13.11.07

Portugal desperdiça imigrantes qualificados

Céu Neves, in Diário de Notícias

Um em cada cinco imigrantes tem um curso superior, mas apenas um em cada 26 (4%) consegue um emprego compatível com as suas qualificações. Uma situação que afecta tanto os estrangeiros que imigraram para trabalhar como os que vieram estudar e que por cá ficaram, conclui um estudo do Observatório da Imigração (OI), que será hoje apresentado. E Portugal desperdiça estes cérebros. Os trabalhadores da Europa de Leste e os estudantes dos PALOP são os grupos mais afectados.

Os autores do estudo estimam existir cerca de 30 mil oriundos da Europa de Leste com habilitações superiores e que fazem trabalhos desqualificados mas que lhes garantem um ordenado que não teriam em funções qualificadas nos países de origem.

Os naturais da Ucrânia, Moldávia, da Roménia ou da Rússia - as comunidades da Europa de Leste mais representativas em Portugal -, imigram para trabalhar e, numa primeira fase, não estão preocupados com as habilitações. Mas, se estivessem, de pouco adiantaria, salienta Pedro Góis, um dos dois sociólogos que fizeram o trabalho Estudo Prospectivo Sobre Imigrantes Qualificados em Portugal, integrado na colecção do OI e que é hoje apresentado no Centro Nacional de Apoio ao Imigrante, em Lisboa. O outro é José Carlos Marques.

Pedro Góis explica: "O mercado de trabalho não reconhece estes imigrantes como qualificados e eles têm muita dificuldade em verem reconhecidas as suas habilitações. São processos que demoram muito tempo, exigem muita documentação [que tem de ser traduzida e há casos em que as escolas foram desintegradas] e os estabelecimentos de ensino e corporações profissionais (engenheiros, economistas, médicos, enfermeiros) dificultam esse reconhecimento. E eles não têm nem tempo nem dinheiro para esperar por todo esse processo."

E existem outras dificuldades. Por exemplo, os formados em áreas que não se ajustam às necessidades portuguesas, como os engenheiros que trabalhavam nas plataformas petrolíferas. Mas há outras que estão a ser desperdiçadas. "Portugal já desperdiçou uma primeira vaga de imigrantes qualificados [os de Leste], mas há outras vagas que estão à espera desse reconhecimento [os brasileiros]", diz Pedro Góis.

Um dos exemplos paradigmáticos, e que o DN divulgou, é o de um engenheiro agrónomo que deixou a Moldávia há sete anos e foi trabalhar para a construção civil, como ladrilhador. Não conseguiu equivalências e concorreu ao ensino superior nas candidaturas para maiores de 23 anos. Está em Engenharia Civil do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa.

Um outro grupo qualificado, mas de que se fala pouco são os estudantes dos PALOP que ganham uma bolsa para estudar em Portugal. Mais de 50% não regressam ao seu país quando terminam o curso. Anualmente são perto de mil os africanos que estudam em estabelecimentos de ensino superior portugueses, o que quer dizer que 500 não regressam. Em 30 anos, representam mais de 15 mil, contas por baixo, segundo os autores do es- tudo.

"Já não estamos apenas a falar em desperdiçar quadros formados nos países de origem, mas pessoas formadas em Portugal e que, depois, nem são aproveitadas no seu países nem no de acolhimento. Acabam por trabalhar nos McDonald's ou como empregados de balcão."

E há, ainda, um terceiro grupo que exerce funções adequadas às habilitações em multinacionais, mas sobre o qual nada se sabe.