19.10.07

Cidadãos europeus cautelosos quanto ao alargamento

Maria João Guimarães, in Jornal Público

O que acontece quando se juntam quase 400 cidadãos dos 27 Estados-membros da UE em Bruxelas e lhes é dada informação e possibilidade de debater na sua língua materna com outros cidadãos de todos os outros países europeus sobre assuntos europeus? A experiência foi conduzida pelo think tank Notre Europe, na primeira sondagem deliberativa, um tipo diferente de inquérito em que se medem diferenças, feita a nível transnacional, cujos resultados foram apresentados ontem, em Lisboa.

A principal conclusão foi: os temas europeus não são tão áridos quanto se pensa e os cidadãos conseguem entendê-los, discuti-los e formar opinião sobre eles, se tiverem incentivos. A segunda conclusão foi que, com mais informação, muitas pessoas mudam de opinião, especialmente em questões como o alargamento ou o sistema de reformas nos países da UE.

A iniciativa, chamada Tomorrow"s Europe, foi concebida e coordenada por dois responsáveis do grupo de estudos Notre Europe (criado por Jacques Delors), com colaboração de vários institutos dos Estados-membros (em Portugal, o Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais).

Mas o que é exactamente esta "sondagem deliberativa"? "A sondagem deliberativa está para uma sondagem normal como o cinema para a fotografia", explicou um dos organizadores da iniciativa, Henri Monceau. Neste caso, foi primeiro escolhido um grupo representativo da população europeia, com pessoas de todos os 27 países, de idades entre os 18 e os 80, de várias profissões e com qualificações académicas diferentes, que foi depois reduzido para um sub-amostra. Esta sub-amostra de 362 pessoas foi levada para Bruxelas onde, no edifício do Parlamento Europeu, se juntaram em plenário para interrogar peritos e políticos (pró-europeus e eurocépticos) e para debater um grupos mais pequenos, na língua em que preferissem (foram usadas 22 línguas) com intérpretes a assegurar a compreensão. Antes, receberam ainda informação com dados factuais e opiniões contraditórias sobre os assuntos em discussão. Os resultados mostraram bastantes alterações de opinião dos inquiridos entre o pré e o pós-fim-de-semana de informação e debate.

A percentagem de cidadãos europeus a defender o alargamento a países que cumpram os critérios desceu de 65 para 60 por cento. Aqui, decresceu tanto o apoio para a entrada da Turquia (de 55 para 45 por cento) como da Ucrânia (69 para 55 por cento).

Houve ainda uma tendência de convergência de opinião entre os inquiridos dos novos Estados-membros (os 12 que aderiram desde 2004) e os mais antigos em relação ao alargamento: entre os primeiros, o apoio a uma adesão da Ucrânia desceu de 78 por cento para 49, enquanto nos segundos passou de 65 para 57. Quanto à entrada da Turquia, os mais recentes Estados-membros tiveram uma quebra no apoio de 58 para 42 por cento. Nos mais antigos a quebra foi menor, de 53 para 46 por cento.
Já em relação às reformas, a maioria acabou por mudar de opinião: inicialmente apenas 26 por cento dos inquiridos apoiavam o aumento da idade de reforma, mas este apoio cresceu para 40 por cento.

Ainda quanto a pensões, a ideia de que os Estados-membros devem decidir independentemente da UE diminuiu, de 41 para 32 por cento. Um papel mais forte da UE na política energética viu um aumento de opiniões favoráveis (de 52 a 59 por cento), e nas relações diplomáticas também (de 55 para 63 por cento).

Uma visão portuguesa

Ana Maria Lamego Mesquita, empresária da Maia de 50 anos, foi uma das participantes portuguesas. Tirou o fim-de-semana passado para participar nesta iniciativa e não lhe poupa elogios. "Foi fantástico, gostei muito e aprendi imenso", resumiu ontem, por telefone, ao PÚBLICO. "A minha opinião mudou muito." Curiosamente, nem sempre no mesmo sentido dos resultados do estudo: "O que mudei mais foi quanto ao alargamento, especialmente em relação à Turquia, por ser um país mais do Oriente, e tinha muitas reservas por causa dos direitos das mulheres no país, as prisões políticas", resume. "Mas acabei por mudar de opinião. Acho que mais um país pode ser bom para uma Europa mais forte." Em relação às reformas, crê que "após 40 anos de trabalho se devia poder descansar", mas compreende que sejam dados incentivos às pessoas para trabalharem até mais tarde.