Sindicatos denunciam casos de trabalhadores pressionados a ocultar eventuais infecções. Autarcas querem evitar ruptura económica e falam em medidas demasiado “restritivas”.
“Felgueiras teve o azar de ser o ponto de início da pandemia no país em Março, depois daquela feira de calçado que se realizou em Milão. Fomos dos primeiros concelhos a sofrer restrições e, agora, volta a acontecer a mesma coisa, num momento em que precisávamos mesmo de ser ajudados”, queixa-se Emídio Monteiro, dirigente da Associação Empresarial de Felgueiras (AEF).
Pouco tempo após o anúncio ao país das medidas de confinamento nos concelhos de Felgueiras, Lousada e Paços de Ferreira, os associados da AEF começaram a fazer chegar as suas preocupações à associação. “Os pequenos comerciantes estão desesperados, vivem do dinheiro que vão fazendo diariamente. Se não conseguirem esse rendimento, como é que vão pagar aos funcionários? Temos de salvaguardar a saúde e a vida, mas a economia não pode parar novamente”, considera o dirigente.
Esta quinta-feira, o Governo aprovou uma resolução que impõe o dever de permanência no domicílio a três concelhos do país, onde a pandemia de covid-19 regista um maior número de casos: Felgueiras, Lousada e Paços de Ferreira. Na quarta-feira, António Costa reuniu de urgência com os autarcas destes concelhos, prometendo, no final da reunião, que não existia necessidade de uma “cerca sanitária”. Apesar das restrições, a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, garantiu que estas medidas não se materializam numa cerca sanitária, uma vez que determinadas deslocações essenciais, como sair para trabalhar, ir para a escola ou para consultas, continuam a ser possíveis.
As medidas são exactamente as mesmas para os três concelhos. O presidente da Câmara de Felgueiras, Nuno Fonseca, considera esta igualdade um pouco injusta, visto que Felgueiras não é a localidade com o maior crescimento dos casos de infecção por covid-19. “Neste tipo de situações, sinto que devemos acatar as recomendações. Acho, contudo, que o concelho de Felgueiras, pelo número de casos que reúne actualmente, não teria necessidade de ter medidas tão restritivas, se compararmos por exemplo com os casos registados em Paços de Ferreira no dia de hoje [quinta-feira]”, considera o autarca.
O anúncio ao país destas medidas coincidiu com o pior dia de sempre em termos de novos casos de covid-19. Pela primeira vez desde o início da contagem diária feita pela Direcção-Geral da Saúde (DGS), o país ultrapassou a fasquia dos três mil casos diários. Deste número, 1954 (59,7%) registaram-se na zona Norte do país.
Já com as restrições locais em mente, a prioridade de Nuno Fonseca para Felgueiras passa por garantir que a economia do concelho não pare. “Queremos, acima de tudo, que estas restrições não criem constrangimentos para a nossa economia. É uma das nossas principais preocupações, porque fomos um dos primeiros concelhos a sofrer estes problemas na primeira vaga do vírus. Agora tentaremos assegurar a normalidade económica – que é pujante, não só no comércio mas também na indústria”, explica.
Por sua vez, o presidente da Câmara de Paços de Ferreira elogia que tivessem sido levadas em conta as sugestões para o aumento da capacidade de testagem no concelho. Relativamente às medidas restritivas, Humberto Brito, espera que o esforço seja reflectido na descida do número de novos casos no concelho.
Mas de onde vieram todos estes casos? António Costa, no final da reunião de quarta-feira, revelou que as autoridades de saúde identificaram eventos sociais responsáveis pela propagação do vírus, que irão ser alvo de controlo por parte das autoridades nas próximas semanas. “São mais as questões familiares, festas, almoços, e a vivência juvenil”, contou ao PÚBLICO o comandante dos Bombeiros de Felgueiras, José Júlio, notando que “houve um levantar da guarda por parte das pessoas no pós-férias de Verão”.
Trabalhadores pressionados a ocultar eventuais infecções
O contágio nos locais de trabalho existe, mas esse não será o maior problema na região do Vale do Sousa, diz Marlene Correia, do Sindicato dos Trabalhadores dos Sectores Têxteis, Vestuário, Calçado e Curtumes do Distrito do Porto (SINTEVECC). Nem todos cumprem regras e recomendações, mas, segundo os sindicatos, nem o número de queixas nem o número de casos detectados deveriam gerar alarmismos, refere esta representante. O que é mais problemático, nesta altura, é que há trabalhadores que tiveram um teste positivo de covid-19 ou estão em casa à espera do resultado e que foram pressionados pelos patrões a não revelarem a razão por que estão em casa, para evitar que o medo se espalhe e uma paragem na produção, que nesta altura segue a todo o vapor.
“Sabemos até ao momento de três casos destes, em três empresas diferentes do Vale do Sousa e isso obviamente deveria preocupar-nos a todos”, diz aquela representante sindical. “Nota-se que as empresas estão cheias de encomendas e querem trabalhar, não podem parar para satisfazer os clientes. Acontece que naqueles casos, foi pedido aos trabalhadores que ficaram doentes ou que suspeitam que possam estar doentes que ocultassem essa informação aos colegas, para evitar paragens e mais faltas ao trabalho nesta altura”, descreve Marlene Correia.
