coisa que quero saber, e repito: somos o país mais pobre da Europa. E isto, se a avaliar pelas vossas opções eleitorais não vos interessa, interessa-me a mim.

Por que é que somos o país mais pobre da Europa? Não por sermos mesmo muito pobres, nem tão pouco, sequer, por não termos nenhuma estratégia para contrariar isso. Mas porque destruímos activa e conscientemente qualquer expectativa dos indivíduos e das famílias melhorarem a sua qualidade de vida. Que é como quem diz, ter mais guito.

A nossa pobreza não é uma pobreza passiva, uma coisa que nos calhou na rifa, um fatalismo histórico. Não. É uma pobreza activa, uma opção. Somos pobretes, mas alegretes. Indigentes, mas conscientes.

Ah, e tal, o elevador social não funciona, diz a direita. O elevador? Por amor de Deus. Ó, senhores, deixem-se de tiques novos-ricos, que nós somos todos velhos pobres. E, avaliar pelo rumo demográfico e económico, cada vez mais velhos e cada vez mais pobres. O problema não é o elevador social não funcionar (com excepção do do Largo do Rato), o problema é que destruímos as escadas e queimámos os escadotes. E se alguém se lembra de trazer uma corda para trepar por ali acima, a Autoridade Tributária trata logo de lhe dar um nó de forca.

Parem lá com essa lengalenga revolucionária da justiça social e da redistribuição de riqueza, enquanto levantam o punho cerrado. Para haver justiça social e redistribuição de riqueza é necessário que exista justiça e que exista riqueza. E para que elas existam, é necessário premiar o mérito e criar valor. Caso contrário, a única coisa que há para redistribuir é a pobreza. E isso não é justo.

Só uma sociedade miseravelmente pobre e uma classe política pobremente miserável é que não percebe isto. Um país que se satisfaz com 125 euros para toda a gente e que tem um milhão de famílias (¼ das famílias portuguesas) para quem 240 euros fazem a diferença, não é um país, é uma fila de gente à porta da sopa do Sidónio.

Nem de propósito, o grande acontecimento editorial do ano passado - a publicação pela Bertrand de crónicas, escritas no Independente, e nunca antes reunidas em livro, do Miguel Esteves Cardoso - trouxe-me várias alegrias e uma confirmação: na Aventura da Narta, MEC diz que o problema do país é a falta de dinheiro e que isso se resolve com mais cem contos a cada português. Um visionário, este MEC. Se isto era verdade em 1989, continua a ser verdade em 2023.

Cem contos são agora 500 euros. Esqueçam lá a correcção monetária, que até dou isso de barato. Mais 500 paus para todos os portugueses. Que tal?

Peguemos, por exemplo, no António, que fez uma formação profissional específica depois de concluir os estudos. O António é considerado um "trabalhador altamente qualificado" - estudou 14 anos - e recebe o que um trabalhador altamente qualificado recebe, em média, em Portugal: 1.197,6 euros[1]. Já o Joaquim, que jogava à bola com ele na rua quando eram miúdos, e que faz parte dos ainda 5,5% com abandono precoce escolar, tem o 9º ano e recebe o salário mínimo nacional: 760 euros.

Acontece que, se esta diferença em termos brutos exibe o quanto o país despreza o esforço, a competência e as qualificações, a diferença em termos líquidos exibe o quanto o Estado rapina os rendimentos, penaliza as empresas e desincentiva o aumento dos salários.

Concretizo. O António e o Joaquim são solteiros e não têm filhos. O António, dos 1.197,6 euros, recebe 898,2 euros, e a empresa gasta 1.482,03 euros. O Joaquim, dos 760 euros, recebe 676,4 euros, e a empresa gasta 940,5 euros. A empresa do António, pagando pouco, paga ao António mais 540 euros do que a empresa do Joaquim lhe paga a ele, mas o António só recebe mais 220 euros do que o Joaquim.

Aplicando a regra do MEC - mais 500 euros para toda a gente -, o António passaria a ganhar 1.219 euros e o Joaquim 945 euros, mas a empresa do António gastaria 2.101 euros, ao passo que a do Joaquim gastaria 1.560. Para uma diferença líquida de menos de 300 euros, a empresa do António gastaria mais de 500 euros.

As gentis almas esquerdistas, para quem isto está bem e é justo - quem ganha mais, paga mais -, não vêem nisto qualquer problema. Eu vejo. Porque não é o princípio que está em causa, mas a indigência da economia portuguesa e a extorsão fiscal, que comprometem a competitividade e erodem a eficácia salarial. Dizia que essas gentis almas não vêem nisto qualquer problema, porque, returquem, isto serve para pagar os serviços públicos. Mas o António e o Joaquim, quando os pais vão ao SNS, enquanto não têm médico de família, quando olham para a escola lá do bairro onde estudaram, enquanto esperam uma licença de obras para melhorarem as casas onde vivem, perguntam: quais serviços públicos?

O Tiago Cunha (juro que o nome não é ironia, o miúdo chama-se mesmo Cunha), esse, também deve achar esta lamúria injustificada. Com 21 anos, acabado de licenciar, ganha 3.732 euros brutos por mês, no Ministério da Ministra Vieira da Silva. E, com jeito, um destes dias acorda ministro.

O MEC até pode ter tido razão em 1989, mas quem, por essa altura, melhor topou os socialistas foi Ronald Reagan, quando afirmou: “Se se mexe, taxa; se se continua a mexer, regulamenta; se pára, subsidia”. Continuem a votar nos socialistas. Com jeito, o Governo "dá-vos" mais um subsídio este ano.

Pedro Gomes Sanches escreve de acordo com a antiga ortografia.

Post Scriptum: os cálculos apresentados usam a tabela de IRS para 2023 e consideram a TSU. Não incluem obrigações para com o FCT e o FGCT, nem seguros, nem outros custos obrigatórios, que aumentariam a disparidade entre o valor pago pelas empresas e o recebido pelo trabalhador.