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13.1.23

Eurobarómetro. Aumento do custo de vida e pobreza são as maiores preocupações dos portugueses


por Lusa, in RR


Com a guerra na Ucrânia a cumprir quase um ano e sem desfecho à vista continua a pairar o receio de uma escalada nuclear do conflito, que se refletiu na maioria dos mais de 1.000 cidadãos portugueses inquiridos no Eurobarómetro.

O aumento do custo de vida, como consequência da inflação exacerbada pela guerra na Ucrânia, assim como a pobreza e a exclusão social são as questões que mais preocupam os portugueses, de acordo com o último Eurobarómetro.

De acordo com o último relatório estatístico europeu, divulgado esta quinta-feira, que inquiriu 1.028 cidadãos portugueses de um total de 26.431 cidadãos pertencentes a Estados-membros da União Europeia (UE), 98% dos cidadãos nacionais identificou o aumento do custo de vida, por exemplo, através do aumento do preço de produtos alimentares e da energia como o assunto mais preocupante, uma percentagem que é em cinco pontos percentuais superior à média dos 27.

Apesar da preocupação, 47% dos inquiridos nacionais respondeu que até ao momento está a viver com algum conforto com os rendimentos de que dispõe, enquanto 40% revelou que enfrenta algumas dificuldades atualmente e 9% disse que enfrenta bastantes dificuldades com os rendimentos atuais. Em comparação com a média europeia, 46% responderam que vivem confortavelmente com os rendimentos que têm, enquanto 36% dizem passar por algumas dificuldades.

O tópico seguinte que mais preocupa a população nacional é a pobreza e a exclusão social (95%). Aqui há um hiato maior para a média europeia, já que 82% responderam que esta era uma preocupação maior.

Receio com a propagação de doenças infecciosas

Mas a maior disparidade surge quando a questão é sobre a possibilidade de propagação de doenças infecciosas como a Covid-19 ou a varíola dos macacos. Os portugueses são mais receosos do que a média europeia, uma vez que 83% responderam que estavam "preocupados" com essa hipótese, em oposição à média da UE, que é de 62%.

Com a guerra na Ucrânia a cumprir quase um ano e sem desfecho à vista continua a pairar o receio de uma escalada nuclear do conflito, que se refletiu na maioria dos mais de 1.000 cidadãos portugueses inquiridos. 89% respondeu que receia "incidentes nucleares" e apenas 9% respondeu que essa questão não levanta preocupações. Olhando para o conjunto dos países do bloco comunitário, 74% acredita que o risco é real, enquanto 25% descarta essa possibilidade.

Questionados também sobre o estado da generalidade do país, 43% dos portugueses inquiridos considerou que está a ir "na direção errada", mas aqui os portugueses estão abaixo da média europeia, que é de 62%. 30% dos cidadãos nacionais consideram que Portugal está no caminho certo, 16% não sabem e 11% consideraram que a situação do país continua igual.

Em relação ao estado da União Europeia, a percentagem portuguesa (35%) contrasta com a europeia (51%) quando a resposta é "as coisas estão a ir na direção errada. A mesma percentagem de portugueses considera que a União Europeia está no rumo correto.

Contudo, mais de metade dos portugueses (52%, no universo da amostra de 1.028) está otimista em relação ao futuro do bloco comunitário. Neste parâmetro, a população entre os 15 e os 24 anos e entre os 40 e os 54 anos é que apresenta uma fatia maior de otimismo em relação ao futuro da UE, 52% e 61%, respetivamente.

14.12.20

Há 700 mil euros no Algarve para projetos de apoio a pessoas em risco de exclusão e sem-abrigo

in Sul Informação

CCDR salienta que «a situação das pessoas em maior dificuldade, nomeadamente as sem-abrigo, levou o PO Algarve 2020 a reforçar a dotação das medidas de inclusão ativa»

O Programa Operacional Algarve 2020 vai atribuir 700 mil euros a projetos de apoio a pessoas em risco de exclusão e em situação de sem-abrigo, anunciou a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento (CCDR) algarvia.

O Algarve 2020 publicou ontem, dia 9 de Dezembro, o aviso nº ALG-67-2020-49 na modalidade concurso, «visando apoiar as entidades que, através dos Núcleos de Planeamento e Intervenção junto das Pessoas em situação de Sem-Abrigo (NPISA), prestam auxilio à população que, devido à crise da Covid-19, estão em risco de exclusão social, e designadamente em situação de sem-abrigo».

O apoio destina-se a projetos que, «mediante abordagens locais inovadoras de desenvolvimento social e de promoção de estratégias locais de inclusão ativa», pretendam «prosseguir respostas no âmbito na Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas em Situação de Sem-Abrigo 2017-2023 (ENIPSSA 2017-2023), aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 107/2017, de 25 de julho, revista pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 2/2020, de 2 de janeiro».

A CCDR salienta que «a situação das pessoas em maior dificuldade, nomeadamente as sem-abrigo, levou o PO Algarve 2020 a reforçar a dotação das medidas de inclusão ativa».

Serão assim financiadas as operações que integrem:

a) A criação de equipas que assegurem o acompanhamento psicossocial e o acesso aos recursos existentes na comunidade, bem como a respostas integradas dirigidas a pessoas em risco de exclusão social, nomeadamente em situação de sem-abrigo:

b) O desenvolvimento de respostas que implementam ações ocupacionais adequadas às características e vulnerabilidades das pessoas em situação de sem-abrigo, promovam a empregabilidade e a inserção profissional;

c) Ações que favoreçam o combate ao estigma sobre a condição de sem-abrigo, designadamente: iniciativas de informação e de sensibilização das comunidades locais e sobre o fenómeno das pessoas em situação de sem-abrigo com vista à prevenção e combate da discriminação; ações de capacitação e formação pessoal, emocional e profissional à medida das competências cognitivas, psicológicas, emocionais e estados de saúde física e mentais das pessoas em situação de sem-abrigo.

