8.11.07

Flexibilidade salarial, menor dependência energética e política monetária limitam impacto na economia

Sérgio Aníbal, in Jornal Público

Os choques petrolíferos, nos anos 70, colocaram o mundo em recessão. Agora, a economia cresce a bom ritmo. O que explica esta diferente reacção?


O petróleo pode estar a chegar próximo da barreira dos 100 dólares por barril, mas o que é certo é que o impacto na economia é agora bastante mais reduzido do que durante os choques petrolíferos dos anos 70. Em 2007, a economia mundial deverá crescer a uma taxa superior a cinco por cento, com um bom desempenho da Europa, uma forte expansão na Ásia e um abrandamento apenas moderado nos EUA. Nos anos 70, tudo foi diferente: a economia mundial entrou numa fase de estagflação (crescimento fraco com inflação elevada), que colocou em sérias dificuldades as maiores potências.
O que explica esta diferença no impacto económico sentido pelo globo há três décadas atrás e agora? Os economistas encontram algumas explicações: menor dependência energética, política monetária mais rigorosa e mercados laborais mais flexíveis. E além disso assinalam que o impacto na economia varia de acordo com os factores que estão por trás da subida de preços.

Mas, antes de mais, é preciso ter em conta que, apesar de o preço nominal do barril de petróleo estar actualmente ao seu nível máximo histórico, quando se leva em conta a evolução da inflação para a totalidade dos produtos, os preços agora registados não são, em termos relativos, um recorde. De acordo com a Cambridge Energy Research Associates, em Abril de 1980, o preço do barril de petróleo, ajustado da evolução da inflação, atingiu os 99,04 dólares, um valor que actualmente ainda não foi alcançado. Outra entidade, a International Energy Agency, calcula que nesse mês o valor do petróleo, aos preços de hoje, atingiu os 101,7 dólares por barril.

Ainda assim, todos reconhecem que os preços actuais são bastante elevados e foram o suficiente para, em situações passadas, colocar a economia em clima de recessão. Os choques petrolíferos dos anos 70 fizeram disparar os preços em toda a economia, retiraram poder de compra às famílias e reduziram o ritmo de actividade económica.
Dois economistas - Olivier Blanchard e Jordi Galí -, num trabalho publicado no passado mês de Agosto, apresentam quatro motivos para que o mesmo cenário não esteja a ocorrer agora. O primeiro é a menor dependência que as economias actuais revelam em relação ao petróleo. O peso do petróleo no PIB mundial é agora substancialmente mais baixo do que era nos anos 70. E quanto menos um país for dependente do petróleo e quanto mais eficiente for na utilização da energia, mais imune fica à ocorrência de um choque de preços no mercado petrolífero internacional. Portugal, neste aspecto, é um dos países europeus em pior situação.

O segundo motivo encontrado tem a ver com a actuação dos bancos centrais. A partir dos anos 90, as entidades responsáveis pela condução da política monetária assumiram um compromisso muito mais forte de controlo da inflação. Por exemplo, o BCE, criado em 1999, adoptou, influenciado pelo Bundesbank, uma estratégia que tem como principal objectivo a manutenção de uma taxa de inflação inferior a dois por cento. Deste modo, os bancos centrais têm conseguido contribuir, defendem os autores do estudo, para uma maior estabilidade dos preços e do próprio crescimento do PIB, mesmo em situações de subida do preço do petróleo.

A terceira razão identificada por estes economistas é a maior flexibilidade nos mercados laborais e nos salários. Blanchard e Galí dizem que, quanto mais lenta for a adaptação dos salários reais a um choque na oferta, maior será a subida da inflação e o decréscimo do PIB. Todos os indicadores mostram que, em comparação com os anos 70, as economias estão neste capítulo mais flexíveis.

A última explicação é, pura e simplesmente, a sorte. Nos anos 70, a par da subida dos preços do petróleo, a economia sofreu outros choques que também contribuíram para a situação de estagflação em que se caiu. Actualmente, isso não está a acontecer e há até factores positivos, como a força das economias emergentes que ajuda a economia mundial a manter um ritmo forte, ou, especificamente para os países da zona euro, a apreciação do euro que consegue minimizar o acréscimo de custos suportados pelos agentes económicos.

-0,5%
Variação do PIB na UE no ano seguinte ao primeiro grande choque petrolífero dos anos 70.

2,5%
Taxa de crescimento prevista para a UE em 2007, apesar da subida dos preços de petróleo que se tem registado nos últimos anos.

12,9%
Taxa de inflação na UE em 1975, com uma influência muito forte da subida dos preços do petróleo nos mercados internacionais.

2%
Apesar de o barril de petróleo já estar próximo dos 100 dólares, a estimativa de inflação para este ano na UE está situada próxima dos dois por cento.

99,04
Preço do barril de petróleo, ajustado da inflação, em Abril de 1980, no ponto alto do choque petrolífero iniciado no final dos anos 70. Este valor mostra que, a actual subida de preços, embora atinja máximos históricos em termos nominais, ainda é comparável com situações do passado quando descontada a inflação.