Rute Araújo, in Diário de Notícias
A malária é uma doença que só atinge os africanos e que só deve preocupar os europeus se viajarem para África? De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a resposta não podia ser mais clara: não há doenças que acontecem só aos outros. O mundo mudou, com a globalização, o clima está a mudar, com o aquecimento do planeta, e as doenças também viajam e ameaçam tornar-se um problema de segurança internacional. Consequência: aquilo que antes era um foco restrito a uma determinada região passou a ser um problema facilmente importado pelos restantes países espalhados pelo mundo.
Os especialistas em saúde pública deixam o alerta: a tendência da globalização das doenças "não tem precedentes na história e está para continuar". Num comunicado divulgado na semana em que se assinala mais um Dia Mundial da Saúde, a OMS diz que prova disto é a identificação de mais de 39 agentes patogénicos na última década em locais onde não existiam ou onde já tinham sido erradicados. Todos contagiosos, mas nem todos mortais. Dengue, Ébola, pneumonia atípica ou gripe aviária são alguns dos exemplos. Na Europa, salienta o perigo do retorno da meningite.
As fronteiras tradicionais que separam os países nada podem fazer contra "um micróbio em incubação num passageiro insuspeito ou um mosquito transportado num contentor", sublinha Margaret Chan, a directora-geral da organização. Mais de dois mil milhões de pessoas viajam de avião todos os anos. A informação circula à velocidade de segundos e, com ela, o pânico criado por uma epidemia. Os alimentos de produção intensiva e controlados com antibióticos chegam aos supermercados do mundo inteiro, criando resistências antes inexistentes. Um cocktail que muda o panorama da saúde pública. A juntar a estes factores, uma notícia há muito anunciada: as alterações climáticas, que vão trazer o calor nas próximas décadas.
Graça Freitas, subdirectora-Geral da Saúde, desdramatiza, por enquanto, estes perigos. "É verdade que há uma grande circulação de pessoas, bens e alimentos da cadeia alimentar. Mas, até agora, o que tem acontecido é que quando um agente patogénico chega a um determinado país, não encontra condições para se replicar e quebra-se a cadeia de transmissão da doença." Como exemplo refere os casos de estirpes de meningite trazidas do mundo árabe para Inglaterra recentemente, que acabaram por ser controladas ao fim de pouco tempo. A responsável lembra que o ambiente é diferente e acaba por destruir os vectores de transmissão. No caso da malária, mesmo que um mosquito chegue infectado a Portugal, não encontra um clima que permita a sua sobrevivência. Além disso, os elevados índices de vacinação da população permitem que haja uma protecção a doenças que existem noutros países mas que foram erradicadas na Europa. É o caso do vírus da poliomielite, que há alguns anos chegou a países da UE vindo do Paquistão, Nigéria, mas que não se tornou num problema de saúde pública porque a vacina contra esta doença consta dos programas nacionais de vacinação há anos.
Mas, com as alterações climáticas, "tudo pode mudar". "Mesmo assim, para que estas doenças se desenvolvam, não basta apenas haver mais calor, há que ter em conta a humidade, por exemplo", refere. "É possível. Mas, quanto a isso, só nos resta estar atentos e tentar antecipar" esses eventuais cenários.