João Ribeiro-Bidaoui, opinião, in DN
Num aforismo com 2500 anos, atribuído a Confúcio, lê-se: num país bem governado, a pobreza é algo que deve causar vergonha; num país mal governado, a riqueza e a honra são algo que deve causar vergonha.
A Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2021-2030 foi submetida a consulta pública nas últimas semanas. Dizer que "passou despercebida" seria um eufemismo. Ironicamente, um dos seus objetivos é fazer do combate à pobreza um desígnio nacional. Nas dezenas de painéis de comentadores que nos invadem a sala de estar, nem uma vez se debateu a dita estratégia em horário nobre. E a comunicação social também não se deu ao trabalho de promover debates, reportagens ou entrevistas. Como se ainda faltassem provas da falta de voz política e mediática dos nossos 2,2 milhões de concidadãos que vivem na pobreza... O que parece faltar é vergonha.
O caminho feito é inegavelmente positivo: a pobreza na infância entrou no discurso político; o risco de pobreza dos idosos passou de 28,9% em 2003 para 17,5% em 2019; a pobreza severa diminuiu deste 2015; os indicadores de desigualdade, como o índice de Gini, melhoraram; o abandono escolar passou de 44,3% em 2001, para 8,9% em 2020; e o salário mínimo cresceu mais depressa do que a produtividade, estando, à luz desse critério e em termos relativos, acima do que é pago em Espanha ou em França. A liderança do governo e a colaboração do patronato nesta matéria têm sido exemplares. Sobretudo quando um em cada três pobres é trabalhador com vínculo efetivo ou ganha o salário mínimo.
Este é um combate complexo e deve ir mais longe do que aumentos nas prestações sociais. Dependerá sempre de um país a produzir mais, para distribuir mais e, sobretudo, melhor. É assim incontornável que os partidos, e em particular o Partido Socialista, respondam a uma pergunta durante a campanha eleitoral: como erradicar a pobreza em duas legislaturas?
Podem começar por rever o objetivo pouco ambicioso da nova estratégia de retirar apenas 360 mil pessoas da situação de risco de pobreza ou exclusão social até 2030. Devem também propor um visto prévio sobre se determinada medida reduz ou não a pobreza - redefinindo por essa via as prioridades governativas e indo mais longe do que as atuais avaliações de impacto das propostas legislativas sobre a pobreza. E podem prometer a convocação de Conselhos de Ministros semestrais dedicados a esta causa.
Por outro lado, é bizarro que uma estratégia a dez anos ignore debates internacionais sobre a adoção de um rendimento básico incondicional (RBI). Os partidos devem por isso debater o RBI nesta campanha eleitoral. Não podemos esperar dez anos para saber se o RBI é mais, ou menos, dispendioso do que as atuais prestações sociais. Ou se a substituição da miríade de subsídios existentes pelo RBI resultaria em ganhos de eficácia ou em poupanças na máquina burocrática. Ou se deveria ser financiado por um fundo soberano para onde revertessem dividendos da CGD ou do Banco de Fomento. Nem podemos esperar tanto para testar, em projetos-piloto, se o RBI contribui para reduzir dependências ou introduzir racionalidade na indústria de solidariedade social.
Olhar para o lado é o inimigo histórico do combate à pobreza. Olhar de frente significa que no dia 30 de janeiro de 2022 devemos votar no partido, e no candidato a primeiro-ministro, que assumir a mais profunda vergonha pela pobreza no nosso país. Se Confúcio estiver certo, será esse partido, e esse líder, que nos governará melhor.
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8.11.21
6.10.20
Eleições nos Açores: Demografia, pobreza e trabalho preocupam sindicatos e conselho económico
in Expresso
O despovoamento e o envelhecimento da população foram preocupações centrais para o Conselho Económico e Social dos Açores, e são partilhadas pela UGT, enquanto a CGTP insiste na valorização laboral como prioridade para a próxima legislatura.
O Conselho Económico e Social dos Açores (CESA) é um órgão consultivo que reúne representantes de vários quadrantes da sociedade civil. Foi criado durante esta legislatura, em junho de 2018, mas reuniu-se pela primeira vez em setembro de 2019, tendo sido presidido pelo economista e presidente da comissão executiva do Novo Banco Açores Gualter Furtado, que cessou funções agora, com o término da atividade parlamentar desta legislatura.
A menos de um mês das eleições legislativas regionais, que decorrem em 25 de outubro, a Lusa falou com o economista, bem como com os dirigentes das principais intersindicais, a UGT e a CGTP, para perceber quais são os problemas que esperam ver combatidos nos próximos quatro anos.
Gualter Furtado fez um levantamento daqueles que considera serem os problemas estruturais da região, "temas que estiveram sempre presentes na agenda do CESA neste último ano e meio", e começou por apontar para os problemas demográficos.
"A maioria das ilhas dos Açores está a perder população. Isto pode pôr em causa a sustentabilidade da própria região autónoma. O saldo natural em todas as ilhas, com exceção da ilha de São Miguel, é negativo, isto é, todos os anos morre mais gente do que aquela que nasce. Depois, não é acompanhado por um saldo migratório favorável, não compensa esse saldo natural negativo. Em correlação, temos também o problema de envelhecimento da população", refere.
Para esse problema, sugere, não só a melhoria das acessibilidades, mas a criação, em todas as ilhas, de "soluções informáticas e de digitalização, que ajudam a colocar os Açores no centro do mundo".
O economista lembra ainda que o decréscimo demográfico "casa com outro fenómeno, que é a questão dos recursos humanos", afirmando que "o 'boom' a que se assistiu na área do turismo" revelou que os Açores não tinham "recursos humanos qualificados nem suficientes para sustentar o desenvolvimento" que se verificou, um fator que é "transversal a todas as ilhas, mas é pior nas ilhas mais pequenas".
Também o dirigente da UGT Francisco Pimentel menciona um "problema de desertificação grave em ilhas como a Graciosa, São Jorge e Flores", e defende a necessidade de "criar um desenvolvimento sustentável e qualificado nos Açores", já que "só assim é que se pode fixar jovens, fixar pessoas".
Para isso, vai ser preciso "colocar os meios financeiros e avultados que a região vai ter [no próximo quadro comunitário], e que, se calhar, é das últimas oportunidades, e fixar esses meios naquilo que são as prioridades e as capacidades endógenas de cada ilha", considera o sindicalista.
Esse investimento deve ter uma "visão complementar das ilhas", que deve "evitar a concorrência entre elas, numa perspetiva de complementaridade", afirma Francisco Pimentel, defendendo uma possível "diferenciação fiscal, para permitir a fixação", nas ilhas mais desertificadas.
Outro dos problemas estruturais que preocupou o Conselho Económico e Social dos Açores foi a pobreza.
A "Região Autónoma dos Açores é a região do país com a taxa bruta de pobreza mais elevada" e é, "simultaneamente, a região com taxas de abandono escolar mais elevadas", lembra Gualter Furtado. "Isso é explosivo", vaticina.
"Tem-se procurado resolver isso, e bem, julgo, no curto prazo, através do Rendimento Social de Inserção, apoios ao rendimento das famílias mais desfavorecidas, medidas complementares aos abonos, medidas específicas para as famílias mais pobres, distribuição de cabazes. Tudo isso é muito importante para minorar esses problemas de pobreza. Mas, não haja dúvidas, a pobreza é um problema estrutural e sem educação a gente não vai lá", concretiza o economista.
Já o dirigente máximo da CGTP nos Açores, João Decq Mota, acredita que "é necessário valorizar o trabalho que é hoje central no desenvolvimento, aumentar os salários, promover o emprego e erradicar a precariedade".
O sindicalista defende que "uma política mais justa e que possa fazer com que a Região Autónoma dos Açores se desenvolva e crie maior riqueza" passa também por "reforçar o serviço público e as funções sociais do Estado".
"A CGTP Açores tem o entendimento de que a autonomia que existe é suficiente para que se possa legislar na região em questões fundamentais para o trabalho e para maior justiça social" e defende medidas como o reforço do acréscimo regional ao salário mínimo e o "combate ao falso trabalho independente".
Para Gualter Furtado, "era preciso que o povo açoriano se envolvesse mais nas soluções das nossas nove ilhas" e, por isso, pede que, no dia 25 de outubro, os açorianos não se abstenham.
Nas eleições regionais açorianas existe um círculo por cada uma das nove ilhas, mais um círculo regional de compensação, que reúne os votos que não foram aproveitados para a eleição de parlamentares nos círculos de ilha.
Nas anteriores eleições, o PS venceu com 46,4% dos votos, o que se traduziu em 30 mandatos no parlamento regional, contra 30,89% do segundo partido mais votado, o PSD, com 19 mandatos, e 7,1% do CDS-PP (quatro mandatos).
O BE, com 3,6%, obteve dois mandatos, a coligação PCP/PEV, com 2,6%, um, e o PPM, com 0,93% dos votos expressos, também um.
O PS governa a região há 24 anos, tendo sido antecedido pelo PSD, que liderou o executivo regional entre 1976 e 1996.
O despovoamento e o envelhecimento da população foram preocupações centrais para o Conselho Económico e Social dos Açores, e são partilhadas pela UGT, enquanto a CGTP insiste na valorização laboral como prioridade para a próxima legislatura.
O Conselho Económico e Social dos Açores (CESA) é um órgão consultivo que reúne representantes de vários quadrantes da sociedade civil. Foi criado durante esta legislatura, em junho de 2018, mas reuniu-se pela primeira vez em setembro de 2019, tendo sido presidido pelo economista e presidente da comissão executiva do Novo Banco Açores Gualter Furtado, que cessou funções agora, com o término da atividade parlamentar desta legislatura.
A menos de um mês das eleições legislativas regionais, que decorrem em 25 de outubro, a Lusa falou com o economista, bem como com os dirigentes das principais intersindicais, a UGT e a CGTP, para perceber quais são os problemas que esperam ver combatidos nos próximos quatro anos.
Gualter Furtado fez um levantamento daqueles que considera serem os problemas estruturais da região, "temas que estiveram sempre presentes na agenda do CESA neste último ano e meio", e começou por apontar para os problemas demográficos.
"A maioria das ilhas dos Açores está a perder população. Isto pode pôr em causa a sustentabilidade da própria região autónoma. O saldo natural em todas as ilhas, com exceção da ilha de São Miguel, é negativo, isto é, todos os anos morre mais gente do que aquela que nasce. Depois, não é acompanhado por um saldo migratório favorável, não compensa esse saldo natural negativo. Em correlação, temos também o problema de envelhecimento da população", refere.
Para esse problema, sugere, não só a melhoria das acessibilidades, mas a criação, em todas as ilhas, de "soluções informáticas e de digitalização, que ajudam a colocar os Açores no centro do mundo".
O economista lembra ainda que o decréscimo demográfico "casa com outro fenómeno, que é a questão dos recursos humanos", afirmando que "o 'boom' a que se assistiu na área do turismo" revelou que os Açores não tinham "recursos humanos qualificados nem suficientes para sustentar o desenvolvimento" que se verificou, um fator que é "transversal a todas as ilhas, mas é pior nas ilhas mais pequenas".
