19.11.07

Escola pode ajudar a combater o estigma de que alunos mais carenciados têm piores notas

Bárbara Wong, in Jornal Público

Os sociólogos, mas não só, esperam que os melhores alunos sejam os oriundos de famílias com aquilo a que chamam capital social, ou seja, bem posicionadas social e economicamente. Por isso, não surpreende um estudo como o que foi feito no Rio de Janeiro, que revela que os alunos do 4.º e 8.º anos que vivem em "favelas" correm um risco maior de chumbar do que os colegas das classes mais altas, que moram paredes-meias com eles, nos bairros ricos da cidade brasileira.

Ao longo de dois dias, especialistas portugueses e estrangeiros vão debater sobre alguns dos principais factores envolvidos no sucesso ou insucesso dos processos de aprendizagem, na perspectiva da formação de capital humano e de capital social, explica Manuel Villaverde Cabral, comissário da conferência.

Outros estudos, que vão passar pela Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, revelarão o mesmo. Mas, na conferência internacional sobre Sucesso e Insucesso: Escola, Economia e Sociedade também serão ouvidos especialistas que acreditam que a escola pode ajudar a mudar o panorama.

Face aos maus resultados dos alunos da Escola Secundária com 3.º ciclo Rainha Santa Isabel, em Estremoz, a professora Teolinda Cruz acreditou que era possível melhorar os resultados dos estudantes do 3.º ciclo.

Agarrar nos melhores alunos de todas as turmas do 7.º ano e juntá-los durante seis semanas numa mesma sala foi a fórmula encontrada.

O objectivo foi criar turmas homogeneizadas, ainda que temporariamente. O projecto TurmaMais foi criado há seis anos e consiste em, de seis em seis semanas, os professores "pescarem" alunos, do mesmo ano mas de diferentes turmas, com notas semelhantes e juntá-los na TurmaMais. Aí, trabalham com os mesmos professores das suas turmas de origem, numa turma pequena, onde podem esclarecer dúvidas e colmatar dificuldades, explica José Salema, vice-presidente do conselho executivo da escola.
E os resultados estão à vista: a taxa de retenção no 3.º ciclo baixou, é inferior em 30 por cento em relação à média nacional, e menos 40 por cento comparativamente aos resultados da própria escola antes de o projecto começar, revela José Verdasca, professor da Universidade de Évora que acompanha o projecto e que estará hoje na Gulbenkian.

"É possível à escola desenhar e produzir soluções organizativas que conduzam a uma escola social e culturalmente mais justa, inclusiva e universalmente democrática", analisa José Verdasca, actual director regional de Educação do Alentejo.

Mas nem sempre a escola consegue responder ao desafio de ser "social e culturalmente mais justa", como se verifica no caso trazido pelo coordenador do Observatório das Metrópoles, no Brasil, Luiz Queiroz Ribeiro, que coordenou um estudo onde fez uma análise comparativa dos resultados dos alunos que moram em "favelas", grandes bairros ilegais, com dois tipos de vizinhos, os moradores em bairros de classe média alta e os que vivem em bairros populares.

Os dados revelam que as crianças que moram nas "favelas" correm um risco 47 por cento maior do que as outras de ficarem retidas no 8.º ano. Mas esse risco aumenta quando os alunos das "favelas" são comparados com os dos bairros de classe média alta.

O mesmo acontece com as crianças do 4.º ano (46 por cento). Os rapazes estão mais expostos ao insucesso do que as raparigas; assim como os negros e os mulatos estão mais do que os brancos.

Porque é que as diferenças são maiores quando se comparam os meninos que vivem nas "favelas" e nos bairros de classe média alta com os que vivem em bairros populares? Para o investigador brasileiro, este resultado é "inesperado". A "vizinhança com um mundo social abastado poderia gerar vantagem relativa devido aos benefícios das economias externas positivas", explica. Mas não é isso que acontece.

A "explicação possível" é que como as crianças, independentemente de serem das "favelas" ou dos bairros ricos, frequentam todas as mesmas escolas, os professores acabam por tratá-las de maneira diferente.

Os estudantes que moram "em "favelas" vizinhas das regiões mais abastadas podem ser mais facilmente reconhecidos como alunos que fogem ao modelo que as escolas e os educadores gostariam de ter no seu corpo discente e, como tal, são possivelmente tratados de forma estigmatizada", diz o autor.

40%
Redução da taxa de retenção conseguida pela escola Rainha Santa Isabel, de Estremoz, depois de aplicado programa de turmas homogeneizadas, ainda que de forma temporária