1.2.23

“Indicadores a seguir com atenção”: portugueses estão com maiores dificuldades em manter a casa aquecida ou fazer refeições de carne e peixe

Raquel Albuquerque, in Expresso

O INE mostra que aumentou a percentagem da população com dificuldade em aquecer a casa e em comer carne ou peixe de dois em dois dias. Também se nota um agravamento das condições das casas e a habitação é uma das áreas que mais vão contribuir para um aumento da pobreza das famílias nos próximos tempos, alerta o economista Carlos Farinha Rodrigues

Ainda são poucos os dados estatísticos sobre as condições de vida dos portugueses em 2022, um ano muito marcado pela inflação, mas o Instituto Nacional de Estatística (INE) aponta para um aumento da percentagem da população que não consegue manter a casa aquecida adequadamente nem garantir uma refeição de carne ou peixe de dois em dois dias por não ter dinheiro suficiente. E embora estes indicadores ainda só reflitam a situação das famílias no primeiro semestre do ano, já dão sinais de algum agravamento das suas condições de vida.

“Já foram parcialmente apanhados nestes indicadores alguns efeitos da inflação e do preço da energia. Claramente, são indicadores para seguir com muita atenção porque podem dar informação muito relevante sobre as condições de vida atuais dos portugueses”, afirma o economista Carlos Farinha Rodrigues, especialista em matéria de pobreza e desigualdades.

Os dados do INE, divulgados na passada sexta-feira, mostram que um cada seis portugueses tem dificuldade em manter a casa aquecida (17,5%), tendo a percentagem subido face aos 16,4% de 2021. Já a incapacidade para ter uma refeição de carne, peixe ou equivalente vegetariano pelo menos de dois em dois dias abrange agora 3% da população (2,4% em 2021).

No ano passado, também aumentou a proporção da população pobre que vivia sem casa de banho (duche, banheira e retrete), passando de 0,7% para 1,3%. Essa evolução reflete uma “inversão de sentido” da tendência de melhoria dessas condições, segundo o INE, e chama a atenção para o problema da habitação em Portugal.

“Indiscutivelmente, nos próximos tempos, as questões da habitação vão ter cada vez mais um papel negativo na determinação da situação de pobreza das famílias”, frisa Farinha Rodrigues, professor no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG). “Continuamos a ter problemas de falta de rendimentos, mas as condições de vida das famílias também são determinadas pelo acesso a bens e serviços de primeira necessidade, como a habitação.”

Apesar de as dificuldades terem aumentado nestas áreas, há outros aspetos onde não se verificaram agravamentos na incapacidade financeira das famílias, levando a que, globalmente, o indicador da privação material não tenha aumentado entre 2021 e 2022, com base na informação recolhida pelo INE junto dos portugueses entre abril e julho de 2022.
POBREZA RECUOU EM 2021

Os dados que foram divulgados na semana passada sobre a pobreza referem-se ainda ao ano de 2021, refletindo uma “melhoria generalizada” dos indicadores. Foi possível recuperar a trajetória positiva que se registava antes da pandemia, uma vez que a população em risco de pobreza recuou de 18,4% em 2020 para 16,4% em 2021. Apesar de ficar ainda ligeiramente acima do que se registava em 2019 (16,2%), há sinais de que se retomou a situação anterior.

“Faço uma avaliação extremamente positiva que confirma a excecionalidade do ano de 2020. Temos praticamente todos os indicadores de pobreza e exclusão social a diminuírem, aproximando-se muito de 2019, que foi o ano com os valores mais baixos de sempre nos indicadores de pobreza. E isso é extremamente positivo”, sublinha o especialista.