Também o dirigente da UGT Francisco Pimentel menciona um "problema de desertificação grave em ilhas como a Graciosa, São Jorge e Flores", e defende a necessidade de "criar um desenvolvimento sustentável e qualificado nos Açores", já que "só assim é que se pode fixar jovens, fixar pessoas".
Para isso, vai ser preciso "colocar os meios financeiros e avultados que a região vai ter [no próximo quadro comunitário], e que, se calhar, é das últimas oportunidades, e fixar esses meios naquilo que são as prioridades e as capacidades endógenas de cada ilha", considera o sindicalista.
Esse investimento deve ter uma "visão complementar das ilhas", que deve "evitar a concorrência entre elas, numa perspetiva de complementaridade", afirma Francisco Pimentel, defendendo uma possível "diferenciação fiscal, para permitir a fixação", nas ilhas mais desertificadas.
Outro dos problemas estruturais que preocupou o Conselho Económico e Social dos Açores foi a pobreza.
A "Região Autónoma dos Açores é a região do país com a taxa bruta de pobreza mais elevada" e é, "simultaneamente, a região com taxas de abandono escolar mais elevadas", lembra Gualter Furtado. "Isso é explosivo", vaticina.
"Tem-se procurado resolver isso, e bem, julgo, no curto prazo, através do Rendimento Social de Inserção, apoios ao rendimento das famílias mais desfavorecidas, medidas complementares aos abonos, medidas específicas para as famílias mais pobres, distribuição de cabazes. Tudo isso é muito importante para minorar esses problemas de pobreza. Mas, não haja dúvidas, a pobreza é um problema estrutural e sem educação a gente não vai lá", concretiza o economista.
Já o dirigente máximo da CGTP nos Açores, João Decq Mota, acredita que "é necessário valorizar o trabalho que é hoje central no desenvolvimento, aumentar os salários, promover o emprego e erradicar a precariedade".
O sindicalista defende que "uma política mais justa e que possa fazer com que a Região Autónoma dos Açores se desenvolva e crie maior riqueza" passa também por "reforçar o serviço público e as funções sociais do Estado".
"A CGTP Açores tem o entendimento de que a autonomia que existe é suficiente para que se possa legislar na região em questões fundamentais para o trabalho e para maior justiça social" e defende medidas como o reforço do acréscimo regional ao salário mínimo e o "combate ao falso trabalho independente".
Para Gualter Furtado, "era preciso que o povo açoriano se envolvesse mais nas soluções das nossas nove ilhas" e, por isso, pede que, no dia 25 de outubro, os açorianos não se abstenham.
Nas eleições regionais açorianas existe um círculo por cada uma das nove ilhas, mais um círculo regional de compensação, que reúne os votos que não foram aproveitados para a eleição de parlamentares nos círculos de ilha.
Nas anteriores eleições, o PS venceu com 46,4% dos votos, o que se traduziu em 30 mandatos no parlamento regional, contra 30,89% do segundo partido mais votado, o PSD, com 19 mandatos, e 7,1% do CDS-PP (quatro mandatos).
O BE, com 3,6%, obteve dois mandatos, a coligação PCP/PEV, com 2,6%, um, e o PPM, com 0,93% dos votos expressos, também um.
O PS governa a região há 24 anos, tendo sido antecedido pelo PSD, que liderou o executivo regional entre 1976 e 1996.
2.8.19
"A culpa não é nossa!": A geração Z, conhecida como a "desinteressada", chegou às urnas
Beatriz Abreu Ferreira e Duarte Laranjo, in Visão
A geração Z, nascida entre 1997 e 2012, está a chegar às urnas. Enquanto uns começaram agora a ler e escrever, outros já vão votar pela segunda vez. Conhecidos como “nativos digitais”, os Zs não fazem ideia de como era o mundo antes do 11 de setembro. Quando pensam em Economia, a palavra que conhecem melhor é “crise”. Os mais crescidos já sabem bem o que é a precariedade, e cresceram assombrados pelo desemprego. Segundo o último Eurobarómetro, estes "peritos" em ecologia e alterações climáticas querem mudar o mundo, desejam fazer a diferença, mas nas últimas legislativas só 19% é que foram às urnas. A palavra a quatro Zs
“Nunca ou quase nunca” discutem os temas da atualidade e poucos sabem dizer aquilo que defende cada partido. “Estou mesmo à parte desse mundo da política”, considera Beatriz Figueira, com 21 anos. “Não tenho por hábito falar sobre política com os meus amigos porque é um assunto muito chato. Os meus pais trabalham muito e as conversas que temos em casa, ou à mesa, são tudo menos sobre política. Às vezes passa uma notícia na televisão e eles soltam um comentário sobre isso, mas o assunto morre ali”. Francisca Quádrio, com menos um ano, também não se sente à vontade para ter conversas sobre o tema: “É como se eu estivesse a falar sobre algo que eu não sei, e eu sinto que os meus amigos às vezes também não sabem o que é que os partidos defendem. Nós não podemos falar sobre algo que não sabemos. E como a informação não nos é transmitida, porque não vemos televisão...”
Em casa de Bernardo Bettencourt, 21 anos, “cultiva-se o debate e discutem-se vários temas”, conta o próprio. Talvez seja essa uma das razões pelas quais ele gosta de conversar sobre política com o seu grupo de amigos. “Principalmente sobre assuntos mais polémicos, que têm mais piada discutir porque temos todos opiniões diferentes”. Também os amigos da Joana Alvito, com 20 anos, “interessam-se e estão horas e horas a falar sobre política”, mas ela diz sempre: “Eu política não discuto!” Nunca falo sobre isso, quando alguém fala, eu abstenho-me, porque não tenho conhecimentos. Não sei o que dizer, não tenho opinião formada”, explica.
Os jovens são desinteressados? Eles dizem que não...
“Não podemos generalizar e dizer que os jovens estão ‘desligados’ da política porque até conheço vários jovens envolvidos. Mas, por outro lado, nós [jovens] conhecemos melhor os aspetos negativos da política do que positivos, e isso afasta-nos um bocadinho. Somos mais desinteressados porque ninguém se preocupa em informar-nos do que podemos fazer para mudar”, considera Bernardo e Beatriz concorda: “À volta da política é que já está uma nuvem negra muito grande”. Já Francisca acha que o problema é que “é quase sempre a mesma coisa, a mesma conversa, a mesma discussão. E, por não haver discussões diferentes, as pessoas já não se interessam mais”.
Falta de confiança nos políticos
Quando perguntamos a Beatriz se confia nos políticos, a jovem não hesita na resposta: “Não! Eu acho que quando eles estão a fazer as campanhas, defendem que vão mudar o mundo, que vai correr tudo bem e que vão trazer muitos benefícios à vida das pessoas, para nós votarmos neles, só que o que acaba por acontecer é que, quando chegam ao poder, a ambição é tão grande, que tudo aquilo em que acreditavam acaba por mudar.” Bernardo não pensa de forma muito diferente, até porque sempre que simpatizou por alguma figura política, acabou por sair uma notícia que o fez mudar de ideias. A opinião de Francisca vai ao encontro das dos restantes: “Mesmo não acompanhando atentamente as notícias, ouvia muitas vezes na televisão ‘mais um político corrupto’. Eu acho que é por causa disso, e também devido ao que está a acontecer no mundo, como o caso do Brasil, que a minha confiança nos políticos não é muito grande”, justifica.
Mas há uma exceção...
E o Presidente da República? “Ah, ele sim…! Gosto dele! É uma pessoa muito próxima da população o que faz com que nós nos sintamos ouvidos”, observa a Joana. “No presidente Marcelo, apesar de tudo, confio mais, por causa do contacto que ele tem com as pessoas. Ele quebra os protocolos porque segue a sua intuição e aquilo em que acredita”, defende Beatriz. Segundo Francisca, o Presidente da República é mais popular porque “nem toda a gente gosta de políticos, mas toda a gente gosta de pessoas. O presidente Marcelo, quando tira fotos com toda a gente, as pessoas adoram. São coisas mais terra a terra”.
As redes sociais e as alterações climáticas
Bernardo admite não fazer ideia “de metade das coisas que são discutidas no parlamento”, com exceção das que “acabam por afetá-lo diretamente”. “Os jovens interessam-se por aquilo que tem mais impacto nas suas vidas. É isso que faz a diferença”, esclarece. Tanto a Joana como a Beatriz dizem interessar-se pela defesa dos direitos dos alunos universitários ou sobre o discussão dos pagamentos das propinas, mas não fazem ideia sobre o que cada partido defende nesse campo e quando vêem notícias sobre o assunto, não percebem “nada” e “perdem-se completamente”.
Segundo o último Eurobarómetro, o combate às alterações climáticas é o tema que mais preocupa os eleitores entre os 15 e os 24 anos. Mas porquê? Beatriz acha que é por se abordar mais este assunto nas escolas, até porque, no resto dos temas, nem se sente preparada para “avaliar a situação ou debater”. A geração mais nova mudou-se para as redes sociais, por isso, ficam muitas vezes afastados do debate político a acontecer nos média tradicionais. “Discute-se muito na televisão, mas não de uma maneira que os jovens entendam. Se eu estiver a ver uma notícia, por exemplo, sobre uma greve, o meu cérebro vai automaticamente desligar”. No entanto, nas redes sociais, não faltam vídeos e imagens a alertar para as alterações climáticas, algo que Beatriz compreende muito melhor e gosta de consultar. “Quando nós pensamos na Assembleia [da República] pensamos logo: seca! Mas vídeos desses nas redes sociais nós já vemos”, confessa.
A receita para o sucesso: educar, descomplicar e modernizar
Os Zs querem mais jovens sentados no parlamento. Pessoas com quem se identifiquem e que os compreendam.“Pessoas mais próximas da nossa idade vão saber como chegar a nós e sabem o que é que mexe com as nossas vidas”, defende Bernardo. Joana acha que a Assembleia “são só pais, que usam palavras que ninguém entende”, e isso “não é nada atrativo”. “Os políticos têm de acompanhar a evolução da sociedade e não sei se isso estará a acontecer...”“É tudo muito velho, nós é que temos a genica toda para tentar mudar. Pôr mais jovens na política até poderia dar resultado”, acrescenta.
Estão fartos de termos que não entendem e da linguagem “demasiado formal”, querem alguém que fale na língua deles ou, pelo menos, que lhes expliquem nas escolas.“Se vierem com palavras complicadas, obviamente que não vamos estar interessados. Têm que ser coisas que se relacionam connosco. Um miúdo de 16 anos não vai querer saber de impostos. Mas se o fizerem perceber que se não houver impostos, o estádio onde ele joga futebol vai ter que fechar...”, exemplifica Francisca.
“[Os jovens] não votam porque, sinceramente, não sabem em quem votar, ou não percebem o que é mais vantajoso. Não conseguem ter voz própria porque não estão informados”. A informação sobre o que cada partido defende “não está disponível muito facilmente. Não é muito fácil para nós entender as informações nos programas”, “falam demasiado de números e dinheiro”, e os jovens “desligam disso”, concorda Beatriz. Só agora, aos 21, é que Bernardo começou a ter mais interesse e, segundo o próprio, “até aqui, se não fosse através dos pais, não teria qualquer tipo de conhecimento”. “Sinto que as escolas até fogem desse tema para não serem acusadas de não serem imparciais, ou algo do género. Mas acho que não devia ser assim, acho que deviam tentar mostrar aos jovens o que é a política, porque é que é importante, o que é que acontece diariamente, mudando a imagem que nos vão passando [da política]”.
