Yemeli Ortega e Noe Leiva, in Público on-line
Tentam dar o salto sozinhos, do México para “o sonho americano”. São crianças e adolescentes dispostos a arriscar tudo para ganhar um punhado de dólares. São cada vez mais. São milhares.
Gabriel, um jovem mexicano, não sonha um dia vir a ser um grande jogador de futebol ou uma estrela da música pop. Aos 17 anos, ele só quer trabalhar nos Estados Unidos para ajudar a sua família e, para fazer isso, arrisca a vida em perigosas peregrinações clandestinas.
“Tens que dormir na montanha, andar sem parar, descer, subir. As patrulhas fronteiriças podem ver-te ou perceber por onde passaste, e, se te apanham, tudo isto não serviu para nada”, conta Gabriel, poucas horas depois de ter sido expulso dos Estados Unidos para a cidade fronteiriça mexicana de Tijuana, acusado de tentativa de passagem ilegal da fronteira.
Cada vez mais crianças e adolescentes aventuram-se sozinhos, vindos do México ou da América Central, a tentar entrar nos Estados Unidos. Uma situação de crise humanitária, já reconhecida como tal pelo Governo de Barack Obama. Entre os dias 1 de Outubro e 31 de Maio, as patrulhas fronteiriças americanas interceptaram 47.017 menores sem documentos, mais do dobro do número registado num ano, entre Outubro de 2012 e Setembro de 2013.
“Aquilo que eu quero é trabalhar. Lá, nos Estados Unidos, tu podes economizar para depois comprar uma pequena casa, um pequeno carro. Aqui só consegues o mínimo para te alimentares”, diz Gabriel com um ar sério de adulto.
Ao longo do seu percurso clandestino, os menores são muitas vezes alvo de grupos criminosos, arriscando-se a ser roubados, raptados para serem vendidos a redes de prostituição ou servir de novos recrutas. Florecita, uma pequena de nove anos das Honduras, foi recolhida pelo instituto hondurenho da infância (INFHA), um refúgio de Tegucigalpa destinado aos menores que são expulsos dos EUA.
“Um homem apontou-me uma grande pistola, tive muito medo”, conta Florecita, que ainda não sabe a diferença entre um revólver e uma espingarda, mas que foi sequestrada pelo cartel mexicano dos Zetas quando tentava chegar aos EUA, em companhia da sua tia. Muito assustada, ela afirma, no entanto, que não foi sujeita a maus tratos durante o seu sequestro.
“A menina esteve sequestrada dez dias. A sua mãe, que vive nos Estados Unidos, teve que pagar 10 mil dólares para que fosse libertada”, explica a directora do programa de reinserção do INFHA, Marcela Rivera. Uma vez em liberdade, depois de o resgate ter sido pago, Florecita foi entregue aos serviços de imigração mexicanos, que a devolveram, juntamente com outras crianças, às autoridades das Honduras.
António, um menor que está em Tijuana, assegura que o traficante a quem pagou para fazer a travessia da fronteira era tão novo como ele. “Também era um puto”, diz. “Muitos jovens são contratados para o tráfico de pessoas na fronteira”, uma vez que não podem ser condenados pela justiça, explica Javier Urbano, da Universidade Iberoamericana do México.
Ao longo dos quatro primeiros meses de 2014, mais de 6000 crianças e adolescentes foram expulsos dos Estados Unidos. Muitos deles já tinham tentado atravessar a fronteira mais de cinco vezes.
Perante a amplitude do problema, o Governo americano reabilitou três bases militares e transformou-as em albergues de acolhimento de menores. Mas Jeh Johnson, secretário americano de Segurança Interna, sublinhou que os menores que conseguiram atravessar a fronteira ao longo dos últimos meses não vão ser legalizados nos EUA. Pelo contrário, serão considerados “prioritários” para extradição.
O México, por seu lado, já extraditou, no mesmo período, 8.577 menores migrantes para os respectivos países, principalmente da América Central. “Há as leis, há a segurança e há regras, é preciso compreender isso”, explica José Luis Valles, um responsável do instituto nacional de migração do México.