8.3.23

Faltam apoios para alunos estrangeiros a estudar em Portugal

Cynthia Valente, in DN

No ano letivo de 2020/2021 encontravam-se matriculados na disciplina de Português Língua não Materna (PLNM) 5492 alunos, o número de matriculados mais elevado de sempre. Em 2008, eram apenas 31.

Vêm, literalmente, dos quatro cantos do mundo, muitos sem conhecer uma única palavra em português. Segundo o Observatório das Migrações (OM), há alunos de 127 nacionalidades diferentes a estudar no nosso país, a maioria no Ensino Básico (82,3%). Entre o início desta década (2010/2011) e o ano letivo de 2020/2021, o número de estudantes na disciplina de Português Língua Não Materna (PLNM) mais do que quintuplicou (passando de 1014 para 5492).

Em 2020, Portugal atingiu o valor inédito de 662 095 estrangeiros residentes no país (6,4% do total de residentes), que consolidou, em 2021, com perto de setecentos mil estrangeiros residentes (698 887), 6,8% do total da população. Mas, segundo relatam dezenas de professores ao DN, faltam condições nas escolas para receber crianças e jovens estrangeiros. Diretores e docentes, principalmente professores de PLNM, afirmam haver falta de recursos.

"É essencial dotar as escolas de mais professores de PLNM e, ao mesmo tempo, disponibilizar mais e melhor formação. Percebendo-se que o nosso país é bastante procurado por famílias estrangeiras, o Ministério da Educação deverá apostar nesta área, apoiando as suas escolas que, uma vez mais, efetuam um trabalho de excelência", alerta Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP).

Luís Sottomaior Braga, professor de História e especializado em gestão e administração escolar, explica o fator "sorte" que os alunos enfrentam. "Exige-se o mínimo de 10 alunos estrangeiros para formar turma e, assim, substituir a disciplina de Português regular pela de PLNM. Os alunos que têm a infelicidade de ir parar a uma escola onde não há outros 9, ficam na turma regular e o que eles deviam ter era ensino de português em exclusivo. Trata-se de um sistema misto. O Português aprende-se mal em imersão porque está cheio de truques e expressões idiomáticas. Mas mudar isto tem um custo", lamenta. Para Luís Sottomaior Braga, o acolhimento dos alunos estrangeiros "não está a correr bem". "Vejo o sofrimento de alguns alunos de PLNM e custa-me. Custa ainda mais sabendo que o problema é a falta de recursos. Há milhares de miúdos a sofrer uma experiência dura. Estão na escola sem perceber uma palavra de português. Queremos ser um país de referência para acolher cidadãos estrangeiros, mas não estamos a trabalhar nesse sentido. Isto é uma questão de humanidade", sublinha.

Para o especialista, os alunos deveriam ter aprendizagem intensiva de Português antes de frequentarem todas as disciplinas do currículo regular. "Há gente que se diz preocupada com a igualdade e onde está a igualdade para os alunos que não têm o mínimo de 10 na sua escola para formar turma de PLNM?", questiona o docente.

"O acolhimento deve ser repensado"

Ana Frade, professora de PLNM numa escola pública da zona Norte, também afirma que "o acolhimento deve ser repensado". "Quando comecei a lecionar PLNM, não eram necessários 10 alunos para fazer turma. Cheguei a ter apenas um. Funcionava muito melhor assim. Deviam repensar tudo. O que eu noto nos miúdos é que eles não se conseguem integrar por causa da língua. Estarem na turma não é necessariamente positivo porque não conseguem conversar com os colegas", explica.

Para a docente, o que faria mais sentido e causaria menos sofrimento às crianças seria ter "um curso intensivo de português à chegada, pelo menos no 1º período, e frequentar apenas as disciplinas práticas com a turma, como Educação Física, ou Educação Visual". A docente explica que, mesmo quando há o número mínimo para formar turma de PLNM, a carga horária é de quatro tempos semanais. Um tempo "insuficiente para crianças e jovens que desconhecem totalmente a língua". "Em termos emocionais, estão instáveis e começam a sentir-se melhor a partir do 2.º ano, quando a língua deixa de ser um entrave tão significativo", salienta Ana Frade.

O que faz o ensino privado

Luís Sottomaior Braga acredita que sistemas implementados, por exemplo, no Canadá ou na Alemanha são os mais adequados para ajudar crianças e jovens que se mudam para um país cuja língua desconhecem. Nuno Gabriel, emigrante na Alemanha, conta ao DN como as escolas acolhem os filhos de estrangeiros no país. O filho Pedro frequentava o 2.º ano em Portugal quando a família se mudou para a Alemanha e a integração foi "exemplar": "Teve alemão numa turma específica para alunos estrangeiros onde aprendeu a língua de forma intensiva. Essa primeira fase dura 6 meses no mínimo e pode prolongar-se dependendo da evolução dos alunos. Com os mais novos, como o meu filho, é mais rápido. De manhã frequentam a turma de alemão e de tarde atividades, que passam por disciplinas práticas e outras como Matemática, mas adaptadas ao nível de língua dos alunos estrangeiros".