Na era das redes sociais, os jovens que entrevistámos querem que o debate não aconteça apenas nos média tradicionais porque “não é lá que estão os jovens”, lembra Beatriz, e que o voto passe a ser eletrónico. “Ganharíamos todos por ser muito mais prático e havia muito mais gente a votar”, considera Bernardo.
Votar, sempre! Abster-me, nunca mais!
Joana não foi às urnas nas europeias porque não sabia em quem votar. No entanto, considera que “votar faz diferença!” e nas legislativas não quer faltar. “Vou votar ou em branco ou no mesmo que os meus pais. Porque essas [eleições] têm a ver com Portugal e acabam por incidir, ainda não em mim, mas pelo menos nos meus pais”, considera. “Eu voto sempre. É uma coisa que me incutiram. Eles lutaram para ter o voto por isso é quase chocante não ir votar. Posso nem saber quais vão ser as próximas eleições, mas sei que vou votar. A minha mãe sempre me disse: mesmo que não gostes de política, apesar de te deveres interessar e informar, votar nem que seja em branco, já demonstra interesse e vontade de mudar”, conta Bernardo. Apesar de não se sentir preparada, a Beatriz também garante que não vai faltar às eleições de outubro. “Já que lutámos para isso, principalmente nós, mulheres, acho que não devemos ignorar esse direito”.
A geração Z, nascida entre 1997 e 2012, está a chegar às urnas. Enquanto uns começaram agora a ler e escrever, outros já vão votar pela segunda vez. Conhecidos como “nativos digitais”, os Zs não fazem ideia de como era o mundo antes do 11 de setembro. Quando pensam em Economia, a palavra que conhecem melhor é “crise”. Os mais crescidos já sabem bem o que é a precariedade, e cresceram assombrados pelo desemprego. Segundo o último Eurobarómetro, estes "peritos" em ecologia e alterações climáticas querem mudar o mundo, desejam fazer a diferença, mas nas últimas legislativas só 19% é que foram às urnas. A palavra a quatro Zs
“Nunca ou quase nunca” discutem os temas da atualidade e poucos sabem dizer aquilo que defende cada partido. “Estou mesmo à parte desse mundo da política”, considera Beatriz Figueira, com 21 anos. “Não tenho por hábito falar sobre política com os meus amigos porque é um assunto muito chato. Os meus pais trabalham muito e as conversas que temos em casa, ou à mesa, são tudo menos sobre política. Às vezes passa uma notícia na televisão e eles soltam um comentário sobre isso, mas o assunto morre ali”. Francisca Quádrio, com menos um ano, também não se sente à vontade para ter conversas sobre o tema: “É como se eu estivesse a falar sobre algo que eu não sei, e eu sinto que os meus amigos às vezes também não sabem o que é que os partidos defendem. Nós não podemos falar sobre algo que não sabemos. E como a informação não nos é transmitida, porque não vemos televisão...”
Em casa de Bernardo Bettencourt, 21 anos, “cultiva-se o debate e discutem-se vários temas”, conta o próprio. Talvez seja essa uma das razões pelas quais ele gosta de conversar sobre política com o seu grupo de amigos. “Principalmente sobre assuntos mais polémicos, que têm mais piada discutir porque temos todos opiniões diferentes”. Também os amigos da Joana Alvito, com 20 anos, “interessam-se e estão horas e horas a falar sobre política”, mas ela diz sempre: “Eu política não discuto!” Nunca falo sobre isso, quando alguém fala, eu abstenho-me, porque não tenho conhecimentos. Não sei o que dizer, não tenho opinião formada”, explica.
Os jovens são desinteressados? Eles dizem que não...
“Não podemos generalizar e dizer que os jovens estão ‘desligados’ da política porque até conheço vários jovens envolvidos. Mas, por outro lado, nós [jovens] conhecemos melhor os aspetos negativos da política do que positivos, e isso afasta-nos um bocadinho. Somos mais desinteressados porque ninguém se preocupa em informar-nos do que podemos fazer para mudar”, considera Bernardo e Beatriz concorda: “À volta da política é que já está uma nuvem negra muito grande”. Já Francisca acha que o problema é que “é quase sempre a mesma coisa, a mesma conversa, a mesma discussão. E, por não haver discussões diferentes, as pessoas já não se interessam mais”.
Falta de confiança nos políticos
Quando perguntamos a Beatriz se confia nos políticos, a jovem não hesita na resposta: “Não! Eu acho que quando eles estão a fazer as campanhas, defendem que vão mudar o mundo, que vai correr tudo bem e que vão trazer muitos benefícios à vida das pessoas, para nós votarmos neles, só que o que acaba por acontecer é que, quando chegam ao poder, a ambição é tão grande, que tudo aquilo em que acreditavam acaba por mudar.” Bernardo não pensa de forma muito diferente, até porque sempre que simpatizou por alguma figura política, acabou por sair uma notícia que o fez mudar de ideias. A opinião de Francisca vai ao encontro das dos restantes: “Mesmo não acompanhando atentamente as notícias, ouvia muitas vezes na televisão ‘mais um político corrupto’. Eu acho que é por causa disso, e também devido ao que está a acontecer no mundo, como o caso do Brasil, que a minha confiança nos políticos não é muito grande”, justifica.
Mas há uma exceção...
E o Presidente da República? “Ah, ele sim…! Gosto dele! É uma pessoa muito próxima da população o que faz com que nós nos sintamos ouvidos”, observa a Joana. “No presidente Marcelo, apesar de tudo, confio mais, por causa do contacto que ele tem com as pessoas. Ele quebra os protocolos porque segue a sua intuição e aquilo em que acredita”, defende Beatriz. Segundo Francisca, o Presidente da República é mais popular porque “nem toda a gente gosta de políticos, mas toda a gente gosta de pessoas. O presidente Marcelo, quando tira fotos com toda a gente, as pessoas adoram. São coisas mais terra a terra”.
As redes sociais e as alterações climáticas
Bernardo admite não fazer ideia “de metade das coisas que são discutidas no parlamento”, com exceção das que “acabam por afetá-lo diretamente”. “Os jovens interessam-se por aquilo que tem mais impacto nas suas vidas. É isso que faz a diferença”, esclarece. Tanto a Joana como a Beatriz dizem interessar-se pela defesa dos direitos dos alunos universitários ou sobre o discussão dos pagamentos das propinas, mas não fazem ideia sobre o que cada partido defende nesse campo e quando vêem notícias sobre o assunto, não percebem “nada” e “perdem-se completamente”.
Segundo o último Eurobarómetro, o combate às alterações climáticas é o tema que mais preocupa os eleitores entre os 15 e os 24 anos. Mas porquê? Beatriz acha que é por se abordar mais este assunto nas escolas, até porque, no resto dos temas, nem se sente preparada para “avaliar a situação ou debater”. A geração mais nova mudou-se para as redes sociais, por isso, ficam muitas vezes afastados do debate político a acontecer nos média tradicionais. “Discute-se muito na televisão, mas não de uma maneira que os jovens entendam. Se eu estiver a ver uma notícia, por exemplo, sobre uma greve, o meu cérebro vai automaticamente desligar”. No entanto, nas redes sociais, não faltam vídeos e imagens a alertar para as alterações climáticas, algo que Beatriz compreende muito melhor e gosta de consultar. “Quando nós pensamos na Assembleia [da República] pensamos logo: seca! Mas vídeos desses nas redes sociais nós já vemos”, confessa.
A receita para o sucesso: educar, descomplicar e modernizar
Os Zs querem mais jovens sentados no parlamento. Pessoas com quem se identifiquem e que os compreendam.“Pessoas mais próximas da nossa idade vão saber como chegar a nós e sabem o que é que mexe com as nossas vidas”, defende Bernardo. Joana acha que a Assembleia “são só pais, que usam palavras que ninguém entende”, e isso “não é nada atrativo”. “Os políticos têm de acompanhar a evolução da sociedade e não sei se isso estará a acontecer...”“É tudo muito velho, nós é que temos a genica toda para tentar mudar. Pôr mais jovens na política até poderia dar resultado”, acrescenta.
Estão fartos de termos que não entendem e da linguagem “demasiado formal”, querem alguém que fale na língua deles ou, pelo menos, que lhes expliquem nas escolas.“Se vierem com palavras complicadas, obviamente que não vamos estar interessados. Têm que ser coisas que se relacionam connosco. Um miúdo de 16 anos não vai querer saber de impostos. Mas se o fizerem perceber que se não houver impostos, o estádio onde ele joga futebol vai ter que fechar...”, exemplifica Francisca.
“[Os jovens] não votam porque, sinceramente, não sabem em quem votar, ou não percebem o que é mais vantajoso. Não conseguem ter voz própria porque não estão informados”. A informação sobre o que cada partido defende “não está disponível muito facilmente. Não é muito fácil para nós entender as informações nos programas”, “falam demasiado de números e dinheiro”, e os jovens “desligam disso”, concorda Beatriz. Só agora, aos 21, é que Bernardo começou a ter mais interesse e, segundo o próprio, “até aqui, se não fosse através dos pais, não teria qualquer tipo de conhecimento”. “Sinto que as escolas até fogem desse tema para não serem acusadas de não serem imparciais, ou algo do género. Mas acho que não devia ser assim, acho que deviam tentar mostrar aos jovens o que é a política, porque é que é importante, o que é que acontece diariamente, mudando a imagem que nos vão passando [da política]”.
Na era das redes sociais, os jovens que entrevistámos querem que o debate não aconteça apenas nos média tradicionais porque “não é lá que estão os jovens”, lembra Beatriz, e que o voto passe a ser eletrónico. “Ganharíamos todos por ser muito mais prático e havia muito mais gente a votar”, considera Bernardo.
Votar, sempre! Abster-me, nunca mais!
Joana não foi às urnas nas europeias porque não sabia em quem votar. No entanto, considera que “votar faz diferença!” e nas legislativas não quer faltar. “Vou votar ou em branco ou no mesmo que os meus pais. Porque essas [eleições] têm a ver com Portugal e acabam por incidir, ainda não em mim, mas pelo menos nos meus pais”, considera. “Eu voto sempre. É uma coisa que me incutiram. Eles lutaram para ter o voto por isso é quase chocante não ir votar. Posso nem saber quais vão ser as próximas eleições, mas sei que vou votar. A minha mãe sempre me disse: mesmo que não gostes de política, apesar de te deveres interessar e informar, votar nem que seja em branco, já demonstra interesse e vontade de mudar”, conta Bernardo. Apesar de não se sentir preparada, a Beatriz também garante que não vai faltar às eleições de outubro. “Já que lutámos para isso, principalmente nós, mulheres, acho que não devemos ignorar esse direito”.
