28.3.10

O euro e a política da estagnação: uma tragédia que não é só grega

Por Costas Lapavitsas*, Nuno Teles**, Eugénia Pires**, in Jornal Público

O Governo anunciou, na semana passada, o Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) para os próximos quatro anos. Este pacote de medidas de austeridade é apresentado como o necessário ajustamento para cumprir os limites, arbitrariamente definidos pela UE, para as finanças públicas. Estas medidas não fornecem qualquer perspectiva de crescimento sustentável num contexto de crescente desemprego e de uma economia global estagnada. Partindo de um equivocado princípio - as privatizações conduzem a espontâneos aumentos da produtividade -, o Governo esquece que os actuais problemas da economia global impedem qualquer crescimento impulsionado pelas exportações. Assim, o cenário mais provável é o da continuação da recessão, com correspondente aumento do desemprego. Portugal, um dos países mais pobres e desiguais da UE, verá agravada a sua situação.

Com as anunciadas políticas, a elite portuguesa parece protegida dos efeitos da crise, pois retém e alarga a propriedade de sectores lucrativos, protegidos de qualquer concorrência de mercado. O peso da crise recairá novamente sobre os ombros dos trabalhadores. Esta ofensiva é quase consensual entre os economistas convencionais. Os salários dos portugueses teriam crescido demasiado quando comparados com os de outros países europeus. Os custos laborais na zona euro têm, de facto, seguido percursos divergentes, conduzindo a uma progressiva perda de competitividade externa das economias periféricas. Esta divergência traduziu-se em crescentes excedentes externos de economias como a alemã, com correspondentes défices dos países do Sul da Europa. No entanto, como é sustentado no recente estudo desenvolvido pelo Research on Money and Finance (www.researchonmoneyandfinance.org), estes desequilíbrios não provêm de uma qualquer superior eficiência da economia alemã face a aumentos salariais excessivos das economias periféricas. A introdução do euro impôs uma política monetária única, além de fortes restrições à política orçamental de cada país. Assim, o ajustamento económico fez-se através do mercado de trabalho. Impelidos pelas próprias instituições europeias, todos os países impuseram pressão sobre os salários e condições de trabalho mediante sucessivas reformas da legislação laboral. O resultado foi a perda generalizada de peso dos rendimentos do trabalho face aos do capital. O problema está no facto de a Alemanha ser campeã nesta corrida para o fundo, com custos laborais congelados nos últimos 15 anos. Porém, a política laboral alemã produziu resultados medíocres para a sua própria economia, com crescimento anémico, elevados níveis de desemprego e ganhos de produtividade quase inexistentes.

A actual crise também se deve ao sistema financeiro europeu. Com a crise de 2007-9, o Banco Central Europeu (BCE) interveio prontamente, resgatando os bancos. Volumes extraordinários de liquidez foram-lhes fornecidos, permitindo a sua recuperação. Porém, quando, em 2009, os Estados precisaram de se financiar, o BCE comportou-se de um modo diferente. Contrariamente aos bancos, os Estados-membros da zona euro enfrentaram sozinhos os mercados de capitais. Perante a complacência do BCE, o sector financeiro foi resgatado para, na primeira oportunidade, atacar quem o salvou, especulando com a dívida pública dos países periféricos. Convém, por sua vez, assinalar a crescente exposição dos bancos europeus dos países do Centro às economias do Sul, cujos défices têm sido por eles financiados. A "falência" generalizada dos países periféricos repercutir-se-ia numa segunda vaga de problemas financeiros para os bancos do Centro.

Até agora, a abordagem à crise apenas revelou a desorientação política que reina na zona do euro. Neste contexto, o nosso estudo analisa as duas saídas alternativas para a periferia. A primeira requereria a reforma profunda das instituições europeias, promovendo maior liberdade orçamental para os estados, um aumento substancial do orçamento europeu, transferências dos países ricos para os mais pobres e medidas de protecção laboral ao nível europeu. Os restritivos estatutos do BCE seriam igualmente revistos, permitindo, por exemplo, a aquisição de dívida pública. Esta estratégia apresenta dois problemas. Primeiro, assenta-se na improvável criação de uma aliança política entre os países da zona euro. Segundo, esta opção enfraqueceria o estatuto internacional do euro enquanto reserva de valor, constituindo uma ameaça à viabilidade da união monetária.

A segunda alternativa para os países periféricos é o abandono da zona euro, que resultaria na desvalorização das moedas nacionais, reestruturação da dívida denominada em moeda estrangeira e imposição de controlos de capitais. Para proteger a economia, a banca teria de ser nacionalizada e o controlo público alargado aos sectores estratégicos. Neste contexto, uma política industrial, promotora do aumento da produtividade, seria crucial. Contudo, para evitar a armadilha da autarcia, exigir-se-ia uma difícil manutenção do acesso ao comércio internacional, tecnologia e investimento. As alternativas encontram-se ao nosso dispor, mas todas requerem uma alteração radical nos poderes sociais e políticos.

*Professor de Economia da SOAS (School of Oriental and African Studies) e investigador do Research on Money and Finance (RMF). ** Doutorandos de Economia da SOAS, investigadores do RMF.