por Ricardo Vieira, in RR
"Temos que cortar em muitos bens alimentares, contar todos os tostõezinhos para conseguir pagar a renda." São histórias de quem tenta sobreviver com o salário mínimo.
O comboio que apanham diariamente entre a margem Sul e Lisboa, onde trabalham, teima em não passar na estação do "milagre" e da "viragem" económica anunciados pelo Governo. Andreia Rocha e Ana Paula fazem parte dos mais de 400 mil portugueses que recebem o salário mínimo nacional (SMN) de 485 euros por mês, que os descontos encolhem para 431,65 euros.
"Tem que se esticar de um lado, tem que se esticar do outro, deixar muitas vezes algumas contas por pagar. Tenho dois filhos, sou sozinha com eles. É muito difícil", explica Andreia Rocha, de 32 anos, funcionária numa clínica.
Ana Paula, 44 anos, é casada e tem uma filha a estudar. O salário mínimo que ganha a trabalhar numa universidade pública nem chega para pagar o empréstimo à habitação de 590 euros por mês, contraído quando o marido trabalhava nos cruzeiros e ganhava mais do que os actuais 600 euros como empregado no sector da restauração.
"Temos que cortar em muitos bens alimentares, contar todos os tostõezinhos para conseguir pagar a renda. Comprar uma peça de roupa está fora de questão - temos que usar a roupa até ao máximo possível e comer muitas vezes somente sopa", refere Ana Paula.
Para Andreia Rocha, é simples: viver com salário mínimo "é impossível, não chega". Por isso não vive - sobrevive. A equação das dificuldades é fácil de fazer e dispensa o Excel: paga 100 euros de renda por mês, 77 de passe, 175 para a escola e actividades das crianças, mais comida e medicamentos - Andreia e os filhos têm um problema renal policístico e uma doença no sangue.
Ana Paula também recorreu recentemente à ajuda de familiares, quando foi operada pela terceira vez à coluna em resultado de um acidente em serviço. Evita ir ao médico e a filha precisa de um aparelho auditivo de 1.800 euros que ainda não conseguiu comprar.
A chegada da "troika" em 2011 e o Inverno da austeridade congelaram o salário mínimo nacional (SMN). Um eventual aumento de 15 euros no próximo ano, como defendem os sindicatos mas que o Governo já excluiu, não iria complicar a vida de Ana Paula, mas pouco diferença faria no dia-a-dia. Porquê? Seria absorvido pela actualização dos preços dos passes, bens alimentares, água e luz.
Andreia Rocha reconhece que sempre era mais algum dinheiro que entrava todos os meses, mas 15 euros "não é nada". "Compramos uma carne, uns iogurtes e lá se vão os 15 euros."
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a proporção de trabalhadores empregados a receber o salário mínimo em Portugal aumentou de 5,5% de 2007 para 12,7% em 2012. Ao contrário da "troika", a OIT defende o aumento do SMN.