8.4.08

“Pobreza oculta afecta pessoas com qualificações”

in Jornal do Barreiro

Existem centenas de crianças altamente carenciadas no concelho


“Pobreza Oculta” foi o assunto que a Frater propôs debater, no dia 29, para o qual a associação convidou uma série de representantes de diversas entidades. Falar sobre um tema que muitos melindra e envergonha, na busca de uma solução partilhada e solidária foi o objectivo deste encontro, que levantou um pouco do véu sobre a situação em que vivem centenas de barreirenses.

Como o próprio nome indica, pobreza oculta, é uma pequena parte de um problema maior que a muitos envergonha, e do qual muitos outros se tentam esquecer, mas que nem por isso consegue erradicar a situação de pobreza e exclusão social em que vivem milhares de portugueses. Os dados ao nível local foram enfatizados pela vereadora dos Assuntos Sociais, Regina Janeiro que colocou o enfoque sobretudo nas crianças. Segundo informou “os dados do concelho são preocupantes no que concerne às crianças carenciadas que frequentam o 1º ciclo do Ensino Básico. Num total de 1342, 976, ou seja 30 por cento, são crianças carenciadas de nível A, o que significa que o rendimento máximo per capita nas suas casas é de 172, 60 euros. De nível B, o Barreiro tem actualmente 100 crianças, o que significa que o rendimento dos seus encarregados de educação ronda os 214 euros/mês”. Feitas as contas e de acordo com a vereadora, “33 por cento das crianças que frequentam a escola pública do concelho são altamente carenciadas”.

A elevada taxa de desemprego do concelho que se situa nos oito por cento, revela por sua vez, que as 4773 pessoas que se encontram nesta situação têm menos de 55 anos. Não obstante, cerca de 80 por cento dos desempregados do Barreiro estão no auge da sua capacidade activa, segundo lamentou a autarca.

No que concerne ao apoio prestado a famílias carenciadas, o mesmo tem de dar resposta a 1600 pessoas, segundo os números descritos por Regina Janeiro.

Os bairros críticos do concelho como a Quinta da Mina, o Alves Redol, a Quinta da Amoreira e o Bairro das Palmeiras, entre outros, não foram esquecidos, nos quais se vivem autênticos dramas familiares com pessoas a habitarem em casas degradadas e em barracas sem o mínimo de condições de habitabilidade.

A excepção à regra no que toca há origem dos problemas de pobreza parece aplicar-se no concelho, segundo explicou Regina Janeiro, uma vez que no Barreiro a pobreza não está associada à falta de qualificações, pelo contrário. “A nossa taxa de analfabetismo é muito superior à nacional. 94,4 por cento contra a média nacional, 86 por centro. Ou seja, temos uma diferença de oito por cento em termos de taxa de alfabetização pela positiva”.

Na sua opinião, “a pobreza e a exclusão social são uma crise na realidade nacional. Há mais de 201 por cento de crianças expostas ao risco de pobreza no nosso país. Existe um elevado risco de pobreza entre os trabalhadores e não podemos esquecer que a taxa de pobreza em Portugal é superior à média Europeia. Por isso são necessárias políticas sociais efectivas e activas com medidas concretas, como uma melhoria do modelo de desenvolvimento que reduza a exclusão. É necessário reduzir efectivamente a pobreza, e isto depende da capacidade de gerar um sustentado processo de desenvolvimento económico com a criação de emprego em quantidade e em qualidade. É necessário que se elevem os níveis salariais mínimos dos trabalhadores, dos reformados e dos pensionistas. São estes os factores decisivos no combate à pobreza”, assegurou.

Fátima Lopes, directora do Centro Distrital de Segurança Social de Setúbal destacou algumas das medidas do Governo implementadas ao longo dos anos, como o abono de família, que em 2007 chegou a 28 mil crianças, e algumas mais recentes, como a criação do completo social para idosos, e o apoio pré natal que pretende reforçar o apoio público às famílias, assim como um aumento efectivo da taxa de natalidade, na opinião do Governo. A estas medidas acrescem ainda outras prioridades sobretudo no aumento da cobertura de creches em todo o país, estando no momento a decorre a terceira fase da candidatura ao programas PARES, para a construção destes equipamentos para a infância.

Segundo explicou, “o Governo desenvolveu políticas de protecção social e de combate à pobreza e à exclusão que têm por base uma visão estratégica de solidariedade e de diferenciação positiva das medidas e prestações face às diversas situações de risco de pobreza, numa aposta eficaz e sustentada das respostas sociais através de uma rede de equipamentos e de serviços que permite cobrir de forma efectiva e equilibrada o território nacional”.

