João Gabriel Ribeiro, in Sapo25
Falámos com Steven Strehl, da equipa de coordenação da Mein Grundeinkommen, uma organização sem fins lucrativos destinada a promover o debate sobre o RBI na sociedade alemã - e europeia por inerência.Em Agosto avançámos com a notícia de que na Alemanha estava para arrancar mais um projecto experimental sobre o Rendimento Básico Incondicional; ao contrário do que passou noutros casos, como na Finlândia, este projecto nasce de uma iniciativa da sociedade civil e por força da Mein Grundeinkommen (Meu Rendimento Básico, numa tradução livre), uma organização sem fins lucrativos destinada a promover o debate sobre esta inovação social na sociedade alemã – e europeia por inerência. Para saber mais sobre o projecto, os seus objectivos e especificidades, falámos com Steven Strehl, da equipa de coordenação da Mein Grundeinkommen.
Em entrevista por e-mail, o responsável de tecnologia da associação, explicou-nos não só os principais focos da sua investigação, como a forma como procuram uma validação científica dos resultados, sugerindo ainda algumas das mudanças que, no seu entender, podem ser espoletadas por um rendimento básico incondicional.
Este é um projecto que nasce no seio da sociedade civil, e não por promoção do estado. Quem são as pessoas envolvidas?
Somos 35 pessoas curiosas com diferentes formações profissionais, que trabalham para simplificar a discussão sobre o Rendimento Básico Incondicional, transferindo-o para que pessoas possam experimentar viver uma vida com 1200€ incondicionais por mês durante um ano e estudando como a vida destas pessoas mudou. Com isso, queremos trazer o debate para a sociedade alemã, longe das teorias mais científicas e mais acessível à maioria da sociedade.
Para além disso, financiamos um estudo científico que tem como objectivo validar os efeitos que detectarmos na vida real das pessoas. Por isso, temos uma parceria com um grande instituto de investigação científica que vai estudar a vida das 120 pessoas que recebem 1200 euros por mês durante 3 anos (adicional a qualquer salário que tenham) se os efeitos do rendimento básico são calculáveis e não aleatórios.
Um dos objectivos explícitos do programa é perceber como o RBI muda as pessoas e a sociedade no geral. Achas que o estigma de que nos tornaria “preguiçosos” é uma das razões para que a ideia seja marginalizada?
Acho que a marginalização da ideia a nível político vem do facto de que um rendimento básico significaria uma perda de poder das pessoas financeiramente privilegiadas sobre as pessoas que dependem de salários para sobreviver dia-a-dia. Um rendimento básico significaria que essas pessoas teriam a possibilidade de dizer “não” e de co-determinar as suas condições de trabalho sem medo existencial. E isso é muito importante para todas as pessoas mas especialmente para quem sofre de sexismo, racismo ou outras discriminações no trabalho.
O rendimento básico incondicional também é um catalisador que torna visíveis os problemas que já temos e força uma reação. Por exemplo, temos várias actividades nas nossas sociedades, desempenhadas (sobretudo) por mulheres (como os cuidados informais) que não consideramos como trabalho no espírito do trabalho assalariado mas que têm um valor incrível para a sociedade e também são a base para que a economia funcione (cuidar e educar as crianças, o trabalho doméstico). Essas pessoas não têm um rendimento individual e dependem financeiramente de outras pessoas, isso significa uma dependência que pode ser explorada.
Também temos trabalhos horríveis, importantes mas muito simples (bullshit jobs) que poderiam ser automatizados, mas as pessoas que fazem esse trabalho agora precisam de dinheiro para viver e para se educarem. Para além disso, temos pessoas que não encontram trabalho porque a pressão financeira está tão forte que não têm auto-confiança.
A nossa sociedade mostra que as pessoas que têm dinheiro trabalham muito e têm a segurança necessária para serem empresários e para assumirem riscos inteligentes. O ser humano quer fazer coisas importantes. Quando pensamos nos outros, temos o medo que elxs não queiram fazer nada, mas normalmente quando perguntamos às pessoas, quase todas dizem que trabalhariam mais e com mais motivação e autodeterminação.
Mas em 2018, em Portugal, Margarida Balseiro Lopes, falou de um Rendimento Básico Universal. Ela faz parte de uma nova geração de políticos que falam e pensam sobre isso, por exemplo.
O vosso projecto é diferente de outros como o que foi levado a cabo na Finlândia, por exemplo, porque não é promovido pelo Governo. O que significa isto na prática e em que pode diferir o resultado final? As prioridades em estudo são diferentes?