Defendendo uma maior intervenção da Autoridade para as Condições do Trabalho e por parte das próprias entidades locais de saúde, a mesma porta-voz salienta, no entanto, que os problemas nas empresas do Vale do Sousa são os mesmos das de outras regiões menos afectadas pelo crescimento de novos casos de covid-19 e, nessa lógica, sustenta que as infecções e eventuais falhas em contexto laboral não explicam o cenário que se vive naquela região.
“Nem todas as empresas conseguem cumprir todas as regras em relação ao desfasamento de horários, até porque as próprias regras são, por vezes contraditórias ou incompatíveis, e também é verdade que nem todos os trabalhadores gostam de estar oito horas consecutivas de máscara. Além disso, nem todas as instalações têm sequer dimensão suficiente para garantir distanciamento social. Mas isso é a realidade em todas as micro e pequenas empresas destes sectores espalhadas pelo país, incluindo regiões com menos preocupações neste momento. Não sei o que explica estes novos casos no Vale do Sousa, mas pelo retrato que temos da realidade, haverá múltiplos factores e, admito, a principal explicação pode estar na vida fora das fábricas”, refere.
A porta-voz do Sintevecc aponta o transporte público como um problema. “Há problemas de cobertura e nesses momentos é impossível o distanciamento físico desejável. É verdade que nas linhas de produção, há máquinas e postos de trabalho com meio metro de distância, mas as pessoas estão de costas umas para as outras e o desfasamento de horário nas pausas intermédias como o almoço foi mais facilmente cumprido do que nas horas de entrada e de saída. Por isso, o que vemos é que há uma infecção ali, duas acolá, nada que possa explicar a situação preocupante.”
Isabel Tavares, da Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Têxteis, Lanifícios, Vestuário, Calçado e Peles de Portugal (Fesete), confirma que os problemas no Vale do Ave se repetem noutras regiões. Cita uma empresa de Aveiro, com 300 pessoas, e que está a contratar. “Não há espaço nem organização para salvaguardar toda a gente. Há de facto um problema de organização que afecta muitas empresas, que além do mais não conseguem fazer o desfasamento total de horários, ou porque há muita gente isenta ou porque não é rentável”, explica.
O contágio nos locais de trabalho existe, mas esse não será o maior problema na região do Vale do Sousa, diz Marlene Correia, do Sindicato dos Trabalhadores dos Sectores Têxteis, Vestuário, Calçado e Curtumes do Distrito do Porto (SINTEVECC). Nem todos cumprem regras e recomendações, mas, segundo os sindicatos, nem o número de queixas nem o número de casos detectados deveriam gerar alarmismos, refere esta representante. O que é mais problemático, nesta altura, é que há trabalhadores que tiveram um teste positivo de covid-19 ou estão em casa à espera do resultado e que foram pressionados pelos patrões a não revelarem a razão por que estão em casa, para evitar que o medo se espalhe e uma paragem na produção, que nesta altura segue a todo o vapor.
“Sabemos até ao momento de três casos destes, em três empresas diferentes do Vale do Sousa e isso obviamente deveria preocupar-nos a todos”, diz aquela representante sindical. “Nota-se que as empresas estão cheias de encomendas e querem trabalhar, não podem parar para satisfazer os clientes. Acontece que naqueles casos, foi pedido aos trabalhadores que ficaram doentes ou que suspeitam que possam estar doentes que ocultassem essa informação aos colegas, para evitar paragens e mais faltas ao trabalho nesta altura”, descreve Marlene Correia.
Defendendo uma maior intervenção da Autoridade para as Condições do Trabalho e por parte das próprias entidades locais de saúde, a mesma porta-voz salienta, no entanto, que os problemas nas empresas do Vale do Sousa são os mesmos das de outras regiões menos afectadas pelo crescimento de novos casos de covid-19 e, nessa lógica, sustenta que as infecções e eventuais falhas em contexto laboral não explicam o cenário que se vive naquela região.
“Nem todas as empresas conseguem cumprir todas as regras em relação ao desfasamento de horários, até porque as próprias regras são, por vezes contraditórias ou incompatíveis, e também é verdade que nem todos os trabalhadores gostam de estar oito horas consecutivas de máscara. Além disso, nem todas as instalações têm sequer dimensão suficiente para garantir distanciamento social. Mas isso é a realidade em todas as micro e pequenas empresas destes sectores espalhadas pelo país, incluindo regiões com menos preocupações neste momento. Não sei o que explica estes novos casos no Vale do Sousa, mas pelo retrato que temos da realidade, haverá múltiplos factores e, admito, a principal explicação pode estar na vida fora das fábricas”, refere.
A porta-voz do Sintevecc aponta o transporte público como um problema. “Há problemas de cobertura e nesses momentos é impossível o distanciamento físico desejável. É verdade que nas linhas de produção, há máquinas e postos de trabalho com meio metro de distância, mas as pessoas estão de costas umas para as outras e o desfasamento de horário nas pausas intermédias como o almoço foi mais facilmente cumprido do que nas horas de entrada e de saída. Por isso, o que vemos é que há uma infecção ali, duas acolá, nada que possa explicar a situação preocupante.”
Isabel Tavares, da Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Têxteis, Lanifícios, Vestuário, Calçado e Peles de Portugal (Fesete), confirma que os problemas no Vale do Ave se repetem noutras regiões. Cita uma empresa de Aveiro, com 300 pessoas, e que está a contratar. “Não há espaço nem organização para salvaguardar toda a gente. Há de facto um problema de organização que afecta muitas empresas, que além do mais não conseguem fazer o desfasamento total de horários, ou porque há muita gente isenta ou porque não é rentável”, explica.