28.10.07

"Os fundos da UE não vão longe, se não atraírem capital privado"

Sérgio Aníbal, in Jornal Público

A comissária Danuta Hübner explica como é que os fundos europeus podem ajudar Portugal a enfrentar os perigos da globalização


A comissária europeia para a Política Regional afirma que é necessário mudar as prioridades de aplicação dos fundos estruturais em Portugal para que o país possa superar os limites da sua condição periférica. A redução do diferencial tecnológico é fundamental para a competitividade do país.

A negociações entre Portugal e a Comissão Europeia em torno do próximo ciclo de fundos estruturais foram difíceis?

Foi um processo longo. Começámos a discutir com o Governo há muito tempo tanto as prioridades como os sistemas de funcionamento dos programas. As negociações em si foram curtas, mas houve muitos trabalhos preparatórios. Isso foi útil porque, quando recebemos as versões finais, foi tudo mais fácil.

O que é que pediram para alterar nas propostas portuguesas?

Ficámos satisfeitos com as prioridades definidas. As discussões que demoraram mais tempo tiveram a ver com o sistema de gestão de entrega dos fundos. Quisemos que fosse o mais simples possível, sem complicações. E o Governo levou isso em conta.
Já estamos quase no final de 2007. Porque é que demorou tanto tempo a estar tudo acertado?

Não levou muito tempo. Se comparar com o anterior quadro de apoio, estamos a ser bastante mais rápidos.

Em rapidez, como é que Portugal se portou em comparação com os outros países?

Muito bem. O programa nacional foi adoptado no final de Junho, o que colocou Portugal no primeiro grupo de Estados-membros neste processo. E em relação aos programas operacionais, nós neste momento estamos mais ou menos a meio da sua aprovação e Portugal já tem quase todos os programas assinados. Só faltam pequenos programas.

Agora que iniciámos um novo ciclo de fundos, não vê a divergência económica portuguesa dos últimos sete anos como uma prova de que os anteriores ciclos falharam?

Fala-se muito das políticas europeias, mas a verdade é que temos um orçamento extremamente curto. Pode parecer muito dinheiro, mas é uma parte muito pequena do PIB europeu. O orçamento total é de apenas um por cento do PIB. Por isso a sua principal função não pode ser mais do que uma função de alavanca, ou seja, que os fundos desencadeiem mais investimento privado. Também gostaríamos de ver mais disto em Portugal. Nem tudo pode depender dos fundos europeus, mas como investimento público pode desempenhar um papel importante.

Acha que foi um erro nas prioridades?

Em Portugal, ninguém questiona hoje a necessidade de investir fortemente em infra-estruturas durante os últimos 20 anos. Se não tivesse sido feito, ninguém viria investir em Portugal. Mas é verdade que agora chegou o tempo de fazer uma mudança no tipo de investimento. É preciso reduzir o diferencial tecnológico.

Se não tivéssemos recebido os fundos estaríamos ainda pior?

Portugal recebeu, até 2006, 50 mil milhões de euros de fundos. E foi muito importante para Portugal. Mas a verdade é que por muito dinheiro que entre, ele não vai longe se não conseguir mobilizar mais capital privado. Até porque só assim se consegue concretizar uma economia baseada na inovação e conhecimento, algo que é essencial para Portugal, que tem uma economia pequena e localizada num dos extremos da Europa. É também muito importante que Portugal abra mais a sua economia à cooperação com os outros países. Já há alguns programas transfronteiriços com Espanha, o que é excelente.

Em Portugal, o investimento público, devido ao problema do défice, tem estado a cair. Como é que se concilia este problema com a utilização dos fundos?

Não acho que seja um problema. É claro que o sistema é baseado no conceito de co-financiamento, portanto é necessária a contribuição nacional. No entanto, temos a possibilidade de ser o sector privado a disponibilizar a contribuição nacional para o investimento. Por isso, os fundos públicos nacionais não são indispensáveis e isso pode ajudar a aliviar a situação orçamental. Além disso, se, com os fundos, conseguirmos contribuir para um crescimento orçamental, também se acaba por dar uma ajuda à descida do défice. A experiência que temos nos vários países é que os fundos europeus atraem o capital privado e isso tem de acontecer em Portugal.

Um dos maiores problemas em Portugal actualmente é a deslocalização de empresas e o aumento do desemprego. De que forma é que os fundos podem ajudar?

Aumentando a competitividade das empresas e tornando as regiões mais atraentes para os investidores estrangeiros.

Mas enquanto isso não acontece, há problemas...

Os nossos estudos mostram que Portugal tem algumas das regiões mais sensíveis à concorrência do exterior. O Norte está ainda muito dependente do sector têxtil, que tem uma grande competição a vir da China.

E isso tem um custo elevado no curto prazo para as pessoas...

O Fundo Social Europeu (FSE) ajuda a treinar as pessoas e a dar-lhes novas qualificações. Não se pode proteger os empregos em indústrias que estão a sofrer a concorrência que vem de países como a China, a Índia ou o Vietname. Não financiamos as deslocalizações, mas os fundos não podem manter empresas que não são competitivas. O que podem fazer é ajudar as pessoas a manter o seu valor como trabalhadores, formando-as e treinando-as para que tenham a capacidade para encontrar um novo emprego. Os 6 mil milhões de euros que vão para Portugal no FSE podem ajudar bastante. Mas também o fundo regional de apoio às PME, que são a principal fonte de novos empregos.

Os investimentos mais emblemáticos de Portugal ainda estão no sector dos transportes, através do TGV e do aeroporto da Ota. O que acha destes projectos?

Os grandes projectos, para receberem fundos, têm de ser adoptados pela Comissão. Portanto, vamos verificar se são economicamente viáveis e se do ponto de vista ambiental cumprem os requisitos. Em relação ao comboio de alta velocidade, o projecto agrada-nos e, aliás, já apoiámos investimentos do mesmo tipo em Espanha e em França. Eu adoraria ter um TGV na Polónia, mas ainda não é possível. No aeroporto, ainda estamos à espera de saber qual vai ser a sua localização, porque o montante de fundos depende disso.