3.6.14

A maior dificuldade das mulheres empreendedoras é acreditarem nelas próprias

Ana Rute Silva, in Público on-line

David Clutterbuck, especialista mundial em mentoring e coaching, programas que ajudam homens e mulheres a progredirem na carreira, diz que o investimento em mulheres empreendedoras tem, em média, mais retorno do que em homens.

Falta auto-confiança às mulheres empreendedoras, diz David Clutterbuck, que está hoje em Lisboa para lançar o Programa de Mentoring da , Associação para o Desenvolvimento do Talento Humano e da Iniciativa Empresarial Feminina. O especialista em mentoring, consultor e autor de 50 livros sobre o tema, acredita que ter um mentor, alguém experiente, que faça as perguntas difíceis, pode ajudar a aumentar o número de mulheres empresárias.

Qual é a diferença entre ter um mentor e um colega de trabalho que nos ajuda?
Um mentor é alguém que pode ser um amigo, um exemplo a seguir, com muita experiencia em carreira ou numa determinada área de trabalho e a quem podemos recorrer.

É mais honesto do que um amigo?
Sem dúvida. Diz coisas que um amigo poderia ter receio em dizer porque o seu papel é precisamente dar feedback.

E o que é preciso para ser um bom mentor?
Um bom mentor é alguém com muita experiência e que nos ajuda a pensar no que queremos fazer. Alguém experiente a fazer as perguntas certas, que nos ajuda a sermos honestos connosco próprios.

O mentoring usa-se através de um programa estruturado?

Sim, há programas específicos para mulheres empreendedoras, por exemplo, e nestes casos a qualidade da relação com o mentor é muito melhor. Há pouco perguntava o que faz de alguém um bom mentor e eu acrescento que é alguém com experiência e humildade.

Porque não pode impor uma ideia ou forma de estar?
Sim, não pode dizer o que fazer. Ajuda alguém com a qualidade do seu pensamento. Ajuda outro a pensar em si, na sua carreira.

As mulheres precisam mais de programas de mentoring do que os homens?
As mulheres tendem a aceitar melhor que precisam de um mentor, são melhores ouvintes do que os homens. E essa qualidade, muito melhor desenvolvida, é crítica. Os homens são melhores a colocar questões críticas. Têm, além disso, uma paixão por aprender, o que torna estes programas mais eficazes.

Mas precisam mais de ajuda por terem, porventura, mais falta de confiança nas suas capacidades?

Sim, porque a maior dificuldade é acreditarem nelas. Num estudo que fizemos com 100 mulheres de sucesso que participaram em programas de mentoring, 50% decidiram criar o seu próprio negócio, e as restantes decidiram ficar na empresa. Em todas elas, a decisão de ficarem ou saírem foi tomada depois de terem sido acompanhadas por um mentor. Colocou-lhes questões que as obrigaram a tomar uma decisão.

Que resultados se esperam depois de um programa destes? Conseguir tomar decisões difíceis?
Tendo em conta que ajuda as pessoas a pensarem nelas próprias, passam a compreender-se melhor e a perceber melhor o ambiente que as rodeia. Descobrimos que estes programas produzem quatro tipos de resultados. Pode haver uma mudança na carreira e, entre as mulheres empreendedoras, isso significa arrancar com o seu negócio e fazê-lo funcionar. Sabemos que, em média, o investimento em mulheres empreendedoras tem mais retorno do que em homens empreendedores, sobretudo em pequenos negócios. O segundo resultado é que, com base na experiência do mentor, conseguem antecipar o que esperar da sua decisão. Depois, têm um plano de desenvolvimento pessoal e um modelo de negócio desenhado. E também há resultados do ponto de vista emocional. Saber quem somos, para onde vamos e porquê é algo de muito poderoso.

Em Portugal, a Agência para a Competitividade e Inovação (Iapmei) está a ponderar criar a figura de um mentor para acompanhar a recuperação de empresas. É uma boa ideia?
Isso não é mentoring. Um mentor é alguém que trabalha com um indivíduo e que o ajuda a passar por transições significativas. Não é um serviço para a recuperar empresas.

É conhecido como o mestre das questões difíceis. Qual é a pergunta mais difícil que se pode colocar a alguém?
Depende das circunstâncias, mas será sempre aquela que leva alguém a pensar de forma mais profunda. Por exemplo, uma mulher com quem trabalhei tinha muita dificuldade em equilibrar a vida pessoal com profissional. E eu perguntei-lhe: “Como é que se recompensa?”. Ela pensou na pergunta durante dias. Foi uma questão importante para ela.

E que reacção é que as pessoas têm quando lhes coloca essas questões?
Um dia recebi um e-mail de uma pessoa de quem eu tinha sido mentor. Dizia-me: “Provavelmente já não se lembra de mim, mas colocou-me várias questões. Há dois anos, finalmente, consegui responder a uma delas e mudei toda a minha carreira”. Enviou-me o mail a agradecer.

Os seus objectivos são introduzir mudança?
Sim. Veja-se o caso da presença das mulheres em cargos de decisão. A falta de mulheres no topo empobrece as organizações. E muito do mentoring que fazemos com mulheres é ao nível da reputação. As mulheres são boas a gerir a rede de contactos, mas não tanto a sua reputação (os homens são melhores nisso). Os mentores ajudam-nas a gerir a reputação. Não precisamos de mulheres que ajam como homens, mas mulheres que mudem as organizações de uma forma feminina. As empresas podem beneficiar com essas diferenças. E o mentoring talvez seja a ferramenta mais poderosa para fazer aumentar o número de mulheres em cargos de responsabilidade.