20.7.15
José Soeiro: precários “farão a diferença” nas próximas eleições
Texto de Mariana Correia Pinto, in Público on-line (P3)
São “quase metade da força de trabalho” e um desafio para partidos e sindicatos. Sociólogo e deputado José Soeiro mergulhou nas vidas do “precariado” português e estudou “novos reportórios de acção” deste grupo heterogéneo e crescente. Podem eles virar o mapa político?
Amigos com contratos a termo, recibos verdes, temporários. Colegas bolseiros e (eternos) estagiários. Filhos que regressam a casa dos pais, adiam a criação de família, reciclam projectos de vida. Pais que são o suporte e pais que já não podem ser o suporte. Avós que ficaram sem pensões. Não foi um sociólogo distante do objecto de estudo aquele que defendeu a tese de doutoramento no início deste mês na Universidade de Coimbra. José Soeiro assumiu-se “observador-participante” — “não é esta a realidade à nossa volta?” — e mergulhou nas vidas do “precariado” português: mais do que um retrato histórico, o também deputado bloquista fez uma cartografia das formas de luta deste grupo na última década e meia. O poder de mudar o futuro do país pode estar neles.
Em 2011, depois de a "geração à rasca" surpreender com uma das mais expressivas manifestações do país democrático, desenhou-se “a primeira e única grande vitória” dos precários do ponto de vista legislativo. Um grupo de trabalhadores recolheu assinaturas suficientes para levar à Assembleia da República (AR) uma proposta que originaria a lei contra a precariedade (braço direito da recente luta da Linha Saúde 24). “Há outras pequenas vitórias além desta, mas conseguir que a legislação fosse no sentido de dar alguns mecanismos de protecção, e não de precarizar, tem neste caso o único exemplo de sucesso”, concluiu José Soeiro na tese “A formação do precariado — transformações no trabalho e mobilizações de precários em Portugal”, a primeira que estuda as formas de luta dos precários.
Esta constatação não é um atestado de fracasso à luta deste grupo heterogéneo e crescente. O “precariado” (a expressão, usada pela primeira vez na sociologia nos anos 90, é uma junção das palavras precário e proletário) teve, por exemplo, a conquista de ver-se inscrito na agenda pública. Para o demonstrar, o sociólogo analisou todos os discursos onde a palavra precariedade (e seus derivados) foi utilizada na AR entre os anos de 1976 e 2014 (quase sete mil registos). Conclusão: o “boom de discussão sobre esses temas” surge em 2008, depois do primeiro MayDay, e em 2011, depois da manifestação da "geração à rasca". Na revisão das lutas do “precariado” feita por José Soeiro são evidentes as conquistas deste grupo, sobretudo ao nível da capacidade de mobilização: nos últimos anos, Portugal viveu nas ruas movimentos contestatários que só encontram paralelo nos ocorridos no período revolucionário, foram criadas diversas associações de resistência e combate à precariedade e, entre 2011 e 2014, houve tantas greves gerais como as que tinham ocorrido em todo o período democrático anterior.
Como se explica, então, tão poucas vitórias no terreno? “Os casos de sucesso aconteceram quando as pessoas encontraram forma de dar continuidade aos movimentos. Em alguns países isso aconteceu, encontrando sujeitos políticos que responderam a isso e inventaram uma gramática política a partir da experiência destas movimentações sociais.” Em Portugal, o surgimento de novos partidos não só “não recompôs o mapa político” como significou “uma fragmentação do espaço à esquerda”, analisa na entrevista ao P3 o deputado, recentemente regressado ao parlamento para substituir João Semedo.
Para o jovem, de 30 anos, uma resposta às políticas de direita passa pela criação de “um polo alternativo aos partidos de austeridade” (PS não incluído), representativo do grupo analisado na tese com mais de 400 páginas, a ser publicada em livro nos próximos meses. “A capacidade de constituir um sujeito político que expresse as reivindicações dos precários” será decisiva nas próximos eleições legislativas", acredita. É que este grupo de pessoas já representa “quase metade da força de trabalho” — e se a estes juntarmos os desempregados sem qualquer tipo de apoio verifica-se que “os ‘desemprecários’ [desempregados e precários] são hoje a esmagadora maioria” dessa classe trabalhadora. “Os precários farão a diferença”, vaticina.
"Precariedade assistida pelo Estado"
A precarização em Portugal ganhou expressão com os contratos a termo (criados por uma lei de 1978) e com os recibos verdes (representativos a partir do final da década de 80). Nos últimos anos, concluiu José Soeiro através de dados do IEFP, “é o trabalho temporário o que mais tem crescido”: Em 2010, eram 266 as empresas de trabalho temporário legalmente registadas, sendo que 198 intervieram no mercado, empregando 279.924 trabalhadores durante esse ano e alcançando uma facturação de 960 milhões de euros. “Mesmo quando houve uma destruição de emprego, o trabalho temporário cresceu. Significa que há também uma substituição de outras formas de precariedade por trabalho temporário”, lamenta.
Uma outra modalidade destacada é aquilo a que o sociólogo chama de “precariedade assistida pelo Estado”: estágios, bolsas e contratos de emprego inserção. Em 2013, havia 74.849 pessoas com contratos de emprego inserção. O fenómeno motivou já uma queixa à Organização Internacional do Trabalho e a intervenção crítica do Provedor de Justiça. “[O provedor] calculava que houvesse 45 mil contratos a serem utilizados para cumprir funções permanentes do Estado. Esta modalidade tem vindo a ser chamada, na própria Europa, de um novo trabalho forçado. As pessoas não podem recusar, trabalham a tempo inteiro, mas não têm um contrato de trabalho, um salário e um conjunto de direitos”, refere Soeiro. Também os estágios, “concebidos inicialmente como um trampolim para um emprego, funcionam agora como um alçapão da precariedade” e são “uma forma encapotada de apoio às grandes empresas”, acusa: “Há estágios na EDP, na Efacec, na Sonae...” Em 2014, os estágios do IEFP abrangeram 39 mil jovens, mas “a maior parte não se transformou depois num posto de trabalho”.
Entre os “novos reportórios de acção” do precariado relatados na investigação — onde Soeiro ensaia 15 teses sobre as transformações no trabalho e estas mobilizações de precários —, destaca-se a força do online. De facto, tanto manifestações que mobilizaram milhares de pessoas (12 de Março e 15 de Outubro de 2011) como alguma da organização de lutas colectivas (FERVE, Saúde 24 etc.) foram iniciadas na Internet, seja através de blogues ou de redes sociais. “O precariado sente que nos locais de trabalho não pode abordar este assunto e o online foi um local de encontro. Ocupou o espaço das tabernas, onde as comunidades operárias criavam consciência de classe no século XIX.”
Estas novas formas de união reagem também à “resposta insuficiente” do sindicalismo. A maioria dos activistas entrevistados pelo sociólogo nunca tinha contactado com um sindicato e outros consideravam que não respondiam às suas necessidades. Perante o júri, no qual estava Carvalho da Silva (ex-líder da CGTP), Soeiro defendeu a necessidade destas estruturas se reinventarem “em cooperação” com as organizações que vão surgindo: “Não são dois universos em conflito. Basta ver que algumas destas associações até se transformaram em sindicatos.”
São “quase metade da força de trabalho” e um desafio para partidos e sindicatos. Sociólogo e deputado José Soeiro mergulhou nas vidas do “precariado” português e estudou “novos reportórios de acção” deste grupo heterogéneo e crescente. Podem eles virar o mapa político?
Amigos com contratos a termo, recibos verdes, temporários. Colegas bolseiros e (eternos) estagiários. Filhos que regressam a casa dos pais, adiam a criação de família, reciclam projectos de vida. Pais que são o suporte e pais que já não podem ser o suporte. Avós que ficaram sem pensões. Não foi um sociólogo distante do objecto de estudo aquele que defendeu a tese de doutoramento no início deste mês na Universidade de Coimbra. José Soeiro assumiu-se “observador-participante” — “não é esta a realidade à nossa volta?” — e mergulhou nas vidas do “precariado” português: mais do que um retrato histórico, o também deputado bloquista fez uma cartografia das formas de luta deste grupo na última década e meia. O poder de mudar o futuro do país pode estar neles.
Em 2011, depois de a "geração à rasca" surpreender com uma das mais expressivas manifestações do país democrático, desenhou-se “a primeira e única grande vitória” dos precários do ponto de vista legislativo. Um grupo de trabalhadores recolheu assinaturas suficientes para levar à Assembleia da República (AR) uma proposta que originaria a lei contra a precariedade (braço direito da recente luta da Linha Saúde 24). “Há outras pequenas vitórias além desta, mas conseguir que a legislação fosse no sentido de dar alguns mecanismos de protecção, e não de precarizar, tem neste caso o único exemplo de sucesso”, concluiu José Soeiro na tese “A formação do precariado — transformações no trabalho e mobilizações de precários em Portugal”, a primeira que estuda as formas de luta dos precários.
Esta constatação não é um atestado de fracasso à luta deste grupo heterogéneo e crescente. O “precariado” (a expressão, usada pela primeira vez na sociologia nos anos 90, é uma junção das palavras precário e proletário) teve, por exemplo, a conquista de ver-se inscrito na agenda pública. Para o demonstrar, o sociólogo analisou todos os discursos onde a palavra precariedade (e seus derivados) foi utilizada na AR entre os anos de 1976 e 2014 (quase sete mil registos). Conclusão: o “boom de discussão sobre esses temas” surge em 2008, depois do primeiro MayDay, e em 2011, depois da manifestação da "geração à rasca". Na revisão das lutas do “precariado” feita por José Soeiro são evidentes as conquistas deste grupo, sobretudo ao nível da capacidade de mobilização: nos últimos anos, Portugal viveu nas ruas movimentos contestatários que só encontram paralelo nos ocorridos no período revolucionário, foram criadas diversas associações de resistência e combate à precariedade e, entre 2011 e 2014, houve tantas greves gerais como as que tinham ocorrido em todo o período democrático anterior.
Como se explica, então, tão poucas vitórias no terreno? “Os casos de sucesso aconteceram quando as pessoas encontraram forma de dar continuidade aos movimentos. Em alguns países isso aconteceu, encontrando sujeitos políticos que responderam a isso e inventaram uma gramática política a partir da experiência destas movimentações sociais.” Em Portugal, o surgimento de novos partidos não só “não recompôs o mapa político” como significou “uma fragmentação do espaço à esquerda”, analisa na entrevista ao P3 o deputado, recentemente regressado ao parlamento para substituir João Semedo.
Para o jovem, de 30 anos, uma resposta às políticas de direita passa pela criação de “um polo alternativo aos partidos de austeridade” (PS não incluído), representativo do grupo analisado na tese com mais de 400 páginas, a ser publicada em livro nos próximos meses. “A capacidade de constituir um sujeito político que expresse as reivindicações dos precários” será decisiva nas próximos eleições legislativas", acredita. É que este grupo de pessoas já representa “quase metade da força de trabalho” — e se a estes juntarmos os desempregados sem qualquer tipo de apoio verifica-se que “os ‘desemprecários’ [desempregados e precários] são hoje a esmagadora maioria” dessa classe trabalhadora. “Os precários farão a diferença”, vaticina.
