5.12.13

"Metade dos jovens ganha o salário mínimo ou menos"

in RR

Especialista que acompanhou o desenvolvimento programa da "troika" desde o início, em 2011, contesta proposta que prevê a redução do salário mínimo para os mais jovens. Em contrapartida, não é favorável ao aumento do valor actual do salário mínimo.

A "troika" regressou esta quarta-feira a Portugal para a décima avaliação trimestral ao programa de assistência financeira. Marta Cardoso Lopes, presidente da Nova Economics Club e líder de um grupo criado há dois anos para estudar e acompanhar o memorando de entendimento com a "troika", esteve na Renascença a esclarecer algumas dúvidas sobre as novas medidas de austeridade que podem estar no horizonte.

Uma das medidas de austeridade propostas recentemente é a redução do salário mínimo para os mais novos. Actualmente, o salário mínimo é de 485 euros brutos, cerca de 431 líquidos. Como é que se pode pedir a jovens na casa dos 20 anos que iniciem uma vida activa com 430 euros?
Já há muitos a iniciar uma vida activa com esse valor ou ainda menos. Em 2011, há dados que indicam que 30% dos jovens estão a trabalhar abaixo do salário mínimo, ou seja, em 'part-time'. Se juntarmos os 20% que estão a ganhar o salário mínimo, ficamos com sensivelmente metade numa situação de risco. Além disso, há o problema de os jovens não poderem entrar directamente no subsídio de desemprego - têm de trabalhar pelo menos um ano. De maneira que acho que não é necessário esta medida - há outras.

É de mais?
Na minha opinião sim, uma vez que já há bastantes jovens a trabalhar em 'part-time'. Ou seja, esta medida não iria ter os efeitos que se pretendem.

Os sindicatos defendem um aumento do salário mínimo. A CGTP quer mesmo 515 euros. Há margem para este aumento?
Diria que não. Se formos a ver em termos de inflação, ela não tem aumentado - por isso, não é uma questão de estar a acompanhar a inflação. Por outro lado, aumentar o salário, havendo uma grande percentagem de pessoas a ganhar o salário mínimo, iria anular o efeito de outras medidas que estamos a ter, por exemplo nos cortes dos salários acima do salário mínimo. Ou seja, não vale a pena estar a tirar de um lado para meter no outro, senão vamos ter de fazer ainda mais cortes. Mas claro que há expectativas de aumentar o salário mínimo quando a situação melhorar.

A "troika", mais especificamente o FMI, quer cortar mesmo salários no privado. Quais são as consequências se a medida avançar?

Há que ter em atenção que não é só o FMI que quer cortar salários - a Comissão Europeia e até o Governo acham que é uma medida incontornável. A diferença é como cortar os salários: enquanto o FMI acha que há margem para flexibilizar os salários no privado, a Comissão considera que onde se pode cortar mais é no sector público, que, à partida, é o que vai acontecer. Relativamente a se isso vai tirar dinheiro às famílias, obviamente que vai num primeiro impacto, mas temos de ver que as empresas podem usar esse dinheiro que vão poupar para investir. Caso não tenham para poupar, ao baixar as remunerações tornam-se mais competitivas e o dinheiro acaba por entrar pela via externa. Ou seja, a redução dos salários pode não ser uma coisa má.

Acredita que o corte pode fomentar a criação de emprego, é isso?
O objectivo é aumentar a competitividade. Apesar de baixar a procura interna, aumenta a externa - aumentando o investimento vindo do exterior, pode-se fomentar então a criação de novas empresas e de novos empregos cá. O que interessa é o impacto a longo prazo.

Há alguma ideia, um valor, dos cortes que vão ser feitos no sector privado?
No sector privado, um dos cortes que vai acontecer é das contribuições para a Segurança Social e já está definido. Agora, do que tem acontecido até agora, as estimativas não são muito precisas, mas os dados do INE do último trimestre mostram uma queda de 2,5% em relação ao mesmo trimestre do ano passado. Tem havido um ajustamento, o problema é que não tem sido igual em todos os sectores do privado.

