28.10.07

Os programas escolares deviam centrar-se nos grandes objectivos e não nos detalhes

José Manuel Fernandes e Raquel Abecasis (Renascença), in Jornal Público

Para Júlio Pedrosa, as escolas não podem melhorar sem mais autonomia e ligação à comunidade


Foi reitor da Universidade de Aveiro e preside hoje ao Conselho Nacional de Educação. Passou alguns meses pela cadeira do poder como último ministro da Educação de António Guterres. Para ele, Portugal precisa mais de se pôr de acordo sobre alguns problemas centrais da Educação do que voltar a ensaiar grandes reformas.

O Conselho Nacional de Educação já estudou os rankings?

Não tenho presente nenhum estudo concreto, mas temos, ao longo dos anos, recolhido todos os elementos possíveis para informar as decisões políticas. Neste momento, no quadro do debate nacional sobre educação, estamos especialmente preocupados com o que se passa entre os zero e os seis anos, e entre os seis e dos 12 anos. São duas áreas críticas.

Nesses graus de ensino é onde se nota um maior peso das escolas privadas, em parte por os estabelecimentos públicos não oferecem horários compatíveis com os das famílias. A fraqueza dos mecanismos de apoio a quem não pode colocar os filhos no privado não está a tornar o sistema muito desigualitário?

Esses termos são muito simplificadores, pois o que é verdade numas zonas do país, noutras não é. Deve-se é repensar a oferta disponível para as crianças dos zero aos três anos. É uma fase crítica para o desenvolvimento das crianças e temos de saber o que lhes podemos oferecer.

É uma área onde a oferta pública é quase inexistente.

É insuficiente, e é necessário reforçá-la muito e continuar a melhorar a oferta no pré-escolar, para a faixa dos três aos seis anos.

E na faixa dos seis aos 12 anos, que problemas existem?

Um dos que diagnosticámos é que a transição entre o professor único do primeiro ciclo do básico para os vários das numerosas disciplinas do segundo ciclo, o 5.º e 6.º anos, cria muitos problemas.

No sector privado, essa transição tende a ser mais gradual, porque em muitas escolas já há vários professores no primeiro ciclo do básico...

É verdade, é por isso que esta é uma área a trabalhar. Deve pensar--se se faz sentido existirem tantas áreas do segundo ciclo do básico.

A passagem para o terceiro ciclo ainda é mais brutal, com crianças a terem de trabalhar 12, 15 áreas. Os professores referem que é quase impossível arrumar-lhes as cabeças...

Isso também é verdade, até porque então se está a lidar com adolescentes, jovens numa idade de transição crítica, o que cria nas escolas outro tipo de problemas. Aí temos de trabalhar mais a relação entre a escola e as famílias.

O professor Joaquim Azevedo tem sublinhado, por as escolas terem de lidar com realidades muito diferentes, que deveriam ter mais autonomia. Ora, a legislação recente vai em sentido contrário, impõe a todas as escolas a mesma "forma"...

Não sei a que medida se está a referir. O que está anunciado é que, com base no trabalho de avaliação das escolas, se vão fazer mais contratos de autonomia.

Há cem escolas avaliadas em mais de 12.000...

O que o Governo diz é que vai estimular a autonomia. E eu acredito é que as escolas devem ter mais autonomia, mais liberdade dentro da sala de aula, mais envolvimento com as comunidades em que se inserem. O diagnóstico do professor Joaquim Azevedo deve ser levado muito a sério.

O que se sabe é que os inspectores continuam a ir verificar se a alínea f) do artigo 3 da lei XPTO está a ser cumprido. Isso não é contraditório com o discurso de dar mais autonomia?

Aquilo que o inspector-geral nos apresentou como sendo a futura metodologia da avaliação aponta para abandonar essa prática, apostando na auto-avaliação.

A autonomia é compatível com curricula tão detalhados como os que hoje se impõem às escolas?

Esse problema está testado noutros países...
Nenhum país recomenda centralmente os livros a adoptar.

Eu sei, eu sei.

Isso viola a autonomia.

Claro. Por isso, devíamos encarar os curricula de outra forma, pois os esforços que fizemos para os mudar deram mau resultado. As reformas, e acompanhei em parte a última delas, foram demasiado detalhadas e estamos na boa altura para caminhar noutro sentido. Os curricula devem fixar assuntos-âncora e linhas gerais, a forma de lá chegar deve ficar a cargo das escolas, que poderão ajustar os programas nacionais às realidades locais. Isso é a prática comum na Europa.

Concorda com o modelo de gestão formulado pelo Presidente da República no 5 de Outubro?

Sim, pois sempre sublinhei a importância do envolvimento das comunidades locais com a escola. As autarquias têm de ter muito mais responsabilidades, até porque ninguém se pode desresponsabilizar do que se passa nas escolas, incluindo também os pais. Um dos concelhos de Aveiro com que estamos a trabalhar enfrenta uma situação difícil devido à crise da indústria, que criou problemas que se reflectem nas escolas. A autarquia até queria intervir, mas nem tem experiência nem tem quadros. Há escolas onde 30 por cento das famílias necessitavam de apoio social.

As autarquias, que têm competência na área do apoio social, estão a corresponder?
Depende. Na zona que conheço, São João da Madeira é um bom exemplo, porque o autarca fez da educação a sua prioridade. O de Águeda já nos veio pedir ajuda. Devíamos estar de acordo sobre o princípio de dar às autarquias mais responsabilidades, e depois tratarmos de lhes dar condições para as assumirem.

O nível actual de financiamento do ensino superior não é suficiente para termos o ensino superior de que necessitamos.