No âmbito do referido AAC, serão elegíveis, entre outras, as seguintes despesas:

a) Encargos com remunerações do pessoal técnico, incluindo gestor de caso, e pessoal de apoio ao projeto;

b) Encargos com deslocações e alimentação do pessoal referido na alínea anterior;

c) Rendas, alugueres e encargos gerais das instalações onde funcione as equipas de projeto

d) Encargos com a realização de ações de capacitação, encontros e seminários, intercâmbios, workshops, exposições e estudos de diagnóstico e avaliação;

e) Produção de materiais informativos, nomeadamente guias de recursos e respostas para profissionais, pessoas em situação de sem-abrigo e população em geral, e sua publicitação;

f) Aluguer e amortização de bens e equipamentos necessários à criação/adaptação/remodelação de respostas de acolhimento diurno e que implementam ações ocupacionais adequadas às características e vulnerabilidades das pessoas em situação de sem-abrigo;

g) Aquisição de equipamentos de suporte à integração das pessoas em situação de sem-abrigo em projetos de acesso a habitação individualizada em modelos de habitação à medida (Housing First e Housing Led), nomeadamente mobiliário e eletrodomésticos fundamentais;

h) Encargos com alimentação das pessoas em situação de sem-abrigo, desde que acautelada a não existência de duplo-financiamento, no quadro das atividades desenvolvidas;

i) Encargos com deslocação das pessoas em situação de sem-abrigo, no quadro das atividades desenvolvidas.

O financiamento público para o presente concurso é de 700 mil euros, cofinanciados em 80% através do Fundo Social Europeu.

A aprovação das candidaturas tem como condicionante a apresentação da ata da Plataforma Supraconcelhia da Rede Social ou do plenário do Conselho Local de Ação Social (CLAS), que aprova a constituição do Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo (NPISA), ou a designação de um Interlocutor Local na Rede Social para a ENIPSSA 2017 -2023, e o respetivo Plano de Acão.

Em síntese, apenas serão apoiadas as candidaturas cujo NPISA esteja constituído ou em constituição, e com Plano de Ação enquadrado na ENIPSSA aprovada em CLAS.

Por forma a garantir o enquadramento das candidaturas na ENIPSSA, estas terão de ser objeto de parecer pelo Grupo de Implementação, Monitorização e Avaliação da ENIPSSA, atendendo às competências desse organismo no âmbito da Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas Sem-Abrigo.



20.11.20

Casos entre crianças até aos 9 anos sobem 66%. DGS passa a divulgar informação sobre situação nas escolas

 Samuel Silva e Andreia Sanches, in Público on-line

Há três semanas que não há actualização relativamente aos surtos em ambiente escolar. Número de jovens até aos nove anos infectados subiu 66% nas últimas duas semanas.

A Direcção-Geral de Saúde (DGS) vai passar a divulgar semanalmente a informação relativa ao número de casos de covid-19 registados nas escolas. Há três semanas que os dados sobre os surtos em contexto escolar não são actualizados. A decisão é tomada depois de, na quinta-feira, na reunião com peritos, o Presidente da República ter dito que queria saber mais sobre o risco que existe nas escolas. De acordo com os dados da DGS sobre a infecção nas diferentes classes etárias, o grupo das crianças até aos 9 anos é aquele onde se registou o maior aumento de infecções nas últimas duas semanas.

Os dados relativos aos estabelecimentos de ensino serão actualizados pela DGS na conferência de imprensa agendada para a próxima segunda-feira. E, a partir daí, serão actualizados semanalmente. Durante o mês de Outubro, a DGS divulgava o número de surtos em escolas nos balanços que fazia regularmente sobre a pandemia, mas há três semanas que a informação não é actualizada. Os últimos dados foram avançados a 23 de Outubro. Eram então 63 os surtos em escolas, segundo a DGS.

O Ministério da Educação lançou, entretanto, uma nova plataforma informática onde os directores de cada agrupamento devem dar conta da evolução da pandemia nas respectivas comunidades escolares. O novo sistema veio substituir o email, que estava a ser usado desde o início do ano lectivo como forma de comunicação destes indicadores aos delegados regionais de Educação.

A informação colocada na plataforma é a mesma que já antes era divulgada por email. Isto é, os directores das escolas têm que indicar sempre que existe um caso positivo na comunidade escolar, seja entre alunos, professores ou funcionários, independentemente do local de contágio. Mesmo os contágios que acontecem fora das escolas são contabilizados. Sempre que há uma turma em isolamento profiláctico também é comunicado.

O PÚBLICO pediu estes dados ao Ministério da Educação nas últimas duas semanas, bem como à Direcção-Geral da Saúde, não tendo recebido resposta até ao momento.

Desde que a plataforma foi lançada, no dia 5 de Novembro, e até à última quarta-feira, o número de jovens até aos nove anos infectados com covid-19 subiu 66%, de acordo com o boletim da DGS emitido nesta quinta-feira, com dados referentes às 24 horas anteriores. Este foi o grupo etário com maior crescimento, seguido dos 10 aos 19 anos (uma subida de 63% das infecções).


Desde o início da pandemia foram reportados 11.772 casos de covid-19 entre crianças até aos nove anos, dos quais cerca de 4600 desde 5 de Novembro, data da entrada em funcionamento da plataforma na qual as escolas devem registar os casos positivos. E foram notificados cerca de 20.780 casos nos jovens dos 10 aos 19, dos quais à volta de oito mil também de 5 de Novembro até à data.

Em números absolutos, contudo, o grupo mais atingido é o dos 40-49 anos, com 13 mil novas infecções nestas duas semanas. No mesmo período o aumento total dos casos, em todas as idades foi de 45,6% (ou seja, mais 76.109, tendo a covid-19 atingido desde Março 243 mil pessoas, a maioria das quais recuperou).

