3.2.23

IVA contra a pobreza

Luís Aguiar-Conraria, opinião, in Expresso

Há cada vez mais estudos que mostram que muitas das taxas de IVA diferenciadas resultam de pressões de grupos de interesseJá há algum tempo que muitos defendem uma descida do IVA para produtos essenciais. Argumentam ser uma forma de apoiar a população mais carenciada nesta altura de inflação. Já discuti o assunto nesta coluna, mas como, arrastado pela política espanhola, volta a estar na ordem do dia, reincido. A minha crítica divide-se em três. Em primeiro, é improvável que a descida do IVA tenha os efeitos desejados. Em segundo, mesmo que tenha, esses efeitos são nefastos. Em terceiro, mesmo cingindo-nos ao IVA, há formas melhores de chegar ao mesmo objetivo.

Lá é engraçado que o país que acha que a descida do IVA nos combustíveis não se traduziu em preços mais baixos pensa que basta reduzi-lo nos bens essenciais para que estes automaticamente baixem de preço. No caso dos combustíveis, há uma entidade oficial (a Direção-Geral de Energia e Geologia) que todos os dias publica os preços médios dos combustíveis e uma outra (a Entidade Nacional para o Sector Energético) a divulgar, diariamente, preços de referência com base nas cotações internacionais da matéria-prima. Se, mesmo com toda esta informação pública e certificada, foi a gritaria que se viu, imaginem as acusações que se seguirão a uma descida do IVA para dezenas de produtos. E, depois da gritaria, serão anunciadas operações de fiscalização para garantir que as empresas não abusam. Como se nada disto tivesse custos.

E, na verdade, é mesmo provável que os preços não baixem assim. Não vale a pena estar com argumentos muito elaborados. Basta lembrar o caso dos restaurantes e dos ginásios quando o IVA baixou. A longo prazo, uma descida do IVA acabará por se refletir nos preços (não por baixarem já, mas por demorarem um pouco mais a subir). Mas, como medida temporária e de impacto que se quer imediato, o longo prazo é longe demais. O insucesso é uma forte possibilidade — ou acha mesmo que o pão que custa 20 cêntimos passará a custar 19 cêntimos com a descida do IVA de 6% para zero? O mais provável é mesmo que muitas empresas aproveitem para aumentar os seus lucros. (Claro que depois podemos lançar um imposto sobre os lucros extraordinários.)

Mesmo que, na verdade, a descida do IVA se traduzisse numa descida dos preços, esse efeito seria pernicioso. Se há produtos que estão mais escassos, o preço deve refletir essa escassez, precisamente para reduzirmos o seu consumo. É esse o papel dos preços. As taxas de IVA diferenciadas distorcem os custos dos produtos e levam-nos a fazer escolhas ineficientes. Claro que não é aceitável que as famílias mais pobres tenham de reduzir substancialmente o seu consumo, pelo que terão de ser apoiadas (já lá vamos), mas a descida do IVA é para todos, mesmo para os mais ricos, que podem, sem grande custo, baixar os seus padrões de consumo.

Há uma forma simples: devolver o IVA, ou parte dele, na forma de rendimento

crítica que fiz no parágrafo anterior aplica-se a todas as formas de IVA reduzido. Há cada vez mais trabalhos académicos que mostram que muitas das taxas de IVA diferenciadas resultam de pressões de grupos de interesse. (Ou vai dizer-me que uma noite num hotel de cinco estrelas só paga 6% de IVA porque se trata de um bem essencial? Ou que uma garrafa de vinho Barca Velha, que custa perto de mil euros, paga a taxa intermédia de 13% em nome da justiça social?) O IVA devia, simplesmente, ser igual para todos os produtos. Mas adiante, a verdade é que temos taxas diferenciadas e isso não mudará este ano.

Quer isso dizer que não é possível tornar o IVA mais progressivo ou um instrumento para ajudar as pessoas a combater a inflação? Há uma forma relativamente simples de o fazer que evita as críticas referidas: devolver o IVA, ou parte dele, na forma de rendimento. Alguém que gaste €500 por mês em bens alegadamente essenciais (os tais que têm uma taxa de 6%) paga cerca de €30 de IVA (€28,30, para ser mais preciso). Tomemos estes €30 como referência. Uma forma de garantir que vão mesmo parar ao bolso do consumidor é ficar definido que o IVA pago em quaisquer produtos é reembolsado na sua conta bancária no mês seguinte. Ao consumidor apenas se exige que dê o seu número de contri­buinte nas compras que faça. Não é preciso andar a brincar às taxas de IVA.

Pode ficar definido um limite máximo de €30 para essa devolução. Como se aplica a todos os produtos, não há qualquer distorção adicional nos preços. Como vai para a conta bancária do consumidor, é garantido que vai para o bolso certo e ninguém fica dependente da boa vontade dos grandes oligopólios, que todos sabemos serem muito gananciosos.

Tem ainda uma outra enorme vantagem, pelo menos se somos sérios quando dizemos que queremos apoiar os mais pobres. Enquanto uma descida da taxa de IVA, mesmo que só para bens essenciais, beneficia toda a gente, o esquema de reembolso permite concentrar recursos em quem precisa. Basta cruzar a informação sobre o IVA pago com os dados dos rendimentos e fazer a devolução depender destes. Com a mesma perda de receita fiscal é possível apoiar bastante mais os que têm menos. Podemos dar o dobro do apoio se apenas apoiarmos metade das famílias. E se nos focarmos no quartil mais pobre, podemos dar um apoio quatro vezes maior. Pegando no exemplo anterior, em vez dos €30 por mês podiam ser €120.