"Precariedade assistida pelo Estado"
A precarização em Portugal ganhou expressão com os contratos a termo (criados por uma lei de 1978) e com os recibos verdes (representativos a partir do final da década de 80). Nos últimos anos, concluiu José Soeiro através de dados do IEFP, “é o trabalho temporário o que mais tem crescido”: Em 2010, eram 266 as empresas de trabalho temporário legalmente registadas, sendo que 198 intervieram no mercado, empregando 279.924 trabalhadores durante esse ano e alcançando uma facturação de 960 milhões de euros. “Mesmo quando houve uma destruição de emprego, o trabalho temporário cresceu. Significa que há também uma substituição de outras formas de precariedade por trabalho temporário”, lamenta.
Uma outra modalidade destacada é aquilo a que o sociólogo chama de “precariedade assistida pelo Estado”: estágios, bolsas e contratos de emprego inserção. Em 2013, havia 74.849 pessoas com contratos de emprego inserção. O fenómeno motivou já uma queixa à Organização Internacional do Trabalho e a intervenção crítica do Provedor de Justiça. “[O provedor] calculava que houvesse 45 mil contratos a serem utilizados para cumprir funções permanentes do Estado. Esta modalidade tem vindo a ser chamada, na própria Europa, de um novo trabalho forçado. As pessoas não podem recusar, trabalham a tempo inteiro, mas não têm um contrato de trabalho, um salário e um conjunto de direitos”, refere Soeiro. Também os estágios, “concebidos inicialmente como um trampolim para um emprego, funcionam agora como um alçapão da precariedade” e são “uma forma encapotada de apoio às grandes empresas”, acusa: “Há estágios na EDP, na Efacec, na Sonae...” Em 2014, os estágios do IEFP abrangeram 39 mil jovens, mas “a maior parte não se transformou depois num posto de trabalho”.
Entre os “novos reportórios de acção” do precariado relatados na investigação — onde Soeiro ensaia 15 teses sobre as transformações no trabalho e estas mobilizações de precários —, destaca-se a força do online. De facto, tanto manifestações que mobilizaram milhares de pessoas (12 de Março e 15 de Outubro de 2011) como alguma da organização de lutas colectivas (FERVE, Saúde 24 etc.) foram iniciadas na Internet, seja através de blogues ou de redes sociais. “O precariado sente que nos locais de trabalho não pode abordar este assunto e o online foi um local de encontro. Ocupou o espaço das tabernas, onde as comunidades operárias criavam consciência de classe no século XIX.”
Estas novas formas de união reagem também à “resposta insuficiente” do sindicalismo. A maioria dos activistas entrevistados pelo sociólogo nunca tinha contactado com um sindicato e outros consideravam que não respondiam às suas necessidades. Perante o júri, no qual estava Carvalho da Silva (ex-líder da CGTP), Soeiro defendeu a necessidade destas estruturas se reinventarem “em cooperação” com as organizações que vão surgindo: “Não são dois universos em conflito. Basta ver que algumas destas associações até se transformaram em sindicatos.”
27.1.15
Paul Krugman fala em “fim do pesadelo da Grécia”
por David Santiago, in Negócios on-line
O economista Paul Krugman considera que o problema da Grécia deriva das más opções feitas pelos credores internacionais e classifica os planos do Syriza como “realistas.” Para o antigo prémio Nobel da economia, a Europa deveria dar uma oportunidade [a Tsipras] para acabar com o pesadelo do país”.
Na habitual coluna de opinião de Paul Krugman no New York Times, o prémio Nobel começa por realçar que Alex Tsipras, líder do Syriza, "que está em vias de se tornar primeiro-ministro da Grécia", "será o primeiro líder europeu a ser eleito sob a promessa de desafiar as políticas de austeridade".
No artigo publicado esta segunda-feira no jornal norte-americano, o conhecido economista alerta que "haverá muita gente, certamente, a avisá-lo [Tsipras] para abandonar essa promessa e comportar-se ‘responsavelmente’".
No entender de Paul Krugman, todo o processo grego, que culminou agora na vitória do Syriza nas eleições parlamentares deste domingo, teve início em 2010 com o primeiro memorando de entendimento, "um documento assinalável, no pior dos sentidos". Krugman recorda que a troika acreditava que a "Grécia poderia aplicar duras medidas de austeridade com pequenos efeitos no crescimento e emprego", isto numa altura em que o país "já estava em recessão".
"A Grécia tem pago o preço por essas ilusões", sustenta o colunista do New York Times. Conhecido pelas fortes críticas dirigidas aos dirigentes europeus pela forma como tentaram combater a crise das dívidas soberanas que sucedeu à crise financeira internacional, Krugman conclui que aquilo a que se assistiu na Grécia desde então foi "um pesadelo económico e humano".
No entender do economista norte-americano, "nada está mais longe da verdade" do que a ideia de que o que falhou na Grécia foi a incapacidade de Atenas "para efectuar os cortes prometidos". Até porque o Executivo helénico "cortou a despesa pública muito mais do que se poderia prever".
O problema derivou do facto de tanto "a Comissão Europeia como o Banco Central Europeu terem decidido acreditar no conto de fadas da confiança – defender que os efeitos directos da destruição de emprego provocados pelos cortes na despesa seriam mais do que compensados por um surto de optimismo no sector privado".
Portanto, agora que "Tsipras venceu com estrondo", Paul Krugman não acredita que o líder do Syriza possa ser demovido pelos líderes europeus até porque "eles não têm credibilidade". Krugman vai mais longe e antecipa que a coligação de esquerda radical possa até nem ter um programa suficientemente diferente face ao até agora seguido.
"O problema com os planos do Syriza poderá ser que não sejam suficientemente radicais". Porque "um alívio da dívida e uma redução da austeridade podem diminuir a angústia económica, mas é duvidoso que seja suficiente para garantir uma forte recuperação", defende Paul Krugman.
Portanto, clamar "por uma grande mudança" como fez Tsipras "é bem mais realista" do que as alternativas defendidas pelas instituições europeias. Por esse motivo, Krugman acredita que "o resto da Europa deveria dar uma oportunidade [a Tsipras] para acabar com o pesadelo do país".
O economista Paul Krugman considera que o problema da Grécia deriva das más opções feitas pelos credores internacionais e classifica os planos do Syriza como “realistas.” Para o antigo prémio Nobel da economia, a Europa deveria dar uma oportunidade [a Tsipras] para acabar com o pesadelo do país”.
Na habitual coluna de opinião de Paul Krugman no New York Times, o prémio Nobel começa por realçar que Alex Tsipras, líder do Syriza, "que está em vias de se tornar primeiro-ministro da Grécia", "será o primeiro líder europeu a ser eleito sob a promessa de desafiar as políticas de austeridade".
No artigo publicado esta segunda-feira no jornal norte-americano, o conhecido economista alerta que "haverá muita gente, certamente, a avisá-lo [Tsipras] para abandonar essa promessa e comportar-se ‘responsavelmente’".
No entender de Paul Krugman, todo o processo grego, que culminou agora na vitória do Syriza nas eleições parlamentares deste domingo, teve início em 2010 com o primeiro memorando de entendimento, "um documento assinalável, no pior dos sentidos". Krugman recorda que a troika acreditava que a "Grécia poderia aplicar duras medidas de austeridade com pequenos efeitos no crescimento e emprego", isto numa altura em que o país "já estava em recessão".
"A Grécia tem pago o preço por essas ilusões", sustenta o colunista do New York Times. Conhecido pelas fortes críticas dirigidas aos dirigentes europeus pela forma como tentaram combater a crise das dívidas soberanas que sucedeu à crise financeira internacional, Krugman conclui que aquilo a que se assistiu na Grécia desde então foi "um pesadelo económico e humano".
No entender do economista norte-americano, "nada está mais longe da verdade" do que a ideia de que o que falhou na Grécia foi a incapacidade de Atenas "para efectuar os cortes prometidos". Até porque o Executivo helénico "cortou a despesa pública muito mais do que se poderia prever".
O problema derivou do facto de tanto "a Comissão Europeia como o Banco Central Europeu terem decidido acreditar no conto de fadas da confiança – defender que os efeitos directos da destruição de emprego provocados pelos cortes na despesa seriam mais do que compensados por um surto de optimismo no sector privado".
Portanto, agora que "Tsipras venceu com estrondo", Paul Krugman não acredita que o líder do Syriza possa ser demovido pelos líderes europeus até porque "eles não têm credibilidade". Krugman vai mais longe e antecipa que a coligação de esquerda radical possa até nem ter um programa suficientemente diferente face ao até agora seguido.
"O problema com os planos do Syriza poderá ser que não sejam suficientemente radicais". Porque "um alívio da dívida e uma redução da austeridade podem diminuir a angústia económica, mas é duvidoso que seja suficiente para garantir uma forte recuperação", defende Paul Krugman.
Portanto, clamar "por uma grande mudança" como fez Tsipras "é bem mais realista" do que as alternativas defendidas pelas instituições europeias. Por esse motivo, Krugman acredita que "o resto da Europa deveria dar uma oportunidade [a Tsipras] para acabar com o pesadelo do país".
26.1.15
Na Grécia as coisas não podem ficar piores. Ou será que podem?
Maria João Guimarães (texto) e Miguel Manso (fotos, em Atenas), in Público on-line
Ordenados de 350 euros por mês, cursos de formação inúteis, a imigração como única alternativa. Os jovens gregos não esperam grandes mudanças para depois das eleições de domingo. Com ou sem Syriza.
Maria Vatista e Georgia Theodoraki, 23 anos, tentam explicar com muito jeito a quem vem de fora quais são as suas perspectivas de futuro na Grécia, onde estudam Arqueologia. “Temos amigos portugueses, por exemplo, ou espanhóis; eles contam que é difícil arranjar emprego”, comparam. “Aqui era difícil. Agora é impossível. Tens de ser filha do Presidente!”
A solução para ambas passará quase de certeza por ir para o estrangeiro. Quase pedem desculpa, mas não estão muito optimistas que as próximas eleições resolvam alguma coisa – ou que resolvam a tempo para elas. Primeiro, acham que o Syriza, o partido de esquerda favorito nas sondagens, não vai conseguir ter maioria absoluta para governar e prevêem que haja segundas eleições, como em 2012. Depois, mesmo quando houver governo, as mudanças vão demorar. Georgia é um pouco mais optimista: “Talvez haja algumas mudanças na Saúde e Educação, talvez depois de alguns meses…”, diz. “Anos!”, atalha com certeza Maria.
A perspectiva de conseguir um desses empregos impossíveis é a de ganhar uns 350 euros por mês. “Fala-se da geração dos 350 euros”, a geração que já foi dos 480 euros, dos 750 euros e, ainda antes (muito antes, elas não se lembram), dos “mil euristas”.
Ser jovem hoje na Grécia é viver com esta certeza. Lá fora haverá mais oportunidades. Maria fez Erasmus em Berlim e Georgia em Viena, paraísos sem crise. Até gostam da ideia de ir para fora, só têm pena que sejam “obrigadas”. “Devíamos ir por querer.”
