Ana Fernandes, in Jornal Público
João Gomes Cravinho, secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, fala da nova aliança UE-África para as alterações climáticas
A burocracia europeia tem prejudicado as relações com África devido à morosidade na aprovação e concretização dos projectos, admite João Gomes Cravinho, no momento em que a União pretende lançar novas políticas de cooperação com os africanos e outros Estados mais vulneráveis às alterações climáticas, como foi anunciado nos Dias Europeus de Desenvolvimento, que terminam hoje em Lisboa.
PÚBLICO - O Banco Mundial considera que o apoio aos países pobres deve voltar a recentrar-se na agricultura, como alavanca do desenvolvimento. Mas, no caso de África, a agricultura é um dos sectores que serão mais penalizados pelas alterações climáticas. Como resolver este dilema?
João Gomes Cravinho - De facto, a agricultura é o parente pobre das correntes dominantes da cooperação para o desenvolvimento há já várias décadas. Mas é fundamental que políticas de apoio à agricultura tenham em conta toda a problemática da água, da desertificação, etc. Temos de adoptar políticas que, na sua essência, tenham em conta a necessidade de promover o desenvolvimento e combater as alterações climáticas.
Quais?
Abordei esta semana a desflorestação da bacia do Congo com os dirigentes locais. Eles diziam que não vale a pena estarmos a castigar as populações que não podem cortar árvores para queimar sem ter alternativas para lhes oferecer. Um projecto que crie novas oportunidades para dar a essas populações pode ser um projecto de enorme valia ambiental, mesmo que não esteja directamente relacionado com questões ambientais. A agricultura pode ser muito importante para o continente africano, mas há muitas agriculturas e algumas muito nocivas para o ambiente. Os biocombustíveis, por exemplo, têm de ser feitos de forma consentânea com a agricultura alimentar. Tudo isto requer abordagens integradas. Temos de trabalhar em agrupamentos regionais e até continentais. Por isso a urgência deste contrato global para lidar com problemas globais, como as alterações climáticas.
O que pode mudar no relacionamento entre África e Europa com esta nova aliança?
Com esta parceria, estamos a desenvolver os instrumentos necessários para apoiar os países africanos no combate às alterações climáticas. Temos que assegurar que dentro de todos os nossos programas de cooperação esteja já uma lógica de combate às alterações climáticas. O que é fundamental é que nas parcerias - a assinar na Cimeira de Dezembro -, também haja essa componente numa forma transversal.
Durão Barroso disse que, olhando para as estatísticas da ajuda pública europeia, se verifica que grande parte é o perdão da dívida, ou seja, não é um apoio continuado nem é para o desenvolvimento sustentável. Como é que isto pode mudar?
Com dinheiro. Mas isso é verdade, embora não seja o caso de Portugal. Há um caminho assumido pela União Europeia até 2010, que é o de chegar aos 0,51 por cento [do PIB para a cooperação], e até 2015 aos 0,7. Alguns países estão a cumprir. Mas há regras estabelecidas para a contabilidade da ajuda pública ao desenvolvimento e o perdão da dívida cai dentro dessas regras. Mas já não sobra muita dívida para ser perdoada. O que vai obrigar a um maior esforço dos orçamentos de Estado.
A presença da Europa em África tem agora um grande concorrente, que é a China. Analistas dizem que os africanos preferem negociar com os chineses porque estes não lhes impõem contrapartidas nem paternalismos. Este é um problema para a UE?
Os países africanos são soberanos e independentes e, se se relacionam com a China, fazem-no de livre vontade e não compete à UE dizer com quem se devem relacionar. Mas a China estabelece contrapartidas...
Não em questões como a boa governação...
Há uma relação mais próxima da relação comercial do que aquela que a UE estabelece com África. Por outro lado, em matéria de governação, a UE tem importantes princípios que acreditamos serem essenciais para o desenvolvimento sustentável dos países africanos. Não faz sentido investir num projecto quando há fortes razões para pensar que o dinheiro não chegará aos destinatários. São princípios a manter. Mas há lições a aprender: nem tudo o que fizemos ao longo das décadas foi feito de forma inteligente. A nossa burocracia é muito lenta. Viajando pelo continente africano, ouvimos que foram feitas conversas com a UE ou instituições das Nações Unidas para financiar um determinado projecto e ao fim de vários anos estavam ainda nas mesmas conversas. Os chineses aprovam em poucos meses e fazem em outros tantos meses. Mas, ao mesmo tempo, temos com África uma relação especial que outras partes do mundo não conseguem reproduzir. E a relação com a China também tem de ser visto no que tem de positivo: durante muito tempo não houve mais ninguém interessado no continente africano. E estamos a estabelecer um diálogo interessante com a China sobre África e eles têm demonstrado que estão a ganhar sensibilidade em relação a algumas problemáticas, como foi a questão do Darfur, onde a China teve um papel importante para que o Sudão aceitasse a operação híbrida das Nações Unidas com a União Africana.
Um dos instrumentos da aliança para as alterações climáticas é o mercado de carbono. Mas, até agora, África não tem conseguido atrair projectos no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Como é que África pode ser atractiva para esses projectos?
Têm existido poucos projectos em África cuja análise custo-benefício se tenha revelado interessante do ponto de vista empresarial. Temos de alterar o enquadramento de incentivos para tornar África mais interessante. Na OCDE, por exemplo, vai-se começar a discutir a inclusão de projectos de MDL na contabilidade da ajuda ao desenvolvimento.