Na última semana, a DGS mudou a apresentação dos dados das infecções por grupo etário (havia menos de 300 situações no domingo para as quais não havia idade atribuída, sendo o grupo etário “desconhecido”). Desde o início da semana todas os casos reportados aparecem já com a indicação do grupo etário a que pertence a pessoa que testou positivo. Esta alteração, contudo, terá pouco impacto nas comparações da evolução da doença por idades uma vez que o número de situações que até domingo não apareciam associadas a nenhum grupo etário era residual.

Os números divulgados pelo Governo há duas semanas, quando anunciou novas medidas de combate à pandemia de covid-19 indicavam que cerca de 3% dos casos detectados provinham de “ambiente escolar”, uma categoria onde estão incluídas não só as escolas públicas, como também as privadas, as universidades e os politécnicos.

29.10.20

Suspensão das aulas teve impacto “preocupante” no nível de leitura das crianças do 1.º ano

Samuel Silva, in Público on-line

Mais de um quarto das crianças das escolas do Porto iniciou o 2.º ano com um nível de leitura “muito pobre”, aponta estudo do Centro de Investigação e Intervenção na Leitura.

Mais de um quarto das crianças do 2.º ano de escolaridade das escolas do Porto iniciou o novo ano lectivo com um nível de leitura “muito pobre”. É a consequência de quase quatro meses de suspensão das aulas, devido à pandemia, conclui um estudo do Centro de Investigação e Intervenção na Leitura (CIIL), do Instituto Politécnico do Porto. Os alunos carenciados foram os mais prejudicados.

De acordo com as conclusões do estudo do CIIL, a que o PÚBLICO teve acesso, 27% dos alunos do 2.º ano revelaram um desempenho na leitura “muito pobre” neste início de ano lectivo. “Estas crianças lêem tão devagarinho que não percebem aquilo que estão a ler”, ilustra a investigadora do Politécnico do Porto Ana Sucena Santos, que coordena este trabalho.

Ao longo do 1.º ano é esperado que as crianças aprendam a ler, e no final do ano sejam capazes de ler pequenos textos e extrair significado destes. Isso não está a acontecer para mais de um quinto dos alunos, sublinha Ana Sucena Santos. A realidade “é preocupante” e “incompatível com o que se espera ao início do 2.º ano de escolaridade” prossegue a especialista.

Os resultados do trabalho do CIIL revelam ainda uma outra realidade: as crianças de contextos economicamente desfavorecidos são as mais penalizadas. Se, entre os alunos do 2.º ano que provêm de contextos não desfavorecidos há 22% no nível “muito pobre”, entre as crianças de famílias carenciadas o valor é 10 pontos percentuais superior.

As crianças com um nível de leitura “muito pobre” estão no que os investigadores designam por “percentil dez”. Ou seja, têm um desempenho que é inferior ao que é apresentado por 90% da população estudada. No nível seguinte (“percentil 25”) estão mais 10% das crianças avaliadas. O seu nível de leitura foi classificado pelos cientistas do CIIL como “frágil”. A sua situação “não é tão dramática, mas continua a ficar aquém do que seria esperado nesta fase” do percurso escolar, explica Ana Sucena Santos.

Este trabalho abrangeu 542 crianças do 2.º ano de escolaridade de 11 agrupamentos de escolas do Porto – cerca de um terço da população do concelho naquele nível de ensino. A investigação do CIIL é um estudo de rastreio das competências de leitura, que usa um teste previamente validado para a população portuguesa. A equipa de investigação já tinha usado essa ferramenta junto dos alunos das escolas do Porto, com quem vem trabalhando desde 2015, no âmbito de um projecto do município.

Esse trabalho permite assim ter dados comparativos. Em anos anteriores, no mesmo território, mas com a escola a decorrer em condições de normalidade, a soma das crianças com competências “muito pobres” e “frágeis” ronda os 25%. Este ano são 37%. Ana Sucena Santos considera que estes dados mostram que os resultados encontrados ficam a dever-se à suspensão das aulas presenciais por causa da pandemia de covid-19: “Um trimestre sem aulas foi muito tempo.”

A equipa do CIIL, que vinha trabalhando nas escolas do Porto, notou que depois da suspensão das aulas presenciais começou a “perder contacto com muitas crianças” que faziam parte do projecto, o que deu o alerta aos investigadores para a necessidade de uma intervenção no início do ano lectivo. Esta avaliação das competências de leitura dos alunos do 2.º ano de escolaridade nas escolas do Porto foi feita no arranque do novo lectivo. “Reflecte a forma como encontrámos as crianças”, ilustra a coordenadora.

O projecto inclui também a criação de uma estratégia de intervenção, que foi aplicada pelos professores daquelas escolas durante as primeiras cinco semanas do novo ano, que o Ministério da Educação quis que fossem dedicadas à recuperação de aprendizagens. Agora, a equipa de investigadores vai aplicar novamente o mesmo estudo para perceber a evolução dos alunos. Ana Sucena Santos antecipa, porém, que os alunos mais frágeis vão precisar “de muito mais tempo de trabalho intensivo”, sob pena de “se perderem” numa fase inicial dos seus percursos escolares.

9.9.20

Isolamento deixa de ser obrigatório para crianças que cheguem a centros de acolhimento

in RR

A norma anteriormente em vigor previa que as crianças que fossem retiradas às famílias tivessem de cumprir 14 dias de isolamento quando chegassem às instituições de acolhimento.

As crianças que cheguem a centros de acolhimento deixam, esta segunda-feira, de estar obrigadas ao isolamento profilático.

A medida, que entra agora em vigor, já tinha sido anunciada, em conferência de imprensa, na sexta-feira.

A norma anteriormente em vigor previa que as crianças que fossem retiradas às famílias tivessem de cumprir 14 dias de isolamento quando chegassem às instituições de acolhimento.