Ser estudante significa ainda estar numa universidade que “não tem o básico”. “Na nossa faculdade não há limpeza há mais de um ano”, conta Georgia. Espanta-se com a reacção de estranheza. “Em Portugal não? Aqui deixaram de pagar às empregadas. Elas ainda apareciam durante uns tempos, aí uma vez por mês, quase por voluntariado, mas agora já não…”
Beneficiários e não trabalhadores
Eleni Papaglorgiou, 23 anos, até tem sorte, diz com um encolher de ombros. Trabalha num esquema público, financiado pela União Europeia, para minorar o problema do desemprego jovem, um programa chamado "Vouchers". Vai ganhar 400 euros por mês, mas apenas receberá a quantia no final dos seis meses que dura o programa.
Eleni explica como funciona: o candidato inscreve-se num centro que faz a ligação entre quem procura trabalho e quem procura empregados. O centro envia alguns candidatos para os potenciais empregadores para entrevistas e estes escolhem o que acham mais adequado. O beneficiário recebe uma formação no centro antes de ir trabalhar para o empregador correspondente.
Só nesta frase há três problemas. Um, o beneficiário. “Somos beneficiários, não trabalhadores”, explica. Não há direitos como têm os trabalhadores em geral, como baixa por doença, nem é pago seguro de saúde (na Grécia, normalmente é o empregador que paga o seguro de saúde do empregado). Dois, a formação. “É inútil”, sublinha. “No meu caso, sou professora, foi para isso que estudei, e fui colocada numa escola. Não preciso de estar a ouvir formação de coisas que não têm nada a ver, como gestão de crises.” Terceiro, onde se trabalha: “No meu caso, encontrei trabalho na minha área. Mas conheço professores que estão a trabalhar em farmácias ou como empregados de café.”
Eleni faz parte de um grupo chamado “V for Voucherades”. Querem chamar a atenção para alguns problemas deste programa. “O centro ganha mais pela formação que me dá, e da qual eu não preciso, do que o que eu ganho com o trabalho que faço”, diz Eleni. Se é preferível estar a trabalhar com o sistema de vouchers do que não trabalhar, os activistas da V for Voucherades dizem que cada vez mais os empregadores preferem beneficiários dos vouchers do que empregados, o que, a longo prazo, ainda vai piorar mais as perspectivas de emprego dos jovens.
“[Por isso, a emigração] é uma ideia na minha cabeça”, prossegue Eleni. Isto, apesar de “ficar cá ser uma das [suas] prioridades”, sublinha. Eleni quer que haja uma mudança na Grécia depois de domingo. “Desastre já é como estamos. Não tenho muito medo do que vem aí.”
De mal a pior
Stathis Garras, 32 anos, e George Kyroglon, 33, estão num café-cooperativa como muitos que surgiram na crise de grupos de pessoas que ficaram sem emprego. Passaram de ter trabalhos maus para ter trabalhos piores, por ir para fora e voltar, e continuam a tentar tudo o que podem.
Stathis trabalha num organismo público e agradece este ser um trabalho temporário com prazo. “Ao início era divertido esperar para ver que coisa surreal é que ia acontecer nesse dia, qual seria a nova aventura. Mas ao fim de uns meses todo aquele ambiente de funcionários públicos que não querem ser incomodados tornou-se muito chato.”
George passou por uma empresa de cruzeiros no Pireu, por Itália e pela Suécia. “Quando descobri que a Suécia não era para mim, a minha namorada ganhou uma bolsa para doutoramento lá.” Ironicamente, a sua esperança de voltar para Atenas é um projecto que ajuda jovens a ter oportunidades no estrangeiro, explorando programas comunitários e bilaterais. Ainda não se tornou rentável. “Mas tenho de ser optimista”, diz George.
O optimismo individual não se traduz em optimismo quanto à situação do país. Querem que ganhe o Syriza, mas, mesmo que o partido seja capaz de formar governo, mostram algum cepticismo. Por outro lado, é “o mal menor”. Os dois falam sobre isso num pequeno grupo no café. Stathis tem uma máxima. “As coisas não podem ficar piores.” Faz uma pausa, olha para os amigos. “Bom, já disse isto em 2009, em 2012… E ficaram sempre pior.” Toda a gente se ri. “Mas desta vez não me engano”, garante. Fica tudo calado. “Bom, espero mesmo não me enganar…”
Ordenados de 350 euros por mês, cursos de formação inúteis, a imigração como única alternativa. Os jovens gregos não esperam grandes mudanças para depois das eleições de domingo. Com ou sem Syriza.
Maria Vatista e Georgia Theodoraki, 23 anos, tentam explicar com muito jeito a quem vem de fora quais são as suas perspectivas de futuro na Grécia, onde estudam Arqueologia. “Temos amigos portugueses, por exemplo, ou espanhóis; eles contam que é difícil arranjar emprego”, comparam. “Aqui era difícil. Agora é impossível. Tens de ser filha do Presidente!”
A solução para ambas passará quase de certeza por ir para o estrangeiro. Quase pedem desculpa, mas não estão muito optimistas que as próximas eleições resolvam alguma coisa – ou que resolvam a tempo para elas. Primeiro, acham que o Syriza, o partido de esquerda favorito nas sondagens, não vai conseguir ter maioria absoluta para governar e prevêem que haja segundas eleições, como em 2012. Depois, mesmo quando houver governo, as mudanças vão demorar. Georgia é um pouco mais optimista: “Talvez haja algumas mudanças na Saúde e Educação, talvez depois de alguns meses…”, diz. “Anos!”, atalha com certeza Maria.
A perspectiva de conseguir um desses empregos impossíveis é a de ganhar uns 350 euros por mês. “Fala-se da geração dos 350 euros”, a geração que já foi dos 480 euros, dos 750 euros e, ainda antes (muito antes, elas não se lembram), dos “mil euristas”.
Ser jovem hoje na Grécia é viver com esta certeza. Lá fora haverá mais oportunidades. Maria fez Erasmus em Berlim e Georgia em Viena, paraísos sem crise. Até gostam da ideia de ir para fora, só têm pena que sejam “obrigadas”. “Devíamos ir por querer.”
Ser estudante significa ainda estar numa universidade que “não tem o básico”. “Na nossa faculdade não há limpeza há mais de um ano”, conta Georgia. Espanta-se com a reacção de estranheza. “Em Portugal não? Aqui deixaram de pagar às empregadas. Elas ainda apareciam durante uns tempos, aí uma vez por mês, quase por voluntariado, mas agora já não…”
Beneficiários e não trabalhadores
Eleni Papaglorgiou, 23 anos, até tem sorte, diz com um encolher de ombros. Trabalha num esquema público, financiado pela União Europeia, para minorar o problema do desemprego jovem, um programa chamado "Vouchers". Vai ganhar 400 euros por mês, mas apenas receberá a quantia no final dos seis meses que dura o programa.
Eleni explica como funciona: o candidato inscreve-se num centro que faz a ligação entre quem procura trabalho e quem procura empregados. O centro envia alguns candidatos para os potenciais empregadores para entrevistas e estes escolhem o que acham mais adequado. O beneficiário recebe uma formação no centro antes de ir trabalhar para o empregador correspondente.
Só nesta frase há três problemas. Um, o beneficiário. “Somos beneficiários, não trabalhadores”, explica. Não há direitos como têm os trabalhadores em geral, como baixa por doença, nem é pago seguro de saúde (na Grécia, normalmente é o empregador que paga o seguro de saúde do empregado). Dois, a formação. “É inútil”, sublinha. “No meu caso, sou professora, foi para isso que estudei, e fui colocada numa escola. Não preciso de estar a ouvir formação de coisas que não têm nada a ver, como gestão de crises.” Terceiro, onde se trabalha: “No meu caso, encontrei trabalho na minha área. Mas conheço professores que estão a trabalhar em farmácias ou como empregados de café.”
Eleni faz parte de um grupo chamado “V for Voucherades”. Querem chamar a atenção para alguns problemas deste programa. “O centro ganha mais pela formação que me dá, e da qual eu não preciso, do que o que eu ganho com o trabalho que faço”, diz Eleni. Se é preferível estar a trabalhar com o sistema de vouchers do que não trabalhar, os activistas da V for Voucherades dizem que cada vez mais os empregadores preferem beneficiários dos vouchers do que empregados, o que, a longo prazo, ainda vai piorar mais as perspectivas de emprego dos jovens.
“[Por isso, a emigração] é uma ideia na minha cabeça”, prossegue Eleni. Isto, apesar de “ficar cá ser uma das [suas] prioridades”, sublinha. Eleni quer que haja uma mudança na Grécia depois de domingo. “Desastre já é como estamos. Não tenho muito medo do que vem aí.”
De mal a pior
Stathis Garras, 32 anos, e George Kyroglon, 33, estão num café-cooperativa como muitos que surgiram na crise de grupos de pessoas que ficaram sem emprego. Passaram de ter trabalhos maus para ter trabalhos piores, por ir para fora e voltar, e continuam a tentar tudo o que podem.
Stathis trabalha num organismo público e agradece este ser um trabalho temporário com prazo. “Ao início era divertido esperar para ver que coisa surreal é que ia acontecer nesse dia, qual seria a nova aventura. Mas ao fim de uns meses todo aquele ambiente de funcionários públicos que não querem ser incomodados tornou-se muito chato.”
George passou por uma empresa de cruzeiros no Pireu, por Itália e pela Suécia. “Quando descobri que a Suécia não era para mim, a minha namorada ganhou uma bolsa para doutoramento lá.” Ironicamente, a sua esperança de voltar para Atenas é um projecto que ajuda jovens a ter oportunidades no estrangeiro, explorando programas comunitários e bilaterais. Ainda não se tornou rentável. “Mas tenho de ser optimista”, diz George.
O optimismo individual não se traduz em optimismo quanto à situação do país. Querem que ganhe o Syriza, mas, mesmo que o partido seja capaz de formar governo, mostram algum cepticismo. Por outro lado, é “o mal menor”. Os dois falam sobre isso num pequeno grupo no café. Stathis tem uma máxima. “As coisas não podem ficar piores.” Faz uma pausa, olha para os amigos. “Bom, já disse isto em 2009, em 2012… E ficaram sempre pior.” Toda a gente se ri. “Mas desta vez não me engano”, garante. Fica tudo calado. “Bom, espero mesmo não me enganar…”
"A Grécia vai levantar-se e dizer à Europa: não somos vossos escravos"
in Expresso
Em entrevista ao Expresso, Vassilis Vassilikos, um dos mais conhecidos e respeitados escritores gregos da atualidade, considera "inaceitáveis" as pressões que vários líderes europeus têm feito para "condicionar" as eleições de domingo no país.
Na Grécia, Vassilis Vassilikos é visto por muitos como uma referência moral. Aos 77 anos, um dos mais respeitados escritores gregos da atualidade, traduzido em mais de 30 línguas, não se conforma com a situação a que chegou o país. O autor da obra Z, que deu origem ao filme homónimo distinguido com o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1970, diz que chegou a altura de o povo grego se erguer e enfrentar a União Europeia.
