José Lúcio Curado (opinião), in JNMadeira
«Não há estado social sem sentido cívico, sentimento de pertença a comunidade» - Pierre RosanvallonNo mês passado foi publicado um livro com o título “Rendimento Adequado em Portugal”. Trata-se de um estudo coordenado por José António Pereirinha, desenvolvido com a colaboração de professores e professoras da Universidade de Lisboa, da Universidade Católica Portuguesa e do ISCTE em parceria com a Rede Europeia Anti-Pobreza. Como o próprio nome indica procura determinar qual é o nível de rendimento que permite um nível digno de vida em Portugal. Em 2014, esse valor seria de 760 euros mensais, aumentava para 1335 euros se essa pessoa tivesse a seu cargo uma criança de 12 anos e se falarmos de um casal com uma criança de 12 anos cresce para 1745 euros, que equivaleria a cerca de 862,50 euros por mês por cada um dos elementos do casal.
Em 2020, o salário mínimo nacional situa-se nos 635 euros (650,88 na Região) e o valor que determina atualmente a taxa de risco de pobreza (referente a 2018) é o de 501,17 euros mensais.
Como se percebe, tanto num caso como no outro, muito longe do valor apontado, para 2014, como sendo adequado para uma pessoa adulta, empregada, sem ninguém a cargo. Quando há crianças, piora. Aliás, uma das conclusões do estudo é precisamente essa: há uma subavaliação da pobreza infantil e enviesamentos, para menos, no perfil de pobreza nos agregados que incluem crianças.
A lógica diria que o valor considerado como o mínimo adequado para viver condignamente e o valor do risco de pobreza deveriam ser muito próximos, pelo menos muito mais próximos do que o que realmente são. Como se explica a diferença? Metodologia: enquanto que para o cálculo do rendimento adequado, se procurou saber quais as necessidades para uma vida digna e quanto custa satisfazê-las, no caso do limiar da pobreza o cálculo é feito com base numa percentagem (60%) do salário médio no País, e num país em que os salários são dos mais baixos da Europa, o valor que se usa para estimar o número de pessoas em risco de pobreza torna-se demasiado austero, como diz Elvira Pereira uma das autoras do estudo.
Na Madeira, os números constantes no Anuário Estatístico referente a 2018, publicado em finais de 2019, ganham assim contornos bastante preocupantes. 31,9% das pessoas residentes na madeira viviam em risco de pobreza. Mesmo depois de contabilizados os valores das transferências sociais, esse valor diminui apenas para os 27,5%, ou seja, mais de um quarto da população continua em risco de pobreza. Mas pior são os 9,4% da população, cerca de 24 mil pessoas que vive em situação de privação material severa, sem condições que garantam a sua subsistência, quanto mais, uma vida condigna.
Uma outra conclusão que se pode tirar é que há muita gente que, apesar de trabalhar a tempo inteiro e fora do crivo dos apoios sociais, não consegue sair do risco de pobreza, tem de fazer escolhas diárias sobre aquilo que deixa de comer, de vestir, de investir na educação dos filhos. Quando tantas vezes nos definimos e apresentamos pela profissão que temos, ter um emprego a tempo inteiro deveria ser garante de rendimento adequado. Mas não é.
Haverá solução? Acredito que sim, mas não há soluções mágicas. Precisamos de investir na educação e formação, precisamos de aumentar a produtividade, mas também de distribuir melhor os aumentos da produtividade que conseguimos ao longo das últimas quatro décadas. Precisamos de dignificar o trabalho com salários que permitam ter um rendimento adequado às nossas necessidades.
A pobreza não são apenas números, tem gente dentro. Enquanto sociedade não podemos baixar os braços. Temos de lutar para que essa situação seja apenas transitória, não se pode entranhar nas pessoas, ao ponto de as definir, como se fosse uma profissão ou uma inevitabilidade.
Não, as pessoas não são pobres, as pessoas estão pobres. E temos de fazer algo quanto a isto.