Sendo Portugal um país com ordenados baixos, como é que os cortes afectam a confiança dos portugueses?
Obviamente que a confiança baixa bastante e incentiva mais uma vez a emigração, o que não é muito positivo. No entanto, este corte tem um carácter transitório e. tal como foi anunciado pela ministra das Finanças, assim que voltarmos a restabelecer os principais indicadores macroeconómicos, como o défice e a balança externa, os salários podem ser aumentados outra vez. Não é para sempre e a ideia não é levar Portugal ao fundo.

O ouvinte José Augusto Moreira, que nos enviou uma questão, é funcionário público. Em 2010 teve um corte de 6,8% no ordenado. Em 2014, o corte vai ser de 12% porque tem um vencimento superior a 2.500 euros. Pergunta se os cortes acumulam…
Os cortes não vão ser cumulativos. Tal como foi anunciado, esta medida de corte de 2,5% a 12%, dependendo da remuneração, vai substituir o corte de 3,5% a 10% que antes era aplicável a remunerações acima dos 1.500 euros, tendo baixado para 600 euros.

Que impacto orçamental vão ter os cortes nos salários da função pública?
O que foi anunciado juntamente com o Orçamento do Estado foi que ia haver uma poupança adicional de sensivelmente 650 milhões de euros brutos, adicional ao que já estava a ser feito - é a minha interpretação do que está lá escrito. Isto porque, apesar de em termos percentuais a diferença não ser muita, a remuneração base por onde se começa a cortar baixou bastante - de 1.500 para 600 euros.

E se os cortes não forem feitos, o país não aguenta?
O país não tem outra hipótese que não aguentar. Obviamente haverá um efeito negativo no poder de compra, mas por outro lado não conseguiremos alcançar a competitividade, que é o objectivo pretendido pelos cortes, nem vamos equilibrar a balança externa. Este crescente de exportações que temos tido pode estagnar e isso não é bom, porque a procura interna não está favorável.

O ouvinte Bruno Baptista, que não clarifica se é funcionário do público ou do privado, pergunta se os cortes são calculados tendo em conta os salários base ou o bruto total?
O corte é feito sobre as remunerações totais brutas mensais. Conta tudo: remuneração base, suplementos, subvenções, senhas de presença, abonos, dispensas de representação e trabalho suplementar.

Há também novidades no que toca à legislação laboral. O que quer a "troika"? Facilitar despedimentos? Baixar o valor das indemnizações?
São exactamente por esses dois lados. Relativamente à facilitação de despedimentos, já não é necessário seguir uma regra de antiguidade - caso o trabalhador esteja a ser despedido por não se adaptar ao novo trabalho, já não é necessário arranjar um trabalho de substituição. Os dias de indemnização também foram reduzidos, de 30 para 20, e o objectivo é ainda reduzir mais - para 10 ou mesmo seis dias.

Se estas medidas forem chumbadas pelo Tribunal Constitucional, o plano B pode passar pel quê?
O plano B é aquilo que tem acontecido até agora: o plano A é sempre cortar em tudo o que é possível e o plano B acaba por ser escolher aqueles em quem podemos cortar. Pelo menos é o que se tem vindo a fazer até agora: o Governo lança uma medida e, se não passa no Tribunal Constitucional, o que se faz é reduzir o público-alvo da medida.

E faz sentido aumentos de impostos?
Já estão a ser feitos alguns. Acho que é essencial ter calma para que as medidas façam efeito. Há muitas medidas cujo efeito não é de curto prazo.

O que é que ainda está por fazer?
O que falta é manter o que já foi feito e se calhar pedir mais algum tempo para pagarmos as nossas dívidas, exactamente porque muitas das medidas no memorando não têm efeitos a curto prazo.