Num comunicado enviado às redações, a Direção-Geral da Saúde afirma que as medidas para a admissão de novos residentes ou utentes nas Instituições de Acolhimento de Crianças e Jovens em Situação de Perigo e Lares de Infância e Juventude, são agora adaptadas, de “modo a salvaguardar o bem-estar psicológico das crianças e jovens”.

A obrigação de realização de teste e de isolamento profilático passa assim a não ser aplicada nestes casos, “sem prejuízo de ser feita uma avaliação clínica na admissão de novos residentes/utentes”.

A medida tinha causado bastante polémica. No final de agosto, Graça Freitas disse mesmo que a única coisa que poderia ser alterada nesta norma tinha a ver com as condições de conforto do isolamento.

A diretora-geral da Saúde já tinha assumido, no entanto, que a decisão de colocar em isolamento uma criança recém-chegada a uma instituição era “muito difícil” e afirmou na sexta-feira que a medida deixa de fazer sentido se as crianças podem entrar e sair diariamente para ir à escola.

7.9.20

Um ano lectivo como nunca se viu: as dúvidas, inquietações e o entusiasmo de quem regressa à escola

Hugo Moreira e Samuel Silva, in Público on-line

No regresso às aulas, alunos, pais e professores partilham dúvidas e entusiasmos num “ano diferente”. “Vamos fazer com que corra pelo melhor”, prometem os professores. Enquanto ainda nem todas as escolas têm regras claras, os pais acumulam perguntas e os alunos preparam com mais afinco a mochila para voltar à escola. No primeiro dia… logo se vê como vai ser.

Os miúdos vão perceber o que dizem os professores, tendo estes uma máscara a tapar-lhes parte da cara durante a aula toda? E vão ter actividades se tiverem que ficar na escola até mais tarde? E vão resistir a dar beijos e abraços aos colegas, depois de tanto tempo sem os ter por perto? E é mesmo bom para a sua sanidade mental não darem beijos e abraços? E como vai ser com o transporte, a família vai conseguir organizar-se? A poucos dias do início das aulas, professores e pais acumulam interrogações. Não é um arranque de ano lectivo qualquer. É um começo de aulas em ano de pandemia.

Para Carlos Ferreira, começa “um dos maiores desafios”. É professor há 16 anos e nunca tinha chegado a Setembro com tantas incertezas sobre aquilo que vai viver no momento em que os alunos voltarem à escola. “Como é que as crianças vão criar uma ligação com um adulto que vai estar a usar uma máscara?”, questiona-se este docente do 1º ciclo no Centro Escolar de Crasto, que pertence ao Agrupamento de Ponte da Barca, no Alto Minho. Há seis meses que não vai à escola – “sinto falta do barulho, das crianças, e de entrar na sala, que é como se fosse minha, porque fui eu que a decorei e organizei”, conta. Quando ali voltar, terá diante de si uma turma completamente nova, do 1.º ano.

É verdade que já conhece alguns dos seus alunos, aqueles que frequentaram o pré-escolar no mesmo edifício. Todavia, com a maioria será um primeiro contacto: “Não temos nenhuma relação afectiva entre nós. Esse é o primeiro desafio, construir uma ligação.”

Tal como este professor do 1.º ciclo, também os alunos estiveram seis meses sem ir à escola. Muitos tiveram pouco ou nenhum contacto com outras crianças, pelo que as competências afectivas estarão “um bocadinho paradas”, antecipa. Por isso, as questões emocionais têm “uma importância ligeiramente maior” do que qualquer preocupação sanitária que Carlos Ferreira possa, neste momento, ter.

E tem-nas, não o esconde. Na sua família, há regras implementadas desde Março, aquilo a que chama “o nosso plano de contingência”. O calçado e a roupa usados no dia-a-dia não entram em casa e as máscaras são usadas nas áreas comuns do prédio onde vive, por exemplo. A mulher também é professora. E no círculo familiar há pessoas de risco e idosas. Os cuidados têm que ser redobrados.

Cristina Félix, 57 anos, é professora de Português no 2.º ciclo. Tal como Carlos Ferreira, também tem idosos a cargo, todos com perto de 90 anos. As orientações que a Direcção-Geral da Saúde enviou às escolas para a preparação do novo ano lectivo e as regras aplicadas no Agrupamento de Escolas dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia, onde trabalha há oito anos, seriam suficientes para a deixar “confortável” antes do regresso às aulas, não fosse esta situação familiar.

“Em Julho e em Agosto, não fui de férias, nem contactei com quase ninguém. Agora, estou a ter cada vez mais cuidados, a partir do momento em que voltei a ir à escola para as reuniões. Quando vierem os alunos, maiores serão”, explica. Na pasta que leva diariamente para a escola, leva uma pequena bolsa com um kit pessoal onde estão uma embalagem com álcool-gel, toalhetes de desinfecção, uma máscara de reserva e um par de luvas descartáveis, “porque pode haver alguma emergência”.

Aos cuidados sanitários, somam-se as angústias sobre como será o dia-a-dia na sala de aulas. Nas primeiras reuniões de preparação do ano lectivo, sobravam perguntas entre os colegas: “Será que vamos poder mexer nos cadernos dos alunos? E circular entre eles? E fazemos ou não testes em papel?”.

“Isto assusta muito as pessoas”, afirma Cristina Félix, professora há 38 anos. Será preciso “bom senso” para cada professor encontrar as suas respostas. Da sua parte, começou a desenhar algumas estratégias. Por exemplo, os testes escritos vão passar por uma espécie de quarentena antes e depois de serem corrigidos: “Coloco tudo num saco de pano, higienizo as mãos e deixo 48 horas guardados. Depois corrijo. E farei o mesmo processo antes de os entregar aos alunos”.
Coloco tudo num saco de pano, higienizo as mãos e deixo 48 horas guardados. Depois corrijo. E farei o mesmo processo antes de os entregar aos alunosCristina Félix

Mário Oliveira, 41 anos, já tem resposta para algumas das questões que ainda afligem os seus colegas. Uma vez que é professor do ensino secundário, já teve que voltar, em Maio, ao contacto presencial com os alunos do 12.º ano que estavam a preparar-se para o exame nacional de Matemática. No início, “havia o medo que os alunos me transmitissem o vírus e eu o levasse para casa”, recorda. Essa experiência é agora vista como “um privilégio”: “Consegui minorar todos os meus medos e os dos alunos.”

