in O Primeiro de Janeiro
Câmara de Santo Tirso aloja famílias ciganas em bairros construídos para o efeito
Uma integração nada fácil
As garagens transformadas em quartos de habitação mostram a capacidade de adaptação da comunidade cigana de Santo Tirso às casas que substituíram as barracas onde viveram quase 40 anos, mas não são suficientes para satisfazer todas as necessidades.
“Tenho os meus filhos todos dentro de casa e a minha filha está a viver [com o marido e o filho] na garagem porque não temos mais espaço”, lamentou Alfredo Soares, um dos líderes da comunidade cigana instalada pela autarquia em Argemil, a poucos quilómetros do centro urbano de Santo Tirso. O complexo habitacional, composto por 33 moradias unifamiliares com dois pisos, cada uma com dois quartos, sala e garagem, tem os edifícios pintados em cores diferentes (azul, vermelho e amarelo) para distinguir os três núcleos que integram a comunidade cigana ali instalada.
Em finais de Agosto de 2000, a autarquia realojou em Argemil 33 famílias ciganas que moravam em barracas num terreno no centro da cidade, criando algumas expectativas que parecem ter desaparecido quase oito anos mais tarde. A falta de espaço nas casas, que se agrava em cada ano devido ao aumento constante das famílias ciganas, é apenas um dos problemas, a que se junta o facto de não agradar a criação de um bairro só para famílias ciganas. “Onde há muitos ciganos juntos, há desordens”, alertou Alfredo Soares, apoiado por Susana Soares, também moradora naquele local, que não gosta de ter “tantos ciganos juntos, porque há muita confusão”.
“Parece que [a autarquia] tem medo de nós, colocaram-nos aqui todos, muito escondidos”, acrescentou Susana, referindo-se ao facto de o complexo habitacional ter sido construído numa zona isolada, fora do centro urbano.
A assistente social Paula Rocha revelou que “quando se faz a programação de realojamentos, a primeira pergunta que as pessoas fazem é se o bairro vai ter ciganos”.
Os problemas da comunidade cigana de Argemil, realojada há quase oito anos, são praticamente os mesmos daquela que a Câmara de Santo Tirso realojou na freguesia de Sequeirô apenas há cinco meses. “Aqui há muitos vizinhos, não consigo dormir, descanso pouco. Se soubesse que ia ser assim, não tinha vindo para aqui”, afirmou Francisco, o elemento mais velho desta comunidade cigana, que viveu os últimos 39 anos numa barraca “com tijoleira e contador de luz”.
Integração nada fácil
O complexo habitacional que a Câmara de Santo Tirso construiu para a comunidade cigana em Sequeirô tem apenas 16 habitações, distribuídas por dois prédios pintados de branco, mas já com portas destruídas e vidros partidos. A música alta em vários apartamentos ecoa pelo pinheiral que rodeia o empreendimento, situado no final de uma rua sem saída, provando que não é só à noite que o descanso se torna difícil.
Ao contrário dos ciganos de Argemil, a comunidade instalada em Sequeirô necessita de apoio exterior para se integrar na sociedade. “Há aqui pessoas que precisam de ajuda na gestão das despesas correntes, no pagamento das facturas mensais e até nas compras”, revelou Carla Rodrigues, educadora social. “Estamos a fazer tudo o que é possível para minimizar o problema da adaptação às novas condições de vida”, frisou Paula Brandão, admitindo que o processo “vai demorar anos e nunca se poderá dizer que é um sucesso porque se trata de um desafio permanente”.
Quando as famílias ciganas mudaram para as novas casas, a principal preocupação de Carla Rodrigues era fazer com que todas as crianças fossem à escola, uma tarefa difícil numa comunidade onde a regra é o absentismo escolar. “Chegava aqui às oito da manhã, muitas vezes tinha que levantar as crianças da cama e levava-os até à carrinha que faz o transporte para a escola”, recordou a educadora social, notoriamente orgulhosa por ter actualmente “21 crianças no ensino primário e três no segundo ciclo”.
Ultrapassada esta preocupação prioritária, Carla Rodrigues volta-se agora também para o apoio aos adultos na sua integração social. “Trabalho com os casais, ajudo-os a organizar as contas mensais e, em alguns casos, até vou com eles às compras porque há pessoas que não conseguem identificar os produtos mais baratos num supermercado”, afirmou, numa demonstração do isolamento em que vivia a comunidade antes de ser realojada pela Câmara de Santo Tirso.
Igreja preocupada
A Igreja Católica vai sensibilizar as paróquias para a integração social da comunidade cigana com acções concretas, sem que se percam as suas tradições, anunciou o presidente da Comissão Episcopal da Mobilidade Humana. “Até agora, a Igreja tem trabalhado com os ciganos mais a nível diocesano e no apoio social” mas agora a prioridade é “ajudar os ciganos a nível pastoral”, afirmou D. António Vitalino, que é também bispo de Beja.
Nesse sentido, a Igreja nomeou o franciscano Francisco Sales Dinis, que já era o responsável pela Obra Católica Portuguesa das Migrações (OCPM) para director da Obra Nacional da Pastoral dos Ciganos. “A nível social temos conseguido dar muito apoio” mas “falta dar um enquadramento pastoral” às comunidades católicas e ciganas para que possam existir “parcerias e integração”.
O bispo recusa qualquer estratégia de conversão mas defende que as comunidades católicas têm a “responsabilidade particular” de apoiar a sua integração. Nesse sentido, a Pastoral dos Ciganos tem investido na formação de leigos, de etnia cigana e não só, que funcionem omo “intermediários para que haja uma integração e uma aceitação”.
De acordo com a Obra Nacional da Pastoral dos Ciganos, existem cerca de 40 mil elementos daquela etnia e em cada diocese onde esta comunidade tem relevo existem sacerdotes e voluntários que procuram apoiar a educação dos seus elementos.
Para o director executivo da Obra Nacional, Francisco Monteiro, o apoio à comunidade deve se verificar também quer ao nível da “afirmação da sua cidadania”.
A Pastoral dos Ciganos conta com estruturas activas em dez dioceses do país, onde colaboram sacerdotes e leigos. “Andamos pelos tribunais ou pelas Câmaras a tentar resolver-lhes alguns problemas”, explicou.