Caritas coloca o dedo na ferida

Segundo a representante da Caritas Diocesana de Setúbal que partilhou a sua experiência com os demais, “são cada vez mais os novos pobres em Portugal. Em 2004 a percentagem de pobres era de 38 por cento, em 2005 subiu para 42. Consideramos pessoas que sobrevivem com cerca de 380 euros por mês. Em Fevereiro foi conhecido o estudo da União Europeia no qual se concluiu que 20 por cento dos portugueses vivem abaixo do limiar da pobreza. São cada vez mais os pobres entre os idosos que vivem sozinhos e as famílias com três ou mais filhos. Já no outro extremo os portugueses mais ricos são geralmente casais sem crianças ou famílias com apenas um filho. O fosso entre ricos e pobres continua a ser o maior da União Europeia. Os dois milhões de pessoas mais ricas do país têm rendimentos quase sete vezes superior aos dois milhões de pessoas mais pobres”. Ainda assim, acrescentou, “de acordo com os cálculos do INE a situação podia ser ainda mais negra porque se não fossem as pensões de reforma e os subsídios do Estado, mais de quatro milhões de portugueses estariam em risco de pobreza. Do mesmo modo, 1/3 da população activa entre os 16 e os 64 anos seria pobre se dependesse apenas do trabalho”.

Na opinião da técnica, as várias medidas de luta contra a pobreza fazem uma abordagem parcial sobre este problema. “Atrevo-me a dizer que muitas vezes ficam de fora os idosos, as crianças e as pessoas portadoras de deficiência, os jovens e os adultos carenciados”. A técnica foi mais longe e considerou que entre as diversas causas que originam as situações de pobreza são factores como, “os maus-tratos familiares, a incapacidade para trabalhar, o desemprego e a quase total ausência de rendimentos.

Na opinião da Caritas a afirmação de que “sem crescimento económico e sem dinheiro não pode ser melhorada a repartição do rendimento, porque não se pode distribuir aquilo que não existe ”, distorce a realidade e têm levado à demissão e à não existência de politicas e de responsabilidades sociais. Considero estas afirmações, pessoalmente, uma falácia porque por detrás delas está a inoperância por falta de engenho e arte por não se acreditar ou não se reconhecer o potencial humano e organizacional que possuímos. É no fundo dizer que os problemas sociais dos pobres podem esperar. Existe sempre qualquer coisa a distribuir, mesmo partindo do absurdo de nada existir, ficaria sempre a acção solidária, a vontade e o esforço organizado para se enfrentarem os problemas sociais. Por este motivo a técnica enumerou algumas medidas que considerou serem reais e universais adaptadas à realidade financeira do país. “É necessário e urgente conhecer para intervir, e esse conhecimento implica proximidade; é urgente dinamizar um verdadeiro trabalho em rede em parceria; há que desenvolver uma autêntica articulação do trabalho social com todas as diferentes áreas do saber para uma intervenção integrada. É imperioso ter a ousadia de criar novas respostas sociais”.

Para a Caritas urge a garantia da satisfação das necessidades básicas de alimentação e higiene; a facilitação do desenvolvimento de pequenas empresas e cooperativas sem a perversão de apoios financeiros a fundo perdido; a promoção e desenvolvimento do voluntariado de proximidade para conhecimento da realidade; a cooperação na procura de respostas e a animação para o desenvolvimento local.

Francisco Gouveia, director dos Centros de Saúde do Barreiro destacou a pobreza como um real problema, no âmbito da saúde, que está muito ligada ao envelhecimento e ao processo de emigração. “É de difícil diagnóstico, temos de estar atentos. O conceito de rede é fundamental nesta matéria no que toca à prestação dos cuidados de saúde primários. O nosso papel é fundamental na prevenção e redução dos riscos. Todos os serviços administrativos, médicos e enfermeiros devem estar atentos”. O Despacho de 2001 que foca a intervenção na questão de Portugal ser um país que recebe muitos imigrantes que estão ilegais foi lembrado pelo director que garantiu que todas as pessoas têm acesso ao serviço nacional de saúde em todas as fases da sua vida, desde o nascimento até à morte.

Frater

Este debate foi promovido no âmbito do quarto aniversário da Clínica Frater, IPSS de âmbito nacional, embora a sede esteja sedeada no Barreiro, desde 29 de Março de 2004, e desde 2006 no Pinhal Novo, no concelho de Palmela. Entre várias actividades, a Frater já fez mais de um milhar de consultas médicas, centenas de acções de rastreio e dezenas de sessões de informação e esclarecimento à população em geral. Recorde-se que o município cedeu à Frater um terreno para a construção de dois equipamentos: uma unidade de medicina nuclear e uma unidade de apoio a doentes com alzheimer.