Há cinco anos que este professor de Matemática dá aulas no Colégio do Ave, em Guimarães. As primeiras semanas de regresso à actividade lectiva, no final do ano lectivo passado, foram de teste para algumas situações que, antes da pandemia, aconteciam naturalmente. “Até que ponto me podia aproximar do lugar de um aluno? Será que os posso chamar ao quadro?”, eram algumas das questões com que se debatia. Mário Oliveira foi “modelando as soluções e percebendo” que, por exemplo, podia aproximar-se das secretárias, desde que mantivesse alguma distância de segurança e evitasse tocar no material escolar dos alunos.

No início, muitos dos estudantes saíam da aula, mal esta terminasse e preferiam fazer chegar as suas dúvidas através do grupo de turma criado pelo professor de Matemática na aplicação de mensagens Whatsapp. Depois, muitos desses alunos começaram também a ficar no final das aulas para conversar com Mário Oliveira.

Aos poucos, “restabeleceu-se um grau de confiança que em Maio julgava perdido”, sublinha este docente. Por isso, quando retomou as aulas no colégio de Guimarães, logo a 2 de Setembro, estava confiante. Nos próximos meses, “pode não correr tudo bem, mas vamos fazer com que corra pelo melhor”. 

“Desdramatizar” ou preocupar-se, desabafam os pais

“Neste momento é tudo uma grande incógnita”, desabafa Tiago Mira Delgado, consultor informático, pai de seis crianças, a mais nova com um ano e meio e a mais velha com 11. Três frequentam a creche e jardim-de-infância do Centro Social Sagrado Coração de Jesus, uma instituição particular de solidariedade social, duas estão no 1.º e 2.º anos na Escola Padre Bartolomeu Gusmão e uma no 6.º ano na Escola Básica e Secundária Josefa de Óbidos, todas em Lisboa.

Primeira inquietação: vai haver resposta dos espaços de actividades de tempos livres (ATL)? “É uma grande preocupação”, diz. Anda a tentar perceber se os ATL vão abrir e com que horários. É que em Junho, quando a creche dos três filhos mais novos reabriu, depois da pausa ditada pela covid-19, não foi nada fácil. Tiago Mira Delgado nunca conseguia ir buscar as crianças antes das 17h, quando era suposto elas saírem às 16h30. O seu próprio horário de trabalho não o deixava. “Todos os dias pedia imensa desculpa, mas não conseguia fazer melhor.” Admite que o cenário pode repetir-se de novo.

Por isso, era “fundamental” que o Ministério da Educação, em conjunto com as juntas de freguesia ou câmaras municipais, “arranjasse formas de ter respostas para os ATL, creches e infantários”. “Têm que ser encontradas soluções para ajudar as famílias”, sublinha.

Segunda inquietação: como vai ser na sala de aula? “A minha filha tem que aguardar para entrar numa loja onde só podem estar dez pessoas. Como é que é possível que numa sala tão pequena seja permitido estarem 29 pessoas?”, questiona Fátima Barbosa, professora, 42 anos. A filha de dez, quando regressar às aulas no Agrupamento de Escolas Professor Carlos Teixeira, em Fafe, vai ter mais 27 colegas na mesma sala.

“Ninguém sabe exactamente o que vai acontecer”, diz Ana Stilwell, cantora e compositora, de 34 anos, mãe de quatro filhos, entre os dois e os dez anos.
Ninguém sabe exactamente o que vai acontecer”Ana Stilwell

Mais inquietações e dúvidas: que impacto vão ter todas as regras, todos os receios, o medo do contágio, nas relações sociais na escola. “Preocupa-me muito mais a parte emocional e a saúde mental dos miúdos e dos professores” nesta fase em que vão voltar “a estar juntos”, diz Ana Stilwell, que com a mãe, Isabel Stilwell, escreve as crónicas Birras de Mãe no PÚBLICO. “Receio que o medo faça com que as pessoas se afastem e não dêem o apoio que as crianças sempre precisaram e que agora vão precisar ainda mais.”

“Sei que há muitas mães que têm outras visões, mas eu preferia mil vezes que [as crianças] brincassem todas livremente sem se preocuparem com o vírus”, refere. “Os riscos e as consequências para a saúde mental” da aplicação de medidas como encurtar os intervalos entre as aulas podem ser “muito mais perigosos do que o vírus” em si.


Para além disso, prossegue, o uso da máscara, que não tem dúvidas de que tem vantagens em termos de saúde pública, pode complicar a leitura da expressão facial dos professores por parte dos alunos, sobretudo dos mais novos.

Uma vez que “não se sabe quase nada ainda”, o que “dificulta a preparação”, esta mãe considera “fundamental” o diálogo em família. É preciso “desdramatizar” e “tirar a tónica de que eles podem ficar doentes ou trazer a doença para casa”. Mesmo com muitas questões práticas para resolver, como, no seu caso, perceber “quem é que vai levar e buscar à escola”, é preciso que os pais se “deixem levar pelo entusiasmo” dos filhos, largando assim “os próprios medos”.

Apesar de tudo, há também um enorme alívio entre os pais, depois de meses de aulas à distância para muitos dos jovens. O retomar das aulas e do contacto social é “uma necessidade básica”, diz Tiago Mira Delgado. Os seus filhos estão “ansiosos para voltar à escola e ver os amigos”, ainda que, acredita, possam vir a ficar “mais confusos, ansiosos ou tristes” quando lhes explicar as medidas que vão vigorar, “sobretudo aqueles que no ano passado tiveram a escola normal”.

