19.10.07

As histórias de uma cimeira histórica

Teresa de Sousa, in Jornal Público

Sarko está triste? Brown igual a si próprio? E quem adivinharia que Romano Prodi retiraria à Polónia o papel de "desmancha-prazeres"?


Angela Merkel tem o avião marcado para as quatro da tarde de sexta-feira. Bom presságio. A chanceler da Alemanha chega a Lisboa "optimista mas prudente". Com o seu sorriso sereno e o seu blazer branco entre os fatos monotonamente cinzentos, lembra que há "ainda muito trabalho a fazer". Demora-se com José Sócrates na passadeira vermelha onde o primeiro-ministro português recebe os seus homólogos. Um a um. A ordem parece desta vez ter sido invertida. Jacques Chirac fazia questão de ser o último a chegar - o Presidente da França. Nicolas Sarkozy foi o primeiro. Chirac nunca dispensaria uma viatura de marca francesa. Sarko sai tranquilamente de um dos Audi alemães que constituem a frota automóvel da presidência.

Sorridente ("Não, não, ele está triste..."), demora-se um pouco mais do que os instantes necessários para as fotografias. No ecrã gigante da sala de imprensa, o anfitrião da cimeira informal de Lisboa está a pô-lo rapidamente ao corrente dos últimos desenvolvimentos. No seu rosto é fácil de ler a mensagem: as coisas não estão fáceis.

Por causa da Polónia? Não. Por causa da Itália.

De manhã, num desabafo com um jornalista francês, Sarkozy tinha ensaiado um gesto típico, aparentemente magnânimo. Mais ou menos assim: se Romano Prodi reduz a Europa a um deputado, a França dá-lho.

A disposição geral parece ser, de facto, de enorme boa vontade. Jean-Claude Juncker, o veterano primeiro-ministro do Luxemburgo, resume-a da melhor forma possível: "Haverá um acordo em Lisboa porque tem de haver um acordo em Lisboa."
Romano Prodi chega de rosto cerrado. Já esteve com os seus pares do Partido Socialista Europeu. Foi acarinhado, bajulado, incentivado. Manteve a teimosia: a Itália só sairá daqui com a garantia de que obterá no Parlamento Europeu mais um deputado. É uma questão de prestígio nacional e estas são sempre as questões mais difíceis de solucionar.

Cruza-se com o seu homólogo espanhol. Que, por sua vez, só sairá daqui com a garantia dos quatro deputados a mais que a Espanha obteve para compensá-la por ter aceitado um sistema de votos menos favorável que o de Nice. Prodi fala. Zapatero escuta.

Tudo se resume ao regresso a casa.

O Presidente do Governo de Madrid não pode revelar-se menos zeloso dos "interesses" espanhóis do que José Maria Aznar. E Aznar, em Nice, bateu-se furiosamente pela sobre-representação espanhola. Tem eleições dentro de seis meses. Difíceis. Prodi tem uma maioria frágil e um governo frágil.

Os negociadores portugueses estão inquietos. "Não subestimem o problema italiano." Mas, no fundo, ninguém quer acreditar que o antigo presidente da Comissão Europeia e líder do país que se gaba de ser o mais europeísta da Europa impeça um acordo em Lisboa.

Os espanhóis põem a correr que já há uma solução. Há? Não há? Também ninguém parece querer acreditar que Zapatero estrague a festa ao seu amigo Sócrates. Solidariedade ibérica e socialista.

E o problema britânico?


Desta vez, caso raro, "não há nenhum problema com o Reino Unido".
Gordon Brown executa sem falhas e sem rasgo o guião que trouxe para Lisboa. Participa na reunião dos socialistas (onde raramente o seu antecessor comparecia). Exorta-os a olhar para aquilo que verdadeiramente interessa: "jobs and growth", ambiente, segurança. Para Brown, é quase sempre a economia. E o tratado, com as suas red lines, quando mais depressa for possível esquecê-lo, melhor para ele.

O Reino Unido não é um problema?

Na sala reservada às conferências de imprensa do seu país, à décima vez que o primeiro-ministro britânico repete a frase "o interesse nacional britânico está salvo", já toda a gente provavelmente desistiu de contar. Gordon Brown fala para a sua audiência interna. Não revela interesse nem paixão pela Europa. O único argumento que lhe ocorre, quando os jornalistas lhe perguntam para que é que serve este tratado, é que "50 por cento do comércio britânico é com... a Europa". Não há um problema britânico?

Uma questão de timing

O gémeo geralmente considerado o mais cooperativo, Lech, o Presidente, foi o segundo a chegar ao Pavilhão Atlântico. De manhã, em Varsóvia, o seu irmão, Jaroslaw, o mais radical, acicatou os ânimos para consumo interno. Mas também aqui as horas são cruciais. Contam a favor de Sócrates. Aos gémeos Kaczynski só interessa um acordo que tenha a aparência de uma vitória e que ainda possa ser utilizado como argumento eleitoral. A campanha para as eleições de domingo termina à meia-noite de hoje.
Progressivamente, o caso polaco vai perdendo o interesse. Pode estar resolvido durante o jantar.

Afinal, quem adivinharia há uma semana que a Itália seria o osso mais duro de roer?