28.11.07

Mais pobres vão sofrer os piores danos do clima

Rita Carvalho, in Diário de Notícias

As alterações climáticas ameaçam provocar um retrocesso no desenvolvimento em África e nos países mais pobres. Mais 600 milhões de pessoas subnutridas, mais 1,8 mil milhões afectados pela falta de água e mais 400 milhões expostos à malária são algumas consequências do aquecimento global previstas para o final do século. Um alerta deixado ontem pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) cujo relatório anual expõe uma realidade crua e injusta: são os que menos poluem que mais vão sofrer os efeitos drásticos da poluição.

O timing deste alerta do PNUD é pertinente. A uma semana da reunião que juntará em Bali mais de 200 países para traçar um novo regime climático pós Quioto, o relatório intitulado "Combater as alterações climáticas: solidariedade humana num mundo dividido" ex- pressa a urgência deste combate e os impactos que poderão daí advir, não só ambientais mas também ao nível do desenvolvimento humano. E prevê um acentuar ainda maior das desigualdades que distanciam ricos de pobres, comprometendo assim os objectivos de desenvolvimento do milénio. Em África o drama é duplo: são os mais afectados porque vivem em zonas ambientalmente mais sensíveis e são os que menos capacidade têm para se defender.

"As alterações climáticas constituem uma ameaça à humanidade. Mas são os pobres, cidadãos sem responsabilidade pela dívida ecológica que estamos a acumular, que enfrentam os custos humanos mais graves e imediatos", afirmou ontem Kemal Dervis, administrador do PNUD.

A mensagem do PNUD para a cimeira da Convenção das Nações Unidas é clara: é preciso apostar na mitigação do problema, invertendo o crescimento exponencial das emissões de gases com efeito de estufa, nomeadamente nos países desenvolvidos. Mas é urgente investir também na adaptação, pois alguns efeitos da mudança são já inevitáveis e têm de ser atenuados.

Adaptação

Adaptar o mundo às mudanças do clima exigirá gastar, em média, cerca de 86 mil milhões de dólares todos os anos, segundo prevê o PNUD. O mesmo é dizer 0,2 % do produto interno bruto dos países do hemisfério norte. Investir 44 mil milhões no desenvolvimento de infra-estruturas que ajudem a prever e controlar épocas de cheias e secas ou a adequar as técnicas agrícolas, dispor de 40 mil milhões para pagar seguros sociais em tempos de catástrofes e investir mais dois mil milhões em informação e alerta, que é ainda muito incipiente em África.

Mas o dinheiro disponível para ajudar as populações a prepararem-se para o que já não podem evitar é ainda escasso. A própria gestão deste fundo mundial, que vive exclusivamente de doações voluntárias ainda não está definida, como explicou Pedro Conceição, do PNUD. O debate sobre esta questão correrá também em Bali.

Nos países desenvolvidos, prevenir também será sempre melhor do que remediar, considera Isabel Pereira, do PNUD. Na Europa, estima-se que, em 2020, os danos causados pela não adaptação a esta realidade custarão quatro vezes mais do que a aplicação hoje de acções preventivas.

Recomendações

O PNUD recomenda a definição de um orçamento de carbono, ou seja, um limite de emissões de dióxido de carbono que permita evitar que a temperatura suba acima dos dois graus centígrados. Esse limiar - 15 mil milhões de toneladas de CO2 por ano - implicaria atingir o máximo de poluição em 2020. A partir dessa data, as emissões teriam de diminuir, sendo que em 2050 teria de haver uma redução de 50% em comparação com 1990.

Neste esforço, que a ONU considera que tem de ser partilhado, os países desenvolvidos teriam de dar o exemplo. Estagnariam a sua poluição já em 2012 ou 2015, deixando às economias emergentes a possibilidade de se expandirem até 2020, invertendo depois a tendência de subida do CO2. O mundo teria de reduzir 50% as emissões em 2050. Mas esta será uma inversão difícil, pois hoje já se emitem o dobro das emissões que o PNUD considera aconselháveis por ano.

Nas recomendações que produziu, o relatório sugere ainda que seja atribuído um preço ao carbono, como forma de penalizar a poluição e promover o investimento em tecnologia limpa.