Domingos de Andrade, Em Santiago do Chile, in Jornal de Notícias
Cavaco Silva considera que visita de dois dias ao Chile foi um sucesso
"Dizem que o céu tem respostas para tudo. Dizem". Quem atravessa os povoados de bairros de lata vindo do aeroporto até chegar a Santiago do Chile pode imaginar que perguntas têm os chilenos para fazer aos 22 chefes de Estado e de Governo, que desde ontem estão reunidos na XVII Cimeira Ibero-Americana.
O gigantesco anúncio publicitário não diz ao que vai. Mas percebem-se, ao longo dos quilómetros percorridos para chegar ao centro da cidade, os contrastes das vidas do Chile. Aos reclamos luminosos, sucedem-se as comunas de pobreza, com nomes a lembrar o antigamente e crianças que brincam em coloridos parques infantis, sem esperar mais do que a brincadeira. La Renca, La Independencia e Podahuel são bairros habitados por milhares de chilenos sem eira nem beira, encafuados nas faldas das montanhas, que compõem a miséria de anos e anos de políticas erradas. No Chile, como nos restantes países da América Latina, as desigualdades sociais são mais do que um número 200 milhões de pobres.
Da cimeira que ontem começou esperam-se respostas. E não basta olhar para o céu. Se não houver soluções, a Cimeira dos Povos, que decorre em paralelo (ver caixa), levantará ainda mais perguntas.
O Chile da presidente Michelle Bachelet tem apostado em reformas simultâneas, num mercado aberto e num Estado que ajude a atenuar as bolsas de indigência. O crescimento económico é invejável no contexto continental e o combate à pobreza, com a reforma da Segurança Social, tem tirado milhares da indigência. Mas não basta.
É, no entanto, por perceber essa realidade que a presidente Michelle Bachelet escolheu o tema da inclusão social para a cimeira. Os números, insiste-se, podem parecer nada, mas dão uma ténue ideia das dificuldades que os povos da América do Sul atravessam, muito para lá do folclore mediático que o presidente venezuelano proporciona, apesar de ser praticamente certa a sua ausência (ver mais noticiário na página 6), ou do ar deslocado que o bolivariano Evo Morales aparenta.
Segundo os números da Comissão Económica das Nações Unidas para a América Latina e Caraíbas, a taxa de pobreza baixou 25% nos últimos três anos, mas ainda assim está ao nível de 1980. A redução da pobreza e da indigência deve-se, em parte, à recuperação do crescimento económico da região. A Venezuela e a Argentina são, a este nível, exemplos a seguir. Mas também o Chile, a Colômbia, o México e o Equador. No outro extremo está a República Dominicana e o Uruguai.
Para a cimeira que ontem começou, e a que se juntará o primeiro-ministro português, Cavaco Silva foi lançando, em dois dias de visita oficial ao país, as bases do que considera ser fundamental para que os líderes ibero-americanos ultrapassem os discursos de circunstância. "O tema da cimeira surge no momento certo, num tempo de globalização em que as classes desprotegidas não podem ser esquecidas", insiste. Esperam-se, por isso, impulsos de reformas regionais no âmbito da Segurança Social. "O Chile", diz a presidente chilena Michelle Bachelet, "está fortemente comprometido no combate à pobreza".
Da Declaração de Santiago sairão ainda protocolos de cooperação na América Latina para interajuda em caso de desastres naturais. A iniciativa reflecte também uma forma de apoio moral ao México e à República Dominicana, países que atravessam uma crise humanitária por causa dos temporais e cujos presidentes já desmarcaram a presença na cimeira.
A Cimeira dos Povos
A capital chilena é, durante os próximos dias, a "capital da América". Paralelamente à cimeira dos chefes de Estado, juntando delegações dos vários países latino-americanos para discutir questões como a situação dos povos indígenas, ambiente, cultura, discriminação sexual, luta contra a pobreza, desigualdade e fome. Este encontro paralelo encerrará amanhã, com a aprovação de um documento de conclusões e propostas a entregar aos chefes de Estado e de governo participantes na Cimeira Ibero-Americana. Mas a sua realização não está a ser pacífica. Os organizadores esperam que, na sessão de encerramento, se juntem cerca de 20 mil pessoas no Velódromo de Santiago. As presenças dos presidentes da Venezuela, Hugo Chávez, da Bolívia, Evo Morales e do Equador, Rafael Correa, foram confirmadas, mas sabe-se que, pelo menos, Chávez não estará presente (ver mais noticiário na página 6). Mas estas presenças não irritaram, aparentemente, a presidente anfitriã, Michelle Bachelet "O Chile tem uma posição muito clara aqui. Estamos numa democracia e respeitamos a possibilidade de organizações sociais, sindicais ou políticas se encontrarem, discutirem, conversarem".