O nosso projecto científico é diferente de todos os outros porque é politicamente independente. Se considerarmos o caso da Finlândia: o projecto não foi prolongado por uma mudança política no Governo e o estudo focava-se sobretudo em perceber se as pessoas conseguiam arranjar emprego mais rapidamente. A resposta é não. Mas também houve outras respostas que não foram do interesse do Governo e por isso foram mal comunicadas: o RBI não fez as pessoas ficar em casa por mais tempo. Mas aumentou a sua saúde, a qualidade da sua vida social e a confiança nas instituições democráticas. Em tempos de notícias falsas, isso seria uma notícia incrível mas não foi do interesse dos líderes políticos mostrá-lo. Aparte disso, o Rendimento básico na Finlândia só pagou a pessoas sem trabalho e apenas 560€ por mês.
O nosso rendimento básico é de 1200€ por mês, o que significa que é ligeiramente acima do risco de pobreza na Alemanha e equivalente ao salário mínimo. E nós vamos pagar a pessoas que trabalham porque o efeito de empoderamento não é só nas pessoas que não têm trabalho (para esses é óbvio que beneficia imenso). Nós queremos criar uma nova investigação sobre os fundamentos do RBI e os efeitos na saúde, na vida social e laboral, independentemente de objectivos políticos. Nós queremos saber se é possível provar cientificamente o que nós vimos com os nossos casos: as doenças crónicas diminuem, os níveis de stress baixam, as pessoas tomam decisões melhores e mais sustentáveis. Se gerarmos este conhecimento, podemos ir mais longe com o Rendimento Básico porque os seus efeitos positivos deixam de ser assunções e passam a ser factos. E nós precisamos de decisões baseadas em factos, de visões sólidas baseadas em esperança e não no medo.
Achas que como sociedade estamos num ponto em que temos tanto dinheiro mal distribuído que seria possível, e que o rendimento básico poderia ser a chave para menos desigualdade, estagnação e segregação social?
Bem, já falei de alguns desses pontos antes. O que posso acrescentar aqui é que o mais importante será o efeito reconciliador que o RBI poderia ter. Nós recebemos benefícios sociais ou fiscais para as nossas sociedades de tempos a tempos. E os partidos políticos fazem estas promessas aos seus eleitores para os manterem presos. E para estas pessoas, que recebem pouco, a mudança de impostos realmente significa muito. Mas um Rendimento Básico significaria que toda a gente na sociedade beneficiaria de uma inovação social. Isso também criaria a ideia de valor comum e a imagem de que toda a gente é “ajudada” pela sociedade como um todo, e de que assumimos que toda a gente tem o potencial de fazer algo extraordinário na nossa sociedade se não tiver a passar por necessidades existenciais.
Von der Leyen falou recentemente de um salário mínimo europeu; ainda que não tenha mencionado o RBI, achas que esta posição mostra a preocupação com o facto de a desigualdade nas sociedades ser terreno fértil para populismos?
Não acho que um salário mínimo possa ajudar assim tanto. Essa ideia não considera que há muito trabalho, como os cuidados informais, feito sem qualquer salário. Por isso, se a Ursula Von der Leyen quer ir mais longe tendo um gabinete paritário em termos de género, ela devia questionar a noção de trabalho e introduzir um rendimento garantido para as mulheres sem contracto, ou um sistema que garantisse a estas mulheres uma pensão por todo o trabalho de cuidado não assalariado. Isso podia ser o primeiro passo para um rendimento incondicional para todos.
Noutro tópico, acreditas que o RBI pode ter um impacto na sustentabilidade global ao provocar alterações no tecido social e económico?
Falando da sustentabilidade, esse não é o principal foco do estudo; temos de nos focar em poucas questões para conseguir ter resultados válidos. Não acho que as pessoas começassem a viver de forma sustentável sem políticas governamentais que o acompanhem. Mas, torna possível que as pessoas pensem sustentavelmente. Temo que levantar questões morais sobre o consumo é empurrar as pessoas para a mão dos populitas. Um rendimento básico deve ser acompanhado por políticas que garantam que, depois de toda a gente estar financeiramente sustentável, a economia é forçada a produzir a sustentabilidade por um preço acessível. O Rendimento Básico pode não resolver todos os problemas que temos. Mas é com certeza uma oportunidade para que as pessoas ajam de forma diferente, numa sociedade em que não estão sujeitas a abuso de poder de empregadores que os podem condenar à pobreza.