19.6.14

Projecto privado de combate ao insucesso escolar tem como horizonte chegar a todo o país

Ana Dias Cordeiro, in Público on-line

Os "bons resultados" do programa Mediadores para o Sucesso Escolar, revelados esta terça-feira na Assembleia da República, quiseram mostrar que é mais vantajoso prevenir do que combater o insucesso escolar. Num universo de 13 mil alunos apoiados, mais de 1700 conseguiram passar de ano.

Nos últimos seis anos, Margarida Brandão conheceu dezenas de alunos no agrupamento de escolas Barbosa du Bocage, de Setúbal. Conheceu-os e acompanhou-os como mediadora no âmbito do projecto lançado pela Associação EPIS – Empresários pela Inclusão Social, criado em 2006 para prevenir o abandono e insucesso escolar.

A ex-professora de Educação Musical, que antes trabalhava noutra escola, foi uma das pessoas a partilhar o seu testemunho na conferência promovida pela EPIS na Sala do Senado da Assembleia da República, onde foram apresentados os resultados dos Mediadores para o Sucesso Escolar.

“A Epis criou 1700 novos bons alunos” em 60 municípios portugueses desde que foi lançado em 2007, sintetizou ao PÚBLICO o director-geral da associação, Diogo Simões Pereira. Ou seja, do universo de 13 mil alunos apoiados desde o início, mais 1700 alunos, relativamente àquilo que eram os números antes da intervenção dos mediadores, tiveram aproveitamento escolar e passaram de ano. Em média, todos os anos, a proporção de alunos que passaram de ano aumentou em 12 pontos percentuais.

Face ao que considera serem os bons resultados do projecto, a associação defende ser altura de o estender a todo o país, com mais mediadores em mais escolas. E essa defesa teve eco entre outros intervenientes.

“É preciso dar força ao projecto” na Assembleia da República e “vincular os governos a uma agenda de qualificação” dos recursos humanos, disse Celso Manuel Gomes Pereira, presidente da Câmara de Paredes. O concelho já esteve entre os 10 piores em insucesso escolar de todo o país.

“Esta metodologia devia ser urgentemente alargada a todas as escolas do país, porque resulta”, enfatizou, apelando ao Ministério da Educação para entender a importância desta prática para a redução do insucesso escolar: “Estamos a falar da competitividade do nosso país. E esta mede-se pela formação dos seus recursos humanos.”

O projecto dispõe hoje de 84 mediadores. Esse número vai duplicar no próximo ano, para cobrir 10% do território nacional, actualmente apenas coberto em 6%. Dos 84 mediadores em funções até agora, 18 foram alocados pelo Ministério da Educação que se comprometeu a disponibilizar mais 50 mediadores no próximo ano.

Além de autarcas e deputados, na conferência desta terça-feira participaram também representantes de escolas, alunos e pais, e estiveram presentes, os ex-ministros da Educação como Marçal Grilo e Roberto Carneiro, o juiz e presidente da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, Armando Leandro, entre representantes de outras entidades, para ouvir os testemunhos de quem tem a experiência de pessoas directamente envolvidas no projecto.

Margarida Brandão chegou a ter mais de cem alunos num só ano. A média, no entanto, para um mediador é acompanhar entre 70 a 80 alunos por ano – alunos a quem se dedica 30 minutos de duas em duas semanas, para incutir hábitos de estudo, valores, regras, motivação e dar sentido e um objectivo ao que se faz na escola. “Ao início, resistem um pouco”, conta. “É importante começar por perceber, com eles, por que têm maus resultados.”

Acreditar nas capacidades

A maioria dos alunos que conheceu apresentava aquele que é o quadro mais frequente em jovens com risco de insucesso ou abandono escolar – “não sabiam estudar ou não acreditavam nas suas capacidades".

Mas entre os muitos alunos que acompanhou desde o primeiro ano lectivo como mediadora – 2008/2009 – também conheceu jovens que assistiam diariamente a cenas de violência doméstica e outros que deixavam de ter água ou luz em casa porque os pais tinham ficado, ambos, desempregados. “Isso notou-se muito em Setúbal”, diz sobre os anos em que se agravou a crise do país e a situação económica das famílias.

Para uns como para outros, era preciso um acompanhamento. E para todos eles, os mediadores tentam "diminuir os factores de risco" e "potenciar os factores de protecção". Como aconteceu com Miguel Pereira, de 14 anos, para quem neste ano, passou de uma perspectiva de um chumbo quase certo, com as 5 negativas no 1.º trimestre, para a forte probabilidade de conseguir, afinal, passar para o 9.º ano.

Ou como João Ramalho, de 18 anos, que na Escola Sebastião da Gama, em Setúbal, com um histórico de quatro anos reprovados, conseguiu provar a professores que é possível inverter percursos. “A minha cabeça mudou”, diz do momento em que passou a ser acompanhado por um mediador, Nuno Palma, que também nesta conferência, considera que casos como o de João Ramalho “podem inspirar os outros mais novos” a melhorar as perspectivas de vida. E conta o caso de uma turma de 22 alunos, com um histórico de 80 retenções (chumbos) entre todos, que alterou completamente a trajectória depois de entrar no projecto. Do conjunto, 21 alunos vão agora transitar para o ensino secundário.

Contributos e ganhos

Também partilhada foi a mensagem de que o ganho das empresas pode ser proporcional ao seu contributo. E muitas delas, localmente, apoiam este projecto, como parceiros ou associados, estando entre os principais algumas empresas nacionais como a Unicer, Fundação EDP, Iberdrola, entre outras.

“Estamos a falar de inovação centrada nas pessoas”, disse Sérgio Figueiredo, presidente da Fundação EDP. “Estamos a trabalhar com pessoas concretas. Pais, alunos, autarcas. É um processo inovador” e de sustentabilidade. “Está-se a trabalhar em resultados de longo prazo. E sendo de sustentabilidade, é uma questão de competitividade para as empresas.”

Também o vereador da Educação da Câmara de Matosinhos, António Correia Pinto, explicou frente aos deputados da Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura, por que este projecto de “intervenção precoce merece toda a atenção da administração educativa”. Sabendo-se que uma turma custa 100 mil euros ao Estado por ano (custando um aluno cerca de quatro mil euros) e quando em Matosinhos se recuperam 300 alunos, em risco de chumbar, todos os anos, poupam-se 1,2 milhões de euros por ano com os 150 mil euros que a câmara disponibiliza do orçamento para este projecto.