1.3.23

Portugueses nunca resgataram tantos depósitos como em janeiro (e só depois é que os bancos começaram a subir juros)

Diogo Cavaleiro, in Expresso

Portugueses correm para certificados de aforro e abandonam depósitos. Crédito à habitação abranda, mas já há mesmo uma quebra no crédito a empresas. São efeitos das mexidas no juro do BCE, que vai repetir-se em março. Enquanto isso, as Euribor continuam a bater recordes

Os portugueses tiraram 2,5 mil milhões de euros em depósitos entre dezembro e janeiro. Nunca se verificou uma retirada de depósitos desta magnitude, pelo menos desde 1979, ano em que se iniciou a contagem estatística.

O dado permite perceber que foi só após verificarem uma retirada recorde de depósitos por parte dos seus clientes que os bancos portugueses começaram a subir os juros com que remuneram estas aplicações – ainda que apenas com campanhas promocionais e abaixo daquele que tem sido o agravamento dos custos dos créditos. Até a presidente do Banco Central Europeu veio alertar os bancos da zona euro que têm de subir os juros nos depósitos - e já se sabe que Portugal é o país que pior remunera estas aplicações.

Saída inédita de depósitos

“Em janeiro de 2023, o stock de depósitos de particulares nos bancos residentes reduziu 2,5 mil milhões de euros, totalizando 179,9 mil milhões de euros no final do mês”, indica o destaque divulgado pelo Banco de Portugal esta segunda-feira, 27 de fevereiro.

Desde maio de 2022 que a carteira de depósitos de cidadãos não estava tão baixa, invertendo-se a tendência dos anos da pandemia, em que os portugueses estacionaram as suas poupanças neste tipo de produto, com garantia e proteção estatal. O recorde foi alcançado em julho do ano passado, com 182,7 mil milhões de euros colocados nos bancos nacionais em depósitos. Desde aí, e enquadrando-se num período em que a inflação acumulava meses de agravamento significativo, tem havido subidas e descidas ligeiras até esta evolução de janeiro.

A nível de comparação homóloga, os depósitos cresceram 3,7% em janeiro face a janeiro de 2022, o que representa o terceiro mês consecutivo em que há um abrandamento desta taxa que evolui a taxas inferiores a 5% desde novembro - entre 2020 e novembro de 2022, o incremento na aplicação de depósitos foi sempre superior a 6%.

Fuga para os certificados, que atingem máximo

Porém, ainda que subindo face a janeiro do ano anterior, a queda de 2,5 mil milhões em janeiro em relação a dezembro “trata-se da maior redução de depósitos de particulares desde o início da série estatística, em 1979, e ocorre num mês em que as subscrições líquidas de certificados de aforro aumentaram 2,9 mil milhões de euros”.

A carteira de certificados era de 22,5 mil milhões de euros em janeiro, o que quer dizer que cresceu 10 mil milhões de euros desde janeiro de 2022 – sendo que desde julho é que foi o grosso (o crescimento foi desde aí de 9 mil milhões de euros).

A remuneração dos certificados de aforro, produto de dívida do Estado português, evolui à boleia das Euribor que, com a subida abrupta determinada pela taxa de juro do Banco Central Europeu, tem estado a aumentar e, daí, tem estado a registar uma procura inédita. A partir de março, os certificados de aforro darão uma taxa de juro de 3,5% às novas subscrições, segundo confirmam os cálculos feitos pelo Ecocomo o Expresso já antecipara.

Este é o teto máximo para as novas subscrições, que agora é atingido, e onde ficará estacionado – de qualquer modo, como os certificados de aforro asseguram prémios de permanência, os juros serão mais altos com a passagem do tempo. O IGCP, agência que gere a dívida pública, já garantiu que não vai promover mexidas nas condições destes produtos, pelo menos enquanto houver incerteza sobre a política de subida de juros do Banco Central Europeu (BCE) e a evolução da inflação.

Os juros dos depósitos que sobem, mas pouco

Por outro lado, os depósitos remuneram muito abaixo disso, e até há poucas semanas mantinham-se próximos de zero (em dezembro, a média era de 0,35%), com os bancos a sublinhar que têm liquidez suficiente de outras fontes, e justificando que são as famílias com altos rendimentos que têm depósitos, pelo que não iria beneficiar os mais pobres com subidas - será, defendem os banqueiros, a movimentação da concorrência a levar à mexida na remuneração.

Só após esta retirada de depósitos de janeiro agora tornada evidente pelos dados do Banco de Portugal é que os bancos começaram a subir os juros a eles associados, com recentes campanhas promocionais, até aos 2,75%, que mesmo assim não são extensíveis a todos os produtos deste género – e Portugal tem mesmo a taxa média mais baixa na zona euro. De recordar que os bancos são remunerados em 2,5% quando aplicam depósitos no Banco Central Europeu.

