19.10.07

Flexibilidade já existe no mercado, agora falta a segurança

Carla Aguiar, in Diário de Notícias

Mudar mais vezes de função, de horário de trabalho, de emprego ou ser despedido por "inadaptação" serão algumas das consequências possíveis que os portugueses poderão esperar da flexigurança, esse novo sistema económico e social que é visto por uns como a panaceia para os males da globalização e por outros como um papão, de onde só poderão chegar perigos para os trabalhadores.

Essas e outras alterações já estão no entanto a acontecer, paulatinamente, no interior de muitas empresas, escapando aos palcos mediáticos, e antes mesmo de estar concluída a revisão do Código do Trabalho, que prevê a sua aplicação. Talvez por isso mesmo tenhamos assistido, ontem em Lisboa, à redacção de um simbólico documento conjunto entre patrões e sindicatos europeus sobre o diálogo social e os desafios dos mercados de trabalho na Europa. É que, como não se cansa de lembrar o ministro do Trabalho, Vieira da Silva, "se a flexigurança não nos entra pela porta, acaba por entrar-nos pela janela". E, por isso, mais vale regulá-la do que deixá-la solta e selvagem.

O maior receio que recai sobre a flexigurança é o de poder promover uma maior flexibilidade nos despedimentos, nomeadamente pelo critério, sempre polémico - discutido no âmbito da revisão do Código do Trabalho -, da inadaptação do trabalhador para a função. Isso dependerá das leis que cada país adoptar, mas alguns especialistas em questões laborais, a começar pelo próprio ministro, lembram que o mercado de trabalho português tem mais flexibilidade do que se supõe. Se assim não fosse, as empresas não teriam conseguido reduzir os seus quadros para se ajustarem aos tempos de recessão económica e não estaríamos hoje com quase meio milhão de desempregados.

A maioria das empresas invoca dificuldades financeiras e mudanças no mercado para reduzir pessoal, recorrendo, na maioria das vezes às chamadas rescisões amigáveis - que às vezes têm muito pouco de amigáveis - ou à figura do despedimento colectivo. O despedimento individual está mais dificultado.

Essa "flexibilidade à portuguesa" deve-se também ao crescimento dos contratos a prazo, que já representam cerca de 20% do emprego e à proliferação dos falsos recibos verdes. Mas também à facilidade existente até aqui - que já acabou - em negociar despedimentos associados a reformas antecipadas, que foram, em grande medida, financiados pela Segurança Social. De futuro, as vítimas de despedimento em idades ainda distantes da aposentação poderão enfrentar mais dificuldades em encontrar rendimentos substitutivos do trabalho.

Se no capítulo da flexibilidade laboral, Portugal acaba, na prática, por não se diferenciar tanto assim dos seus parceiros, o mesmo já não se poderá dizer no domínio da segurança social, a outra face da flexigurança.

Este modelo pressupõe que alguma flexibilidade na legislação laboral tenha como contrapartida mais protecção no desemprego e sistemas de educação e formação capazes de promover a formação ao longo da vida e a reconversão profissional. Ora, a protecção no desemprego em Portugal é mais fraca do que na generalidade dos países europeus mais desenvolvidos, porque não só os valores dos subsídios de desemprego são menores - os salários também -, como os períodos de duração são mais curtos. A recente revisão do regime do subsídio de desemprego encurtou a duração para os trabalhadores mais jovens.

Por outro lado, Portugal tem das mais baixas taxas da população empregada abrangida por acções de formação profissional, o que limita a sua reconversão. Igual limitação verifica-se ao nível das qualificações, das mais baixas da UE, que ameaçam as possibilidades dos desempregados de hoje poderem encontrar os empregos de amanhã.

Por tudo isto, não espanta que um estudo de Yann Algan e Pierre Cahuc, do instituto alemão para os estudos do trabalho (IZA), tenha concluído que o modelo dinamarquês de flexigurança "não é importável" para outros países como, por exemplo, Portugal, França, Grécia ou Bulgária. Isto porque o modelo dinamarquês assenta num forte sentido de "bem público", que não se verifica nas instituições laborais e sociais de vários países europeus.

Em entrevista ao DN, o comissário do Emprego e Assuntos Sociais, Vladimir Spidla, defendeu, na mesma linha, que a flexigurança requer não só uma protecção social mais eficaz, como o acesso a bons serviços públicos de saúde e educação. Talvez fosse o que os cerca de 200 mil manifestantes quisessem lembrar.