8.4.08

O nomadismo dos ciganos é um mito?

Bárbara Wong, in Jornal Público

Para os especialistas a resposta é sim. Mas os que vivem em casas têm problemas. Debate hoje, em Lisboa, em torno de soluções


"Eles são nómadas porque isso faz parte da cultura deles." Esta justificação já foi ouvida pelo antropólogo André Correia da boca de populares, funcionários de autarquias e agentes da autoridade. Mas parece que não é bem assim, há razões internas e externas que explicam tudo. "Eles" são os ciganos. Calcula-se sejam 40 mil em Portugal. Destes, cerca de 4200 têm um modo de vida itinerante e sete mil vivem em condições de habitação precária.

São portugueses, mas são os mais discriminados, considera José Gabriel Pereira Bastos, do Centro de Estudos de Migrações e Minorias Étnicas da Universidade Nova de Lisboa.

A situação habitacional dos ciganos é discutida, hoje e amanhã, no seminário internacional Ciganos: Território e Habitat, em Lisboa. O encontro é promovido pelo Centro de Estudos Territoriais do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (CET/ISCTE). Hoje é Dia Internacional dos Ciganos. Além da situação portuguesa, serão debatidas as estratégias de alojamento usadas em Espanha, França, Itália e Reino Unido.

O objectivo deste encontro é perceber que modelos e estratégias funcionam, explica a investigadora Alexandra Castro, do CET/ISCTE. Porque se há ciganos obrigados a ser itinerantes, também os que vivem em casas têm problemas. "A situação habitacional dos ciganos raramente é encarada como fazendo parte da política global de habitação, mas sim como um problema particular associado a este grupo", escreve Alexandra Castro.

Visão romântica
Durante dois anos, a investigadora e André Correia acompanharam famílias ciganas sem residência fixa e concluem que esta situação se repercute nas oportunidades que estes podem ter para melhorar as suas vidas. Ou seja, se tiverem uma morada fixa poderiam estar mais integrados, trabalhar e pôr os filhos a estudar.

Para José Gabriel Pereira Bastos os ciganos não são nómadas por gosto, mas são forçados a sê-lo, diz, citado pela agência Lusa. Há uma visão "romântica" do nomadismo, acrescenta André Correia.

No que diz respeito aos nómadas, apesar de não existir legislação, há a ideia de que não podem permanecer no mesmo sítio mais de 24 ou 48 horas. As famílias queixam-se de perseguição e de serem expulsas.

Num inquérito feito às autarquias e à GNR, os investigadores verificaram que, perante a presença dos ciganos no mesmo local mais de 48 horas, a GNR tenta impedi-los (43,7 por cento) ou vigia-os (27,6 por cento). Quanto às câmaras, contactam os agentes de autoridade (31,8 por cento), os serviços municipais informam-nos para desocuparem esses locais (12,1 por cento), ou os ciganos são "avisados ou intimados" a abandonar o local por "uma entidade não discriminada".

Quanto às famílias que ocupam casas ou infra-estruturas devolutas, ou que construíram barracas em terrenos públicos ou privados, "parece existir uma vontade deliberada", por parte das autarquias, de não fazer esforços para as integrar. Por exemplo, não possibilitando o acesso à água, luz ou saneamento básico com o pretexto de que seria um incentivo para outros se fixarem.

No que diz respeito à maioria dos ciganos, aquela que vive em casas - muitos foram realojados pelas autarquias -, alguns têm dificuldade em adaptar-se e uma das razões principais são os conflitos intra-étnicos, sublinha Alexandra Castro. Um estudo da socióloga Maria Manuela Ferreira Mendes, de 2005, conclui que o realojamento de forma demasiado concentrada pode aumentar os conflitos e a exclusão social, refere a Lusa.

No entanto, defende Ferreira Mendes, os realojamentos são "cruciais" para o sucesso da integração social destas comunidades.

Em Santo Tirso, algumas garagens das moradias, feitas pelo município em 2000, foram transformadas em quartos porque as famílias crescem rapidamente. Ali, os ciganos queixam-se de ter sido criado um bairro só para eles e de este ser demasiado barulhento.

No Algarve, em Lagoa, há famílias que lamentam não ter campo para semear ou ter alguns animais, noticia a Lusa. E também ali se queixam do barulho. O que melhorou foi terem deixado de ser importunados pela justiça e pela polícia, aponta um cigano.
Para Pereira Bastos, em declarações ao semanário Expresso, é preciso "realojar com dignidade" e "premiar as famílias a cada grau de ensino que os filhos terminem." "Há uma geração, a dos mais novos, que não devia ficar perdida", conclui André Correia.

"Três passos para a frente e dois para trás"

Gouveia Monteiro, vereador da Câmara Municipal de Coimbra, admite que "não é possível falar de sucesso, sem mais", quando se faz o balanço do projecto que começou em 2004, com o realojamento do mais temido clã de etnia cigana da cidade - os Monteiros. Mas, depois de quatro anos "a andar três passos para frente e dois para trás", diz que a experiência permitiu, pelo menos, "apontar uma alternativa à exclusão".

"Este projecto é sofrível, caro, difícil? Talvez. Mas qual seria a alternativa? Enfiá-los num bairro social onde mais ninguém teria entrado?", desafia o autarca.
O projecto arrancou por causa dos Monteiros. Para libertar terrenos necessários à remodelação da estação ferroviária, a autarquia tinha de realojar a família que ali vivia há décadas. Mais propriamente, 36 mulheres e crianças do clã, porque os homens, 16 ao todo, estavam na prisão, por tráfico de droga.

A autarquia investiu 700 mil euros na construção das habitações, onze destinadas a outros tantos núcleos familiares e a restante a um centro de apoio social. A ideia não era criar um gueto, mas um "centro de estágio habitacional", inédito: os elementos do clã não teriam ali alojamento definitivo, mas a possibilidade de participar num projecto de inserção que os viria a habilitar a ocupar apartamentos em diferentes pontos da cidade.

As mulheres tiveram formação, as crianças rumaram à escola, todos aprenderam a viver em casas a sério.

Quatro anos depois, ainda há más notícias. Um dos núcleos que entretanto foram realojados, formado por mãe e filhos, não resistiu à saída da prisão do homem da casa - há um ano era apontado como um caso de sucesso, há semanas foi notícia por causa de um tiroteio. Mas, se este acontecimento está num prato da balança, no outro o vereador põe, entre outras coisas, o facto de haver dez meninos do clã no segundo ciclo do ensino básico, "algo impensável há cinco anos". "Não se pode fazer um balanço definitivo, é cedo, muito cedo", avalia o vereador.

Mais curta, ainda, é a experiência de Beja, completamente diferente da de Coimbra. Naquele caso, tratou-se de, em Janeiro de 2006, transferir para o chamado "Parque Nómada das Pedreiras" cerca de duas centenas de famílias de etnia cigana que, até então, tinham vivido num bairro de lata, na periferia da cidade.

Hoje, Miguel Ramalho, vereador da Câmara de Beja, realça o cuidado que os habitantes têm na higiene das suas casas e o progressivo desaparecimento dos conflitos iniciais, associados à adaptação ao novo espaço, que partilham com famílias realmente nómadas e em trânsito. O maior problema, segundo o autarca, está na dificuldade de algumas famílias para liquidarem a renda das casas que ocupam. G.B.R. e C.D.

Gouveia Monteiro diz que ainda é muito cedo para se fazer um balanço definitivo do centro de estágio habitacional