Na união monetária também tem havido uma descida em cadeia da carteira de depósitos, com taxas de crescimento homólogas mais baixas que em Portugal (2,7% em janeiro).

A presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, ainda esta segunda-feira deu uma entrevista ao The Economic Times (India) em que declarou a sua “esperança” em relação aos depósitos na zona euro: “A minha esperança é que – dado que queremos que a transmissão monetária seja canalizada para a economia – os bancos também reflitam estas subidas recorde da taxa de juro na remuneração dos depósitos. Porque tal deve mesmo acontecer”.

Não é muito diferente do que o governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, já defendeu no Parlamento, e que também o ministro das Finanças, Fernando Medina, já pediu - esta terça-feira, dia 28, vai a uma audição parlamentar sobre vários temas, em que os depósitos não deverão escapar. No Parlamento, a comissão de orçamento e finanças já aprovou a realização de audições para explicarem a política seguida pelos bancos (a calendarização dos trabalhos está agendada para amanhã, dia 28), e os deputados até admitiram mexidas na lei para que houvesse reflexo da subida de juros nos depósitos.

Seis meses com crédito à habitação a desacelerar

Se o efeito dos juros nos depósitos ainda é pouco visível, o mesmo não é verdade no que diz respeito aos créditos, em que os bancos refletem a evolução logo na revisão do indexante contratado no empréstimo (normalmente, taxas a três, seis e 12 meses em Portugal). É essa revisão que tem levado as prestações dos créditos à habitação a subir inclusive centenas de euros mensalmente, e tem conduzido a um abrandamento na procura por novos créditos, já que começam logo com juros elevados – seja os créditos com taxas variáveis ou fixas.

“No final de janeiro de 2023, o montante total de empréstimos para habitação era de 100,0 mil milhões de euros, menos 0,2 mil milhões de euros do que no final de dezembro. A concessão destes empréstimos continuou a desacelerar pelo sexto mês consecutivo: a taxa de variação anual passou de 4,8% em julho de 2022 para 3,1% em janeiro de 2023”, segundo o comunicado divulgado hoje.

Na zona euro, a tendência também se verifica: a taxa anual de crescimento dos créditos para a casa abrandou de 3,8%, em dezembro, para 3,6%, em janeiro, segundo os dados que o BCE também divulgou. A subida dos juros que está a conduzir a custos mais altos nos créditos e a uma deterioração do ambiente económico é justificada por Frankfurt com a necessidade de combater a inflação, e conduzi-la aos 2%, quando estava em 8,6% em janeiro.

Créditos a empresas caem

O impacto ocorre não só no crédito à habitação, mas também nos empréstimos a empresas, onde é mais evidente, também porque as decisões de investimento empresarial são mais contidas em períodos de incerteza, como o atual.

“No final de janeiro de 2023, o montante de empréstimos concedidos pelos bancos às empresas era de 74,8 mil milhões de euros, menos 0,5 mil milhões de euros do que no final de dezembro de 2022. Desde o início de 2021 que o crescimento dos empréstimos às empresas tem vindo a desacelerar. Em janeiro de 2023, a taxa de crescimento foi de -0,1%, a primeira taxa negativa desde abril de 2019”, sublinha o comunicado do Banco de Portugal.

Anteriormente, a evolução esteve influenciada pelo período da pandemia, já que houve apoios públicos concedidos por via de empréstimos com garantia estatal, mas agora há mesmo, e ao contrário do que ocorre na zona euro, uma contração nos novos empréstimos.

“A redução dos empréstimos foi mais expressiva nas grandes e médias empresas e nos setores da eletricidade, gás e água e do alojamento e restauração. Pelo contrário, aceleraram os empréstimos concedidos às empresas das atividades imobiliárias”, diz a autoridade bancária.

E mais recordes nas Euribor

A tendência de agravamento dos juros, com reflexo na evolução da carteira de depósitos e créditos, deverá continuar. Esta segunda-feira as Euribor voltaram a ser fixadas pelo painel de bancos - de que faz parte a portuguesa Caixa Geral de Depósitos - em novos máximos. Além da CGD, integram esse painel outros 18 bancos, entre os quais os espanhóis Santander e CaixaBank, com forte presença em Portugal.

De acordo com os dados divulgados pela Lusa, a Euribor a 12 meses está em 3,68%, mais 0,018 pontos face a sexta-feira (e face ao terreno negativo em que estava até abril de 2022), o que é um valor inédito desde dezembro de 2008. Também num recorde desde essa data está a taxa a seis meses, que cresceu 0,009 pontos base para 3,242%. A Euribor a três meses está em 2,716%, mais 0,018 pontos e, neste caso, um novo máximo desde janeiro de 2009.

São subidas que continuam a refletir o atual estado dos juros determinados pelo BCE, em que a principal taxa ficou em 3%, e as expetativas quanto ao futuro – em que Lagarde já anunciou e confirmou que deverá voltar a subir mais 0,50 pontos na reunião de março, que vai decorrer a 16 de março.