Quanto ao perigo de infecção, este pai relativiza. O vírus “começa a fazer parte da nova normalidade”. Claro que tenta explicar aos filhos a importância de “evitar situações de risco” e “ter sempre atenção às medidas de segurança”. E é mais fácil com as crianças mais velhas. Mas, seja como for, não está à espera que todas as recomendações sejam cumpridas: “O que vimos na creche é que, no fundo, pode-se tentar educar para o distanciamento, mas é impossível cumprir”. As educadoras são as primeiras a admitir que “quando uma criança cai e começa a chorar, precisa de um abraço e não há nada que o substitua”.

“Os miúdos não conseguem brincar sem contacto”, afirma. “É esperar que nada aconteça.”

“As crianças vão estar tão excitadas por estar na escola e por rever os coleguinhas”, prossegue Fátima Barbosa, que mesmo se “as escolas cumprirem as medidas” ditadas pela Direcção-Geral da Saúde, “vai ser muito complicado” que os alunos as cumpram. “Já estou a ver que as máscaras vão andar espalhadas e trocadas umas com as outras.”

Os dois filhos de 16 e 12 anos de Susana Roche, consultora médica, 46 anos, regressaram esta semana ao Liceu Francês Internacional do Porto, antes do arranque oficial do ano lectivo na generalidade das escolas públicas, a partir de 14 de Setembro. Foram sem saber ao certo o número de alunos por turmas. A poucos dias do regresso à escola Susana Roche contava: “Vão saber mais no primeiro dia.” Mas nenhuma indefinição sobre o que se iria passar se sobrepunha ao sentimento de “alívio”. Os filhos “sofreram bastante” com os últimos meses de escola à distância. Sabiam que o espaço da cantina seria alargado, a escola garantiria a presença de um médico e apoio psicológico. E tudo isso tranquilizou a consultora médica. As crianças “vão ter de aprender uma nova forma de interagir com os colegas e com os professores”, diz. É isso que lhes tem explicado.

Tem ido levar e buscar os filhos nestes primeiros dias. E nota que os aglomerados de carros junto ao liceu, à hora de saída e de entrada, são maiores que em anos anteriores. Não sabe se é porque houve cortes nos transportes disponibilizados pela escola, se pelo medo dos pais em deixar os filhos andar de autocarro. “Mas aquilo é tanta gente toda junta para ir buscar os meninos que é pior do que um autocarro”, aponta. Antes da pandemia tinha decidido que os seus filhos, Luna e Nino, este ano iriam começar a ir de autocarro para a escola. “Queremos que eles sejam mais independentes. Só não foram ainda porque precisamos de algum tempo para lhes ensinar.” É um “passo importante”, “está na hora”. E a pandemia não a fez mudar de ideias. “Há que procurar uma normalidade apesar do risco.”
Alunos: saudades e entusiasmo

Aos dez anos, Clara Barbosa tem uma “receita criativa e original para combater o coronavírus”: máscaras, desinfectantes, respeito pelo próximo, distanciamento social e, por último, “mas não menos importante”, o amor. A mensagem faz parte do vídeo da jovem de Fafe que mereceu uma menção honrosa no concurso ABCovid, que, em preparação para o regresso às aulas, premiou vários alunos que ajudassem a divulgar informações e medidas de prevenção perante a pandemia de covid-19. Gravar os vídeos foi um divertimento para a aluna que pedia repetidamente à mãe para que gravassem mais.

“Estou muito entusiasmada por voltar à escola”, afirma com alegria na voz a aluna que terminou o 4.º ano no Agrupamento de Escolas Carlos Teixeira, em Fafe. As conversas regulares com a mãe fazem-na saber na ponta da língua as recomendações que vai ter que cumprir quando voltar à sala de aula. Por isso, não está preocupada com o regresso. “Eu acho que os meus amigos também vão estar todos entusiasmados e não preocupados”, analisa Clara, e adiciona: “Já não nos vemos há muito tempo, desde Março. Tenho saudades deles”.
Eu acho que os meus amigos também vão estar todos entusiasmados e não preocupados. Já não nos vemos há muito tempo, desde Março. Tenho saudades delesClara Barbosa

Luna e Nino Roche começam as aulas já esta semana no Liceu Francês Internacional do Porto. A jovem de 16 está “muito contente por voltar à escola”, uma vez que isso significa voltar a ver os amigos e “regressar à rotina habitual”. Já o irmão de 12 anos diz que sente “mais ou menos a mesma coisa” que a irmã.

Embora as aulas à distância não tenham corrido mal à família Roche, ninguém quer repetir a experiência, mesmo que a mãe os prepare para essa possibilidade. “Pode acontecer e a qualquer momento. É uma coisa que falamos aqui em casa para eles estarem preparados”, admite a mãe. “Estou preocupada quanto a isso, porque não sei se a escola vai voltar a fechar, mas espero bem que não”, refere Luna. Para além da ausência dos contactos sociais, as aulas em casa “não foram tão boas como as presenciais”, culpa em parte de existir “muito mais distracções”. “Eu não aprendi tanto como poderia ter aprendido na sala de aula”, conclui. Também Nino considera as aulas online “menos interessantes e eficazes” do que as presenciais. “Eu estou feliz por ver os meus amigos, por isso também não quero que a escola feche outra vez”, deseja o jovem que vai começar o 8.º ano.

Apesar do entusiasmo, ainda existe alguma contenção perante a possibilidade de contágio. “Estou um bocado triste por não poder abraçar os meus amigos e matar saudades de falar com eles sem ser a dois metros de distância”, conta Luna. Ainda que possa ser “difícil no início”, a aluna acha que se vai habituar. Existe o medo de que “outros alunos não respeitem as medidas”, mas acredita que “já todos conhecem as regras”. Para Nino, o regresso “pode ser um bocadinho mais triste”, mesmo que os amigos também estejam tão entusiasmados quanto o jovem para regressar. A escola no Porto vai limitar as actividades e jogos de maior proximidade e contacto durante os intervalos, conta a mãe.

