29.10.07

Dirigente do IDT trabalhou numa associação que agora financia

Catarina Gomes, in Jornal Público

Associação Ares do Pinhal gere quase todos os equipamentos que dão apoio a toxicodependentes marginalizados em Lisboa


O actual presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT), João Goulão, foi médico na associação particular de recuperação de toxicodependentes Ares do Pinhal, que é financiada pelo IDT. A associação é presidida por um assessor do conselho de administração do IDT e mantém há nove anos uma situação de quase monopólio na gestão dos equipamentos que dão apoio a toxicodependentes marginalizados em Lisboa, sem nunca ter havido concurso público.

O Plano Integrado de Prevenção das Toxicodependências para a Cidade de Lisboa prevê um total de sete estruturas para apoiar toxicodependentes sem suporte social e familiar. A Ares do Pinhal mantém aqui uma situação de quase exclusividade: só um dos equipamentos, o centro de abrigo do Beato, não é gerido pela instituição e recebe poucas verbas do IDT.

O predomínio da associação nas estruturas de apoio a consumidores problemáticos da capital começa no tempo da reconversão do bairro do Casal Ventoso.

A intervenção da Ares do Pinhal, que era na altura uma das que tinham mais experiência no terreno, foi considerada excepcional por se tratar de uma situação de urgência - muitos consumidores tinham ficado sem abrigo após a destruição do bairro - e transitória.

Altos cargos públicos

Nove anos depois, a Ares do Pinhal, que também recebe verbas da Câmara Municipal de Lisboa, foi somando estruturas às duas valências iniciais (centro de acolhimento e gabinete de apoio), sem nunca ter havido pareceres técnicos que o justificassem. Os protocolos semestrais sucessivamente assinados prevêem uma comissão técnica de acompanhamento e avaliação que nunca saiu do papel, reconheceu Goulão.

Desde a assinatura do primeiro protocolo com a Ares do Pinhal, em 1998, que os responsáveis da associação particular ocupavam, ao mesmo tempo, altos cargos públicos no Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência (SPTT).
No momento da assinatura do primeiro protocolo, Nuno Silva Miguel já era um dos dirigentes da Ares do Pinhal e também director clínico do SPTT; Rodrigo Coutinho, outro dos dirigentes da associação, era ao mesmo tempo delegado do SPTT para a região de Lisboa e Vale do Tejo; João Goulão, que foi médico na associação alguns anos mais tarde, era director do SPTT na mesma altura.

Quando, em 2003, este organismo público (SPTT) acaba - para se fundir com o Instituto Português da Droga e da Toxicodependência (IPDT), e dar origem ao actual IDT - a Ares do Pinhal continua a sua acção, ampliando-a. Por exemplo, em 2005 recebe uma nova valência, um gabinete de apoio móvel, que custa por semestre 92.184 euros, sendo 79 por cento desta verba destinados a remunerações (ver PÚBLICO 30/9).
Quando o SPTT desaparece, o psiquiatra Nuno Silva Miguel transita para o IDT como assessor do conselho de administração, cargo que mantém até hoje. Na mesma altura João Goulão deixa de ser director do SPTT e passa a exercer na Ares do Pinhal, funções médicas que desempenha até ser presidente do IDT, em Maio de 2005.

"Nunca foi segredo para ninguém. Enquanto dirigente do SPTT, estava impedido de exercer medicina privada". Quando deixou a chefia do SPTT, Goulão explica que se tornou médico a tempo inteiro no centro de atendimento a toxicodependentes da Parede, foi médico da Casa Pia e exerceu também na Ares do Pinhal.

Tanto Goulão como Nuno Silva Miguel negam qualquer influência na sucessiva renovação de protocolos com a Ares do Pinhal, uma vez que as verbas e a contratualização nunca foram feitas directamente com o organismo onde ocupavam cargos de chefia, mas inicialmente com o Projecto Vida e depois com o então IPDT.

Goulão afirma que as estruturas detidas pela Ares do Pinhal e financiadas pelo IDT vão a concurso nos próximos dias, admitindo que os custos actuais possam descer. No ano passado, a factura rondou os 1,7 milhões de euros. O responsável nota que o atraso na colocação a concurso resultou do atraso na regulamentação necessária para haver concursos públicos, que só este ano ficou pronta.

Das estruturas de redução de danos só as equipas de rua - que têm custos muito inferiores a qualquer uma destas estruturas - são sujeitas a concurso público, com regulamentação específica desde 2001. Cada equipa custa ao IDT, por ano, entre 65 e 70 mil euros, uma unidade móvel da Ares do Pinhal chega a custar 97 mil euros por semestre.

A Ares do Pinhal tem actualmente que entregar relatórios de avaliação técnica e financeira, mas as equipas de rua têm também que fornecer ao IDT fichas de caracterização e avaliação de utentes, relatórios mensais de indicadores e diários de campo.

João Goulão nega qualquer influência na sucessiva renovação de protocolos com a Ares do Pinhal