19.10.07

Desemprego afecta enfermeiros portugueses e leva muitos a emigrar para países ricos

Catarina Gomes, in Jornal Público

Muitos partem para países como os Estados Unidos. Cerca de metade dos enfermeiros espanhóis que ficaram casaram com um português


Acabaram os tempos em que eram tais as carências de enfermeiros em instituições de saúde que um só profissional acumulava dois ou três empregos. Hoje têm que partir para outros países para conseguir trabalho. No final de uma semana escolhida pelo Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) para alertar para a precariedade na profissão ouve-se falar de desemprego numa profissão onde a realidade é nova.
Por ano saem das escolas de enfermagem cerca de três mil enfermeiros, número que tem subido nos últimos cinco anos, resultado também do crescimento das instituições privadas.

Se no início da década se ouvia falar espanhol nas enfermarias portuguesas, hoje são cada vez menos os profissionais que por cá ficam. O seu tempo médio de permanência ronda os dois anos e três meses, segundo um questionário feito pela Ordem dos Enfermeiros (OE). De um pico de 1860 espanhóis em 2004 - mais quatro vezes do que em 2000 (353) - estão inscritos na ordem este ano 1487 profissionais, seguidos de longe por 186 brasileiros.

Um inquérito da OE revela que cerca de metade ficaram no país acabando por casar com portugueses. Se Portugal ainda é receptor de enfermeiros tem vindo cada vez mais a ser fornecedor de países ricos. Tanto o sindicato como a OE dão nota dos recém-licenciados que procuram experiências no estrangeiro, quer por falta de emprego, quer para se valorizarem profissionalmente, refere a bastonária da OE, Maria Augusta de Sousa.

O relatório sobre a perspectiva global da imigração de 2007 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económicos, divulgado no mês passado, dá conta de 1951 enfermeiros portugueses emigrados, face a menos de metade dos médicos (792). Os países de eleição dos enfermeiros lusos são os Estados Unidos (710), seguidos do Canadá (470), Suíça (283), Reino Unido (119) e França (108).

Menos vagas nas escolas?

Quem fica em Portugal tem cada vez mais dificuldade em arranjar emprego. O SEP estima em 1500 os desempregados, a OE é mais cautelosa e dá indicadores indirectos das dificuldades: de 2005 para 2006 o número de enfermeiros que declarou início de actividade no próprio ano em que se inscreveu desceu de 46 para 37 por cento, podendo haver um número importante que só começou a exercer enfermagem um ano depois. E o número de enfermeiros que ainda não declarou o início de actividade aumentou de 24 para 38 por cento.

Se há cerca de quatro anos os alunos ficavam colocados logo no dia seguinte, hoje a disputa começa antes da conclusão do curso. Há dificuldades de colocação em instituições de saúde para ensino clínico, parte obrigatória da licenciatura, refere Filomena Gaspar, presidente da Escola Superior de Enfermagem de Lisboa.
Embora tanto o SEP como a OE reconheçam que talvez seja necessário abrandar no número de vagas abertas nas universidades, ninguém diz que as necessidades estão supridas. Longe disso, defende Filomena Gaspar: existe um desfasamento entre o número de vagas abertas, decorrentes de políticas de saúde, e as reais necessidades de cuidados.

Este é um problema há muito apontado pela OE, mas o grande motivo de preocupação actual das estruturas representativas é mesmo a precariedade e a renovação de contratos dos enfermeiros que trabalham no sector público, a esmagadora maioria.
O sindicato terminou ontem em Lisboa o que chamou a Rota da Precariedade, uma iniciativa que começou dia 1 de Outubro e passou por 16 locais do país. Em causa está a mudança de contratos de trabalho na administração pública que passaram de três em três meses para um ano. O que poderia ser uma boa notícia em termos de estabilidade tem o reverso da medalha, nota a vice-coordenadora nacional do sindicato, Guadalupe Simões.

O Ministério da Saúde (MS) fez um levantamento das necessidades dos contratos necessários e atribuiu uma quota genérica de profissionais de saúde de 6752. De acordo com alguns levantamentos feitos no terreno tanto o sindicato como a OE notam que há locais em que os contratos atribuídos estão abaixo das necessidades.
A bastonária diz que há sítios onde se repõem os profissionais que já lá trabalham, noutros não. Exemplo? O Centro de Saúde da Venda Nova (Amadora) com muito menos contratos do que os pedidos.

A assessora de imprensa do MS, Helena Marteleira, frisa que o processo de atribuição de contratos só estará concluído no final do ano e que às vagas atribuídas juntar-se-á uma bolsa extra para corrigir falhas pontuais.