Relativamente ao regresso ao ritmo das aulas presenciais, os alunos não estão preocupados. A estudante que segue para o 11.º ano admite que as aulas em casa “atrasaram um bocado ao programa”, mas está confiante que o regresso à escola trará um período de avaliação do ponto de situação académico de cada um dos alunos.

Em Lisboa, João Barbosa prepara o regresso ao Colégio Sagrado Coração de Maria que acontece a 14 de Setembro. Embora ainda não lhe tenham sido comunicadas as medidas que a escola vai instaurar, o estudante de 17 anos não espera uma redução na turma que transita para o 12.º ano, que só tem 18 alunos.

Vai ser um regresso “diferente”, talvez “estranho”, mas “é preciso ver o lado positivo das coisas”. Por exemplo, o estudante antecipa que vai ser mais fácil concentrar-se nos estudos porque não vão existir “tantas distracções”. Há colegas que estão mais entusiasmados para voltar, outros não, mas isso “também acontece num ano normal”,

Há uma “mistura de sentimentos”, mas sempre sabendo que “é um voltar com maior precaução”.

No ano passado, o jovem lisboeta voltou à escola para as aulas de preparação para os exames. Fê-los por “reserva”, já que para ingressar num curso superior na área de Informática, o que pretende fazer quando terminar o 12.º ano, precisa do exame de Matemática A, que só é feito no último ano do ensino secundário.

“Acho que faz algum sentido os alunos do 11.º ano só fazerem os exames que queiram”, considera João Barbosa, já que nesse ano, as disciplinas são mais específicas e quem precise daqueles exames “sabe que quer mesmo aquilo”. Porém, o mesmo não se deveria aplicar no 12.º ano: “Acho que aí já deveria ser obrigatório porque disciplinas como o Português e a Matemática são disciplinas base, as mais importantes”.

O que é facto é que a decisão de fazer os exames em Agosto deu-lhe “uma vantagem”. Já teve a experiência de voltar à escola em período de pandemia e, por isso, já sabe “mais ou menos como vai funcionar”. Resume a experiência: “É ir às aulas com precaução e vai correr bem”.

As maiores dificuldades nas aulas à distância encontraram-se na disciplina de Geometria Descritiva. Mesmo “tendo a professora feito um excelente trabalho”, o facto de o professor não estar “ao lado” dos alunos dificulta a tarefa. Ainda assim, João Barbosa admite que teve “um bom ambiente, com boa internet” e relembra que “muita gente teve ambientes péssimos” que tornaram as aulas virtuais “muito mais difíceis”. Também por isso, o aluno defende que os professores deveriam dedicar o período inicial das aulas “a fazer uma revisão e perceber como é que os alunos estão”, sobretudo nas disciplinas em que a maioria dos alunos não fizeram exame, e, por isso, não tiveram aulas presenciais presenciais no final do ano lectivo.

14.7.20

Covid-19: pandemia pode criar 45 milhões de novos pobres na América Latina, diz a ONU

in Público on-line

A quebra do Produto Interno Bruto (PIB) nesta região em particular será na ordem dos 9,1%, o pior valor num século. A taxa de pobreza nesta zona do mundo deve aumentar 7% este ano.

A pandemia da covid-19 pode deixar na pobreza 45 milhões de pessoas que actualmente integram a classe média na América Latina e Caraíbas, considerada a região com mais desigualdades no mundo, alertou hoje a ONU.

“Num contexto de desigualdades já gritantes, de taxas elevadas de trabalho informal e de uma fragmentação dos serviços de saúde, as populações e as pessoas mais vulneráveis são, uma vez mais, as mais afectadas”, disse o secretário-geral da ONU, António Guterres, num comunicado. 

Com mais de três milhões de infectados com o novo coronavírus, dos quais mais de metade registados no Brasil, a região tornou-se neste momento o epicentro da pandemia da doença covid-19.

A par do Brasil, os outros países mais afectados são o México, Peru e Chile.

Segundo o secretário-geral da ONU, que divulgou nesta quinta-feira um documento dedicado às consequências da pandemia na América Latina e Caraíbas, a quebra do Produto Interno Bruto (PIB) nesta região em particular será na ordem dos 9,1%, o pior valor num século.

A organização realçou que o impacto económico será devastador, lembrando que a pandemia atingiu a região após sete anos de um crescimento económico lento e num cenário em que persistem desigualdades profundas, com milhões de pessoas sem cobertura de cuidados de saúde ou sem acesso a água potável.

As Nações Unidas prevêem que a taxa de pobreza nesta zona do mundo aumente 7% este ano, mais 45 milhões de pessoas, para um total de 230 milhões de pobres, o que representa 37,2% da população total que vive nos países da América Latina e Caraíbas.

Os níveis de pobreza extrema na região também vão aumentar, cerca de 4,5% (na ordem das 28 milhões de pessoas), elevando para 96 milhões o número de pessoas que vivem em condições extremamente precárias.

Este valor representa 15,5% da população total da região.

Estas pessoas vão estar “em risco de fome”, afirmou, em declarações à comunicação social, Alicia Barcena, uma responsável da ONU citada pelas agências internacionais.

Para enfrentar a crise e ajudar esta população, a organização internacional defende que os governos devem fornecer um rendimento mínimo de emergência e subsídios contra a fome.

Nesta região em particular, e segundo as contas da ONU, o valor médio mensal a atribuir por pessoa deveria rondar os 140 dólares (cerca de 123 euros).

Ainda no comunicado divulgado, António Guterres apelou à comunidade internacional para que “forneça liquidez, uma assistência financeira e um alívio da dívida” aos países da região da América Latina e Caraíbas.

17.6.20

Covid-19 aumenta risco de crianças entrarem no mundo do trabalho infantil

Rita Tavares, in o Observador

A crise provocada pela pandemia da Covid-19 colocou pressão adicional sobre as famílias que ao verem afetado o rendimento podem recorrer ao trabalho infantil, advertem OIT e UNICEF.