"Nos últimos cinco anos a Grécia tem sido uma cobaia nas mãos da UE, numa experiência que desgraçou o país. Economicamente, a situação tem piorado a cada dia que passa. Agora chega. A Grécia vai levantar-se e dizer à Europa: Não somos vossos escravos", diz o escritor, que combateu a ditadura militar dos Coronéis, entre 1967 e 1974, e viveu exilado em Roma, Paris e Berlim.
Apesar de concorrer por outro partido da esquerda - que teve 7% nas eleições de 2012 mas que agora deverá ficar abaixo do patamar mínimo de 3% para conseguir um lugar no Parlamento -, o escritor espera que o Syriza vença as legislativas. E acredita que isso "trará uma nova esperança para todo o Sul da Europa".
Syriza. A coligação de esquerda radical liderada por Tsipras está a um pequeno passo de vencer as eleições de domingo
Em declarações ao Expresso, lamenta a forma como a Grécia e outros países do Sul foram tratados pelo Norte da Europa, nomeadamente pela Alemanha, no início da crise, "retratados como povos preguiçosos que querem viver bem sem trabalhar" e referidos como P.I.G.S (sigla em inglês para Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha, que significa porcos). "Fomos tratados como lixo. A Grécia é o berço da Europa. Foi aqui que foi criada a política, a democracia, a filosofia ou o teatro. E não tiveram respeito por nós".
Apesar do fantasma pairar sobre estas eleições, Vassilis não acredita que haja um risco real de a Grécia sair do euro: "Os gregos não querem isso e a União Europeia também não. Seria um mau precedente". E garante que o país vai vencer a crise. "Sobrevivemos a 450 anos de ocupação turca, sobrevivemos à II Guerra Mundial, a uma guerra civil e a uma ditadura. O povo grego sobrevive há três mil anos e não vai sucumbir por uma simples crise económica".
Para o escritor, os gregos, no entanto, não sairão iguais desta crise. "Sairão melhores", garante. "Redescobrimos alguns valores que tínhamos esquecido como a importância da solidariedade e da união da família. E agora amamos a Grécia, mais do que nas últimas décadas".
Em entrevista ao Expresso, Vassilis Vassilikos, um dos mais conhecidos e respeitados escritores gregos da atualidade, considera "inaceitáveis" as pressões que vários líderes europeus têm feito para "condicionar" as eleições de domingo no país.
Na Grécia, Vassilis Vassilikos é visto por muitos como uma referência moral. Aos 77 anos, um dos mais respeitados escritores gregos da atualidade, traduzido em mais de 30 línguas, não se conforma com a situação a que chegou o país. O autor da obra Z, que deu origem ao filme homónimo distinguido com o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1970, diz que chegou a altura de o povo grego se erguer e enfrentar a União Europeia.
"Nos últimos cinco anos a Grécia tem sido uma cobaia nas mãos da UE, numa experiência que desgraçou o país. Economicamente, a situação tem piorado a cada dia que passa. Agora chega. A Grécia vai levantar-se e dizer à Europa: Não somos vossos escravos", diz o escritor, que combateu a ditadura militar dos Coronéis, entre 1967 e 1974, e viveu exilado em Roma, Paris e Berlim.
Apesar de concorrer por outro partido da esquerda - que teve 7% nas eleições de 2012 mas que agora deverá ficar abaixo do patamar mínimo de 3% para conseguir um lugar no Parlamento -, o escritor espera que o Syriza vença as legislativas. E acredita que isso "trará uma nova esperança para todo o Sul da Europa".
Syriza. A coligação de esquerda radical liderada por Tsipras está a um pequeno passo de vencer as eleições de domingo
Em declarações ao Expresso, lamenta a forma como a Grécia e outros países do Sul foram tratados pelo Norte da Europa, nomeadamente pela Alemanha, no início da crise, "retratados como povos preguiçosos que querem viver bem sem trabalhar" e referidos como P.I.G.S (sigla em inglês para Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha, que significa porcos). "Fomos tratados como lixo. A Grécia é o berço da Europa. Foi aqui que foi criada a política, a democracia, a filosofia ou o teatro. E não tiveram respeito por nós".
Apesar do fantasma pairar sobre estas eleições, Vassilis não acredita que haja um risco real de a Grécia sair do euro: "Os gregos não querem isso e a União Europeia também não. Seria um mau precedente". E garante que o país vai vencer a crise. "Sobrevivemos a 450 anos de ocupação turca, sobrevivemos à II Guerra Mundial, a uma guerra civil e a uma ditadura. O povo grego sobrevive há três mil anos e não vai sucumbir por uma simples crise económica".
Para o escritor, os gregos, no entanto, não sairão iguais desta crise. "Sairão melhores", garante. "Redescobrimos alguns valores que tínhamos esquecido como a importância da solidariedade e da união da família. E agora amamos a Grécia, mais do que nas últimas décadas".
28.7.14
O mundo em que (alguns) portugueses vão para férias
José Pacheco Pereira, in Público on-line
Como ninguém gosta do desprezo, a não ser que seja masoquista, percebe-se muito bem por que razão o PSD, o CDS e o Presidente não querem ouvir falar de eleições antecipadas.
– Insatisfeitos, pessimistas e sem esperança. 96% acham que a situação económica do país é má. Repito, 96%, um número daqueles que se costumam chamar “albaneses”. Só que neste caso é bem português. Ou seja, quase todos os portugueses descrêem do “milagre” económico que, com cada menos convicção, Passos Coelho, Portas e Pires de Lima propagam por todo o lado. Não lêem a imprensa económica, não lêem os blogues governamentais, não lêem os comentadores do Observador, não acreditam no PSD e no CDS, mesmo quando deles fazem parte. Nenhum país da Europa tem estes resultados, nem a Grécia. Percebe-se muito bem por que razão o PSD, o CDS e o Presidente não querem ouvir falar de eleições antecipadas, em nenhuma circunstância, mesmo quando o argumento a seu favor é da natureza dos argumentos que eles próprios costumam usar: facilitar com alguns meses de antecipação eleitoral, a atempada preparação do Orçamento.
– Muito preocupados com o futuro. São gente sábia e razoável e realista e pensam na sua maioria que o “pior está para vir”. Os europeus, pelo contrário, acham que o pior já passou. Os franceses, os cipriotas, os eslovenos, os italianos e os gregos também acham que o pior está para vir, mas acham menos do que os portugueses. Nenhum povo da Europa tem tanto medo do futuro como os portugueses. Percebe-se muito bem por que razão o PSD, o CDS e o Presidente não querem ouvir falar de eleições antecipadas.
– Com medo de caírem na pobreza. Quase 40% dos portugueses receiam “cair” num estado de pobreza, o que é um número altíssimo. É verdade que há mais gregos com idêntico receio, mas este número por si só dá um retrato “existencial” da situação dos portugueses que não eram pobres e agora temem estar a caminho de o serem. Muitos temem, mas muitos já sabem: já têm muitas dívidas, estão em incumprimento nos seus empréstimos, têm ameaças de penhora do fisco sobre os seus bens e o seu salário, por isso o seu mundo só pode piorar. E cada ano que passa é pior, nem sequer é preciso mais qualquer pacote de austeridade, basta os que já existem. Basta o que já perderam de salário, de pensões, de reformas, de apoios sociais. Para a frente é sempre pior a escuridão. Percebe-se muito bem por que razão o PSD, o CDS e o Presidente não querem ouvir falar de eleições antecipadas.
– Têm medo do desemprego e do custo de vida, estão esmagados por impostos e, se têm emprego, vêem o seu salário sempre a baixar. Já não chega o que ganham. Vão agora começar a viver acima das suas possibilidades durante uns meses, para depois deixarem de ter possibilidades e não poderem cuidar das suas necessidades básicas. Percebe-se muito bem por que razão o PSD, o CDS e o Presidente não querem ouvir falar de eleições antecipadas.
– Não acreditam em nada, nem em ninguém. Nem nos políticos, nem na política. Quase que já não acreditam na democracia. Não têm qualquer confiança no actual Governo. 85%, repito, 85%, não têm confiança no Governo. Outro número “albanês”, mas bem português, acima de todos os outros na Europa. Percebe-se muito bem por que razão o PSD, o CDS e o Presidente não querem ouvir falar de eleições antecipadas.
– Humilhados, maltratados, desprezados. Tratados como ricos indevidos, eles que nunca foram ricos, só quando muito remediados. Culpados de serem velhos e estarem cá a mais a atravancar os jovens que estão a “trabalhar” para eles receberem as pensões e reformas. Culpados de terem emprego, com salários e alguns direitos, e por o terem estarem a impedir os desempregados de aceitarem receber uma miséria e poderem ir para a rua a qualquer altura. Culpados de serem pobres e receberem alguns apoios sociais. Ser pobre significa ser calaceiro e não querer trabalhar. Culpados de serem professores, ou calceteiros, ou enfermeiros, ou trabalhadores de um serviço municipal, ou auxiliares de limpeza, ou técnicos de informática, ou motoristas, ou qualquer outra coisa, se estiverem na função pública. Culpados de serem “piegas”, neo-realistas, protestantes, reivindicadores, sindicalistas, incomodados, desrespeitadores da autoridade, corporativos, não yuppies, estudantes de qualquer curso “sem empregabilidade”, cultores das humanidades em vez da gestão, do marketing, e do “empreendedorismo”. Como ninguém gosta do desprezo, a não ser que seja masoquista, percebe-se muito bem por que razão o PSD, o CDS e o Presidente não querem ouvir falar de eleições antecipadas.
– Cansados de um imenso cansaço, cansados de um desesperante cansaço. Vão para férias, mas não vão ter férias. Podem mergulhar no mar, mas quando se encostam à toalha para secar, a sua cabeça não descansa. (Como é que vou pagar o carro em Setembro? Como é que vou pagar a prestação da casa? Já não posso mais receber aqueles avisos da Autoridade Tributária a explicar por um número infindo de artigos que o meu salário vai ser penhorado. Como é que vou sobreviver com a conta bancária confiscada para pagar o IRS? Como é que vou dizer à minha mulher que saio todos os dias de manhã como se fosse para o emprego, mas há um mês que fui despedido? Será que no meu serviço serei passado para a mobilidade especial? Vou ter de mudar de casa, por que não posso pagar a nova renda que o senhorio me pediu. A nossa filha entrou na universidade, mas onde é que vou arranjar o dinheiro para as propinas? Como é que vou de novo abrir o café, quando devo dinheiro a todos os fornecedores? E como vou continuar a ter o meu empregado de sempre na oficina quando ninguém paga nada? Apetece-me fugir. Fugir.) Percebe-se muito bem por que razão o PSD, o CDS e o Presidente não querem ouvir falar de eleições antecipadas.
Nota: Usando o último Eurobarómetro e não só.
Como ninguém gosta do desprezo, a não ser que seja masoquista, percebe-se muito bem por que razão o PSD, o CDS e o Presidente não querem ouvir falar de eleições antecipadas.
