Por Rosa Ramos, in iOnline
Comissões de Protecção de Crianças e Jovens sinalizaram mais menores em risco. Exposição a quadros de violência em casa é maior
O número de crianças e jovens em risco está a aumentar. No ano passado, e pelo terceiro ano consecutivo, as Comissões de Protecção das Crianças e Jovens (CPCJ) identificaram maior número de casos em Portugal. Em 2013 foram instaurados mais de 30 mil processos de promoção e protecção (30 344) e a esmagadora maioria (28 498) correspondeu a novas sinalizações. No total, as CPCJ mexeram com 71 467 processos - mais 2560 que no ano anterior - e foram detectadas 74 734 situações de perigo. A negligência é a mais comum, segundo o relatório anual da Comissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em Risco, apesar de os números até terem diminuído (20 902 em 2012 para 18 910 no ano passado).
Já os casos em que as crianças e os jovens são expostos a comportamentos inadequados aumentou. Em 2012 tinham sido detectadas 16 028 situações, enquanto em 2013 foram sinalizadas 18 273. A esmagadora maioria (94,5%), admite o relatório, tem a ver com a exposição à violência doméstica.
As escolas, as forças policiais e os próprios pais são quem mais denuncia os casos de perigo às comissões. Os estabelecimentos de ensino foram responsáveis pela sinalização de 9815 novos casos, enquanto as polícias denunciaram 8722 situações. A GNR é a força de segurança que mais trabalha com as CPCJ: existem 304 comissões espalhadas pelo país, onde têm assento 264 militares. E as estatísticas da Guarda também permitem concluir que há um aumento do número de crianças em perigo. Em 2012, a GNR tinha sinalizado e denunciado às CPCJ 2537 situações. Porém, no ano passado o número subiu para 3069.
A maior parte dos casos, confirma o tenente-coronel Nascimento, do Núcleo de Investigação e de Apoio a Vítimas Específicas da Direcção de Investigação Criminal da GNR, chega ao conhecimento das autoridades durante a investigação de processos relacionados com violência doméstica. "São crianças que sofreram bastante e nalguns casos estão mesmo bastante traumatizadas por terem sido expostas a cenários de grande violência em casa", descreve o oficial da GNR.
As denúncias de crianças em risco chegam às forças de segurança maioritariamente de duas formas. Ou através das escolas, que comunicam eventuais suspeitas aos polícias envolvidos nos programas Escola Segura, ou no decurso de investigações no terreno. De seguida, a GNR informa as CPCJ - que avaliam os casos.
Mais violência doméstica Segundo o s dados do último Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), a violência doméstica foi o crime que mais aumentou em 2013: uma subida de 3,1%, contrariando a tendência das estatísticas globais da criminalidade, que baixou no ano passado. A violência entre casais passou de 22 247 casos em 2012 para 22 928 em 2013. "E essa poderá ser uma das causas do aumento das sinalizações", admite o tenente-coronel Nascimento. Também o relatório anual das CPCJ, quando se refere ao aumento de comunicações recebidas pelas polícias, aponta no mesmo sentido. "A análise deste aumento tem de ser cruzada com os dados das problemáticas sinalizadas, que apontam para o aumento significativo das situações de exposição a comportamentos que podem comprometer a saúde, a segurança e o bem-estar da criança, que integra a violência doméstica vicariante em número muito significativo", lê-se no documento.
No terreno, os militares da GNR encontram de tudo. "A maioria das sinalizações ocorre em famílias desestruturadas, algumas recompostas, em que há filhos de outros casamentos", explica o tenente-coronel Nascimento. As novas estruturas familiares - como as famílias reconstituídas - podem representar um risco para os filhos quando o ambiente não é saudável. "Há casos em que as crianças se sentem num limbo, entregues à sua sorte", descreve o oficial da GNR. E, contrariamente ao que até se possa pensar, as crianças em perigo existem em todas as classes sociais. "Obviamente que as que integram meios mais pobres estão à partida mais vulneráveis, mas temos casos de crianças mal nutridas em todos os estratos sociais", garante o militar da GNR. A grande diferença entre classes sociais costuma estar na forma como os casos chegam ao conhecimento das autoridades. Enquanto nas crianças mais desfavorecidas é a escola que costuma denunciar a existência de problemas, nas famílias mais abastadas a sinalização acontece por norma na sequência da investigação de crimes de violência doméstica.
Mais desempregados O relatório anual das CPCJ conclui, no capítulo da caracterização das famílias das crianças e jovens detectados em risco, que aumentou o número de agregados familiares a receber subsídios. Do total das famílias com crianças referenciadas, 6% tinham como única fonte de rendimento o subsídio de desemprego. Já as que beneficiavam de pensões (social, de invalidez ou sobrevivência) representavam 13,8%, confirmando a "tendência crescente" dos últimos anos: em 2011, 11,6% viviam destes três subsídios e em 2012 a percentagem era de 12,5%.
O relatório sublinha, por outro lado, que existem famílias a viver em condições "muito precárias". Mais de 200 crianças (3,3%) foram identificadas a viver em partes de casas, 66 em habitações colectivas ou pensões, 87 em barracas, 25 em quartos alugados, oito em tendas ou roulottes e seis na rua. Ainda segundo o documento, 42,3% das crianças em risco vivem com os dois pais, 35,4% apenas com o pai ou a mãe (e destas 88,8% vivem com a mãe) e 13,7% com um dos progenitores numa família reconstituída e com outros menores.
Dulce Rocha Vice-presidente do Instituto de Apoio à Criança (IAC)
“A crise económica agrava a violência familiar”
Como se explica o aumento do número de crianças sinalizadas como estando em risco?
As pessoas queixam-se mais e há uma vigilância e uma intolerância maior por parte da sociedade. Por outro lado, tem havido mais casos de abandono escolar desde que o ensino obrigatório foi alargado até ao 12.º ano. Mas o mais preocupante é que estão a aumentar os casos de maus-tratos graves.
A que se deve esse aumento? Há muitas situações associadas ao desemprego e às dificuldades económicas das famílias. Pais desesperados não podem proporcionar um ambiente saudável aos filhos. Existem também muitos casos de crianças que deixaram de estar em creches e ATL porque as famílias não têm dinheiro para os pagar, por isso há mais crianças sozinhas em casa. E quando não estão os pais estão desempregados e discutem mais. Nas famílias em que já havia violência, a crise económica veio agravá-la.
A pobreza infantil também está a aumentar? Os estudos mostram que sim. E com os cortes e os desemprego,é natural que a privação seja maior e a pobreza infantil aumente de forma alarmante. Muitas famílias procuram o instituto não só devido a conflitos familiares, mas também porque precisam de apoio. A pobreza pode manifestar-se de várias formas, das carências alimentares ao abandono de actividades complementares à escola.