Enquanto dormia - o Miguel Pinheiro ou a Filomena Martins preparam para si um guia resumido do que se passa, logo de manhã pelas 9h00, todos os dias úteis.

Nos últimos 20 anos, 100 milhões de crianças foram retiradas do circuito do trabalho infantil, mas a pandemia da Covid-19 veio pôr em risco essa conquista. “Como a pandemia causa estragos no rendimento familiar, sem apoio, muitas famílias podem recorrer ao trabalho infantil”, afirmou o diretor-geral da OIT, Guy Ryder, a propósito do relatório conjunto da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).

O estudo enviado ao Observador — “COVID-19: Proteger as crianças do trabalho infantil, agora mais que nunca!” — é divulgado na data em que se celebra o dia mundial contra o trabalho infantil e recorre ao que foi feito desde 2000 para alertar para os riscos trazidos pela atual situação pandémica. E isto porque, desde 2000, o número de 246 milhões de crianças exploradas pelo trabalho infantil baixou para os 152 milhões (os dados mais recentes são de 2016) e o receio destas entidades é que agora essa tendência de descida possa ser revertida, comprometendo a meta de se acabar com o trabalho infantil até ao final do próximo ano.

“Muitas crianças em situação de trabalho infantil encontram-se agora em grande risco de ingressar em formas de trabalho mais ocultas, perigosas ou de trabalhar longas horas. A crise pode também empurrar milhões de crianças vulneráveis para o trabalho infantil tendo estas de contribuir para o rendimento familiar numa idade ainda muito jovem”, antevê-se no relatório. E o risco é tanto maior quanto mais vulnerável é a população em causa. Exemplo? “As meninas estão em situação de particular risco de virem a assumir ainda mais trabalho doméstico ou de prestação de cuidados, e, provavelmente, estão mais expostas a acidentes e a abusos físicos ou sexuais”.

Aliás, a lógica da vulnerabilidade social expor as crianças a um risco ainda maior de serem exploradas em termos laborais numa situação de crise, atravessa as conclusões apresentadas. “A desigualdade, a exclusão social e a discriminação, intensificadas pelas crises, tornam a situação ainda pior”, escrevem OIT e UNICEF. No foco está sobretudo quem trabalha na “economia informal e trabalhadores e trabalhadoras migrantes”, já que “são os que mais sofrerão com a recessão económica, com o aumento da informalidade e do desemprego, queda nos níveis de vida, impactos na saúde e sistemas de proteção social insuficientes, entre outras pressões”.

E um dos exemplos avançado como significativo para o avolumar deste risco é o encerramento das escolas, que as organizações estimam que “afetou mais de 90% do total de alunos matriculados ou cerca de 1,6 mil milhões de estudantes em todo o mundo. Com “quase metade do mundo sem acesso à internet”, o ensino à distância veio “deixar ainda mais para trás muitos alunos”. Por isso mesmo, o estudo alerta para o facto de este encerramento “suscita muitas preocupações em relação à vulnerabilidade” das crianças, que podem ser levadas a abandonar a escola antes da idade legal, para entrarem no mercado de trabalho. E que mesmo as que ainda não têm idade legar para trabalhar vão tender a procurar empregos, sobretudo atividades “informais e domésticas onde enfrentam riscos graves”.

Assim, as duas organizações recomendam um reforço da proteção social. “A proteção social é vital em tempos de crise, pois fornece assistência às pessoas mais vulneráveis”, afirma Guy Ryder. “A integração das preocupações sobre o trabalho infantil em políticas mais amplas de educação, proteção social, justiça, mercado de trabalho e dos direitos humanos e do trabalho internacionais pode ter uma importância crucial”, argumenta no comunicado enviado à comunicação social.

As medidas, argumentam no estudo, podem ir desde o alargamento de programas para reforçar os rendimentos dos mais vulneráveis, “aos apoios na área da saúde, emprego e segurança alimentar”. “Uma estratégia de longo prazo” para “fortalecer o sistema social” em cada um dos países. “São necessárias medidas para proteger as empresas, especialmente as pequenas e médias empresas, e os trabalhadores e trabalhadoras contra as perdas imediatas de empregos e de rendimentos”, advertem OIT e UNICEF.

5.6.20

Conselho de Saúde alerta para possível aumento da pobreza da população

in o Observador

Um "aumento da pobreza da população" é uma possibilidade, alerta o Conselho Nacional de Saúde, baseando-se nos resultados de um estudo sobre os pedidos de ajuda devido à pandemia.

O Conselho Nacional de Saúde (CNS) alertou esta quinta-feira para a possibilidade de um “aumento da pobreza da população” com base nos resultados de um estudo sobre os pedidos de ajuda às juntas de freguesia devido à pandemia de Covid-19.

“O CNS alerta para o facto de estes resultados poderem refletir um aumento da pobreza na população, associado às alterações bruscas no mercado de trabalho e no rendimento, seja por situação de layoff ou desemprego”, refere um comunicado daquele órgão, na sequência de um estudo com base num inquérito online remetido às 3.092 freguesias portuguesas e que obteve 860 respostas válidas (27,8%).
O CNS é um órgão de consulta do Governo na definição de políticas de saúde e tem por missão proporcionar a participação das várias entidades científicas, sociais, culturais e económicas na procura de consensos alargados.

De acordo com a análise do CNS, a dificuldade na aquisição de alimentos e medicamentos por incapacidade de sair de casa foi a principal razão que levou as pessoas com dependência funcional – pessoas idosas, pessoas portadoras de deficiência ou doença mental – e os seus familiares a pedirem apoio às juntas de freguesia, no âmbito da pandemia.

No caso dos agregados familiares com carências económicas, houve pedidos de ajuda para o “pagamento das rendas de casa, alimentos e medicamentos e também para a falta de acesso a computadores