– Insatisfeitos, pessimistas e sem esperança. 96% acham que a situação económica do país é má. Repito, 96%, um número daqueles que se costumam chamar “albaneses”. Só que neste caso é bem português. Ou seja, quase todos os portugueses descrêem do “milagre” económico que, com cada menos convicção, Passos Coelho, Portas e Pires de Lima propagam por todo o lado. Não lêem a imprensa económica, não lêem os blogues governamentais, não lêem os comentadores do Observador, não acreditam no PSD e no CDS, mesmo quando deles fazem parte. Nenhum país da Europa tem estes resultados, nem a Grécia. Percebe-se muito bem por que razão o PSD, o CDS e o Presidente não querem ouvir falar de eleições antecipadas, em nenhuma circunstância, mesmo quando o argumento a seu favor é da natureza dos argumentos que eles próprios costumam usar: facilitar com alguns meses de antecipação eleitoral, a atempada preparação do Orçamento.
– Muito preocupados com o futuro. São gente sábia e razoável e realista e pensam na sua maioria que o “pior está para vir”. Os europeus, pelo contrário, acham que o pior já passou. Os franceses, os cipriotas, os eslovenos, os italianos e os gregos também acham que o pior está para vir, mas acham menos do que os portugueses. Nenhum povo da Europa tem tanto medo do futuro como os portugueses. Percebe-se muito bem por que razão o PSD, o CDS e o Presidente não querem ouvir falar de eleições antecipadas.
– Com medo de caírem na pobreza. Quase 40% dos portugueses receiam “cair” num estado de pobreza, o que é um número altíssimo. É verdade que há mais gregos com idêntico receio, mas este número por si só dá um retrato “existencial” da situação dos portugueses que não eram pobres e agora temem estar a caminho de o serem. Muitos temem, mas muitos já sabem: já têm muitas dívidas, estão em incumprimento nos seus empréstimos, têm ameaças de penhora do fisco sobre os seus bens e o seu salário, por isso o seu mundo só pode piorar. E cada ano que passa é pior, nem sequer é preciso mais qualquer pacote de austeridade, basta os que já existem. Basta o que já perderam de salário, de pensões, de reformas, de apoios sociais. Para a frente é sempre pior a escuridão. Percebe-se muito bem por que razão o PSD, o CDS e o Presidente não querem ouvir falar de eleições antecipadas.
– Têm medo do desemprego e do custo de vida, estão esmagados por impostos e, se têm emprego, vêem o seu salário sempre a baixar. Já não chega o que ganham. Vão agora começar a viver acima das suas possibilidades durante uns meses, para depois deixarem de ter possibilidades e não poderem cuidar das suas necessidades básicas. Percebe-se muito bem por que razão o PSD, o CDS e o Presidente não querem ouvir falar de eleições antecipadas.
– Não acreditam em nada, nem em ninguém. Nem nos políticos, nem na política. Quase que já não acreditam na democracia. Não têm qualquer confiança no actual Governo. 85%, repito, 85%, não têm confiança no Governo. Outro número “albanês”, mas bem português, acima de todos os outros na Europa. Percebe-se muito bem por que razão o PSD, o CDS e o Presidente não querem ouvir falar de eleições antecipadas.
– Humilhados, maltratados, desprezados. Tratados como ricos indevidos, eles que nunca foram ricos, só quando muito remediados. Culpados de serem velhos e estarem cá a mais a atravancar os jovens que estão a “trabalhar” para eles receberem as pensões e reformas. Culpados de terem emprego, com salários e alguns direitos, e por o terem estarem a impedir os desempregados de aceitarem receber uma miséria e poderem ir para a rua a qualquer altura. Culpados de serem pobres e receberem alguns apoios sociais. Ser pobre significa ser calaceiro e não querer trabalhar. Culpados de serem professores, ou calceteiros, ou enfermeiros, ou trabalhadores de um serviço municipal, ou auxiliares de limpeza, ou técnicos de informática, ou motoristas, ou qualquer outra coisa, se estiverem na função pública. Culpados de serem “piegas”, neo-realistas, protestantes, reivindicadores, sindicalistas, incomodados, desrespeitadores da autoridade, corporativos, não yuppies, estudantes de qualquer curso “sem empregabilidade”, cultores das humanidades em vez da gestão, do marketing, e do “empreendedorismo”. Como ninguém gosta do desprezo, a não ser que seja masoquista, percebe-se muito bem por que razão o PSD, o CDS e o Presidente não querem ouvir falar de eleições antecipadas.
– Cansados de um imenso cansaço, cansados de um desesperante cansaço. Vão para férias, mas não vão ter férias. Podem mergulhar no mar, mas quando se encostam à toalha para secar, a sua cabeça não descansa. (Como é que vou pagar o carro em Setembro? Como é que vou pagar a prestação da casa? Já não posso mais receber aqueles avisos da Autoridade Tributária a explicar por um número infindo de artigos que o meu salário vai ser penhorado. Como é que vou sobreviver com a conta bancária confiscada para pagar o IRS? Como é que vou dizer à minha mulher que saio todos os dias de manhã como se fosse para o emprego, mas há um mês que fui despedido? Será que no meu serviço serei passado para a mobilidade especial? Vou ter de mudar de casa, por que não posso pagar a nova renda que o senhorio me pediu. A nossa filha entrou na universidade, mas onde é que vou arranjar o dinheiro para as propinas? Como é que vou de novo abrir o café, quando devo dinheiro a todos os fornecedores? E como vou continuar a ter o meu empregado de sempre na oficina quando ninguém paga nada? Apetece-me fugir. Fugir.) Percebe-se muito bem por que razão o PSD, o CDS e o Presidente não querem ouvir falar de eleições antecipadas.
Nota: Usando o último Eurobarómetro e não só.
27.5.14
Cidadãos incapacitados ainda são abstencionistas à força em Portugal
in Jornal Público
Cidadãos incapacitados ainda são abstencionistas à força em Portugal Só Portugal, Grécia e Chipre fazem depender a participação eleitoral dos cidadãos da comparência junto a mesas de voto. Os outros países da União Europeia (UE) encontraram métodos alternativos, como o voto electrónico, por correspondência e por procuração, para não deixar de fora quem está doente ou tem deficiência.
A comparação está na página electrónica da Agência da União Europeia para os Direitos Fundamentais, que, em colaboração com a Comissão Europeia e a Rede Académica de Peritos Europeu da De? ciência (ANED, no acrónimo inglês), desenvolveu 28 indicadores destinados a avaliar a participação política.
Na Áustria, na Dinamarca, na Finlândia, na Alemanha, na Estónia, na Lituânia, nos Países Baixos e no Reino Unido, qualquer eleitor que precise de se ausentar pode recorrer a algum método alternativo. Noutros Estados-membros, as alternativas estão disponíveis apenas para as pessoas doentes ou incapacitadas.
O mais comum é quem está doente ou incapacitado deixar-se estar na residência e aí se deslocarem membros da mesa de voto. O voto por correspondência está disponível em países como a Irlanda, o Luxemburgo e a Polónia. Na Polónia e na Suécia, também é possível votar por procuração.
Leia aqui o artigo na íntegra.
Cidadãos incapacitados ainda são abstencionistas à força em Portugal Só Portugal, Grécia e Chipre fazem depender a participação eleitoral dos cidadãos da comparência junto a mesas de voto. Os outros países da União Europeia (UE) encontraram métodos alternativos, como o voto electrónico, por correspondência e por procuração, para não deixar de fora quem está doente ou tem deficiência.
A comparação está na página electrónica da Agência da União Europeia para os Direitos Fundamentais, que, em colaboração com a Comissão Europeia e a Rede Académica de Peritos Europeu da De? ciência (ANED, no acrónimo inglês), desenvolveu 28 indicadores destinados a avaliar a participação política.
Na Áustria, na Dinamarca, na Finlândia, na Alemanha, na Estónia, na Lituânia, nos Países Baixos e no Reino Unido, qualquer eleitor que precise de se ausentar pode recorrer a algum método alternativo. Noutros Estados-membros, as alternativas estão disponíveis apenas para as pessoas doentes ou incapacitadas.
O mais comum é quem está doente ou incapacitado deixar-se estar na residência e aí se deslocarem membros da mesa de voto. O voto por correspondência está disponível em países como a Irlanda, o Luxemburgo e a Polónia. Na Polónia e na Suécia, também é possível votar por procuração.
Leia aqui o artigo na íntegra.
7.2.14
Mais de 60% dos portugueses preferem não votar
Por Luís Claro, in iOnline
A abstenção nas eleições europeias tem sido, nos últimos 20 anos, superior a 60%. Em 1994 bateu o recorde, com mais de 64%. Nas eleições seguintes, em 1999, desceu, mas 60% dos portugueses optaram por ficar em casa. Em 2004, a abstenção voltou a subir e ultrapassou os 61%. No último escrutínio para oParlamento Europeu, o número de portugueses que optaram por não votar voltou a subir e atingiu os 63%.
Carlos Jalali, professor de Ciência Política da Universidade de Aveiro, acredita que a tendência irá manter-se nas eleições de Maio: “Ficaria muito surpreendido se a participação aumentasse.”
Apesar de os assuntos europeus estarem cada vez mais na agenda política, o politólogo lembra que a abstenção é alta em quase todos os países da Europa e dá duas razões. “Os eleitores não percepcionam estas eleições como importantes. Nas legislativas e nas autárquicas percepcionam que o seu voto pode fazer a diferença. Nas europeias não sentem que o seu voto possa influenciar as políticas públicas.” Só duas vezes a abstenção nas europeias ficou abaixo dos 50%. Nas primeiras eleições para o Parlamento Europeu, em 1987, apenas 27,5% dos eleitores não foram votar. Nas seguintes, dois anos depois, a abstenção subiu para os 48%. A partir daí disparou para os 60% e não voltou a descer. Na prática, mais de 6 milhões de eleitores optaram por não ir às urnas nas últimas eleições e os deputados foram eleitos com os votos de pouco mais de 3 milhões e meio de portugueses.
A abstenção nas eleições europeias tem sido, nos últimos 20 anos, superior a 60%. Em 1994 bateu o recorde, com mais de 64%. Nas eleições seguintes, em 1999, desceu, mas 60% dos portugueses optaram por ficar em casa. Em 2004, a abstenção voltou a subir e ultrapassou os 61%. No último escrutínio para oParlamento Europeu, o número de portugueses que optaram por não votar voltou a subir e atingiu os 63%.
Carlos Jalali, professor de Ciência Política da Universidade de Aveiro, acredita que a tendência irá manter-se nas eleições de Maio: “Ficaria muito surpreendido se a participação aumentasse.”
Apesar de os assuntos europeus estarem cada vez mais na agenda política, o politólogo lembra que a abstenção é alta em quase todos os países da Europa e dá duas razões. “Os eleitores não percepcionam estas eleições como importantes. Nas legislativas e nas autárquicas percepcionam que o seu voto pode fazer a diferença. Nas europeias não sentem que o seu voto possa influenciar as políticas públicas.” Só duas vezes a abstenção nas europeias ficou abaixo dos 50%. Nas primeiras eleições para o Parlamento Europeu, em 1987, apenas 27,5% dos eleitores não foram votar. Nas seguintes, dois anos depois, a abstenção subiu para os 48%. A partir daí disparou para os 60% e não voltou a descer. Na prática, mais de 6 milhões de eleitores optaram por não ir às urnas nas últimas eleições e os deputados foram eleitos com os votos de pouco mais de 3 milhões e meio de portugueses.
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