Samuel Silva, in Público on-line
Mais de um quarto das crianças das escolas do Porto iniciou o 2.º ano com um nível de leitura “muito pobre”, aponta estudo do Centro de Investigação e Intervenção na Leitura.Mais de um quarto das crianças do 2.º ano de escolaridade das escolas do Porto iniciou o novo ano lectivo com um nível de leitura “muito pobre”. É a consequência de quase quatro meses de suspensão das aulas, devido à pandemia, conclui um estudo do Centro de Investigação e Intervenção na Leitura (CIIL), do Instituto Politécnico do Porto. Os alunos carenciados foram os mais prejudicados.
De acordo com as conclusões do estudo do CIIL, a que o PÚBLICO teve acesso, 27% dos alunos do 2.º ano revelaram um desempenho na leitura “muito pobre” neste início de ano lectivo. “Estas crianças lêem tão devagarinho que não percebem aquilo que estão a ler”, ilustra a investigadora do Politécnico do Porto Ana Sucena Santos, que coordena este trabalho.
Ao longo do 1.º ano é esperado que as crianças aprendam a ler, e no final do ano sejam capazes de ler pequenos textos e extrair significado destes. Isso não está a acontecer para mais de um quinto dos alunos, sublinha Ana Sucena Santos. A realidade “é preocupante” e “incompatível com o que se espera ao início do 2.º ano de escolaridade” prossegue a especialista.
Os resultados do trabalho do CIIL revelam ainda uma outra realidade: as crianças de contextos economicamente desfavorecidos são as mais penalizadas. Se, entre os alunos do 2.º ano que provêm de contextos não desfavorecidos há 22% no nível “muito pobre”, entre as crianças de famílias carenciadas o valor é 10 pontos percentuais superior.
As crianças com um nível de leitura “muito pobre” estão no que os investigadores designam por “percentil dez”. Ou seja, têm um desempenho que é inferior ao que é apresentado por 90% da população estudada. No nível seguinte (“percentil 25”) estão mais 10% das crianças avaliadas. O seu nível de leitura foi classificado pelos cientistas do CIIL como “frágil”. A sua situação “não é tão dramática, mas continua a ficar aquém do que seria esperado nesta fase” do percurso escolar, explica Ana Sucena Santos.
Este trabalho abrangeu 542 crianças do 2.º ano de escolaridade de 11 agrupamentos de escolas do Porto – cerca de um terço da população do concelho naquele nível de ensino. A investigação do CIIL é um estudo de rastreio das competências de leitura, que usa um teste previamente validado para a população portuguesa. A equipa de investigação já tinha usado essa ferramenta junto dos alunos das escolas do Porto, com quem vem trabalhando desde 2015, no âmbito de um projecto do município.
Esse trabalho permite assim ter dados comparativos. Em anos anteriores, no mesmo território, mas com a escola a decorrer em condições de normalidade, a soma das crianças com competências “muito pobres” e “frágeis” ronda os 25%. Este ano são 37%. Ana Sucena Santos considera que estes dados mostram que os resultados encontrados ficam a dever-se à suspensão das aulas presenciais por causa da pandemia de covid-19: “Um trimestre sem aulas foi muito tempo.”
A equipa do CIIL, que vinha trabalhando nas escolas do Porto, notou que depois da suspensão das aulas presenciais começou a “perder contacto com muitas crianças” que faziam parte do projecto, o que deu o alerta aos investigadores para a necessidade de uma intervenção no início do ano lectivo. Esta avaliação das competências de leitura dos alunos do 2.º ano de escolaridade nas escolas do Porto foi feita no arranque do novo lectivo. “Reflecte a forma como encontrámos as crianças”, ilustra a coordenadora.
O projecto inclui também a criação de uma estratégia de intervenção, que foi aplicada pelos professores daquelas escolas durante as primeiras cinco semanas do novo ano, que o Ministério da Educação quis que fossem dedicadas à recuperação de aprendizagens. Agora, a equipa de investigadores vai aplicar novamente o mesmo estudo para perceber a evolução dos alunos. Ana Sucena Santos antecipa, porém, que os alunos mais frágeis vão precisar “de muito mais tempo de trabalho intensivo”, sob pena de “se perderem” numa fase inicial dos seus percursos escolares.