O chamado "ano zero" na Alemanha é em tudo semelhante ao implementado em algumas escolas particulares em Portugal. É o que acontece, por exemplo, no Colégio Júlio Dinis, no Porto, que conta com mais de 30 alunos estrangeiros (do 1.º ao 9.º ano), alguns que transitaram de escolas públicas por dificuldades de adaptação.

Oleg Vasylenko, 14 anos, natural de Kiev, Ucrânia, é um dos estudantes do colégio que saíram da escola pública. "Vivo em Portugal desde março e a minha família decidiu que eu e o meu irmão deveríamos ir para uma escola portuguesa em junho, depois de termos estado durante a Primavera a estudar online, na minha escola na Ucrânia. Fui para uma escola pública portuguesa, mas eu não sabia falar quase nada, portanto também não percebia nada nas aulas. Perdi a motivação para ir para a escola e também afetou a minha eficácia nas outras atividades. Ainda por cima, quase ninguém na escola falava inglês suficiente para manter uma conversa, com exceção de um aluno do País de Gales e alguns outros", recorda.

Oleg Vasylenko mudou de escola para integrar um grupo de alunos internacionais e diz ter sido "a melhor decisão". "Apesar de só ter estado na outra escola durante dois meses e meio, pareceu meio ano, provavelmente porque achei o Colégio Júlio Dinis um prodígio, em comparação. Aqui não há barreiras na comunicação e compreensão e isso faz toda a diferença", sublinha.

Martha Bradby, 13, de Norwich (Reino Unido), também passou pelo ensino público, mas a "falta de apoio" levou os pais a procurar outra solução. "Quando vim para Portugal, frequentei uma escola pública. Tinha aulas de PLNM, mas não tinha qualquer apoio em todas as outras disciplinas e alguns professores não falavam comigo durante as aulas. Sendo isso tudo o que eles estavam preparados para oferecer, foi muito difícil aprender Português. Comecei no Colégio Júlio Dinis em setembro e fiz amizades, melhorei as minhas notas e gosto muito mais de estar aqui: todos temos as aulas internacionais, o que significa que são ensinados em inglês e português, mas depois temos as aulas de PLNM à parte", conta.

A adolescente faz parte de uma turma de alunos estrangeiros oriundos da Ucrânia, EUA, Alemanha, Rússia, Argélia, Austrália, Emirados Árabes Unidos e alguns britânicos. Helena Silva, coordenadora do grupo e professora de PLNM salienta a importância do ensino intensivo da língua. "Têm um horário em exclusivo para eles e têm todas as disciplinas do currículo regular, lecionadas por professores que dominam a língua de origem. Progressivamente, conforme vão percebendo o português, começam a fazer a passagem para o currículo regular. Trata-se de uma integração que acompanha o ritmo de cada um no que se refere à proficiência da língua portuguesa e que torna a adaptação mais tranquila e menos sofrível", salienta.

A legislação prevê quatro tempos de PLNM (quando existem 10 alunos estrangeiros numa escola), mas o ensino privado reforça o número de aulas ministradas. "Estão todos numa turma internacional, temos um Conselho de Turma próprio para eles e as aulas são ministradas em inglês e português, mas todos têm pelo menos 5 horas de PLNM por semana e alguns têm mais. Estão divididos por nível de proficiência. O objetivo dos pais e o nosso é que eles possam transitar o mais rápido possível para o ensino regular. Paralelamente, vão conhecendo os colegas da turma de regular e isso permite o melhor dos dois mundos", conclui Helena Silva. O grupo conta ainda com duas a quatro horas por semana com a psicóloga Márcia Silva, com orientação escolar, trabalho de tutoria para as diferentes disciplinas e apoio sócio emocional.

Plataforma online

O Observatório das Migrações (OM) considera "a compreensão da língua do país de acolhimento um requisito fundamental no processo de integração de imigrantes", tendo, por isso, aumentado a oferta de programas de aprendizagem da língua de acolhimento. No estudo mais recente do OM (Indicadores de Integração de Imigrantes. Relatório Estatístico Anual 2022) pode ler-se que Portugal assume "vários programas voluntários e recursos nesta vertente (...) como o Português como Língua Não Materna (PLNM), o Português Língua de Acolhimento (PLA), e a Plataforma de Português Online". Esta última muito procurada por comunidades hispânicas com maior representação de descendentes de emigrantes portugueses (Peru, Argentina, Venezuela e Colômbia), registando 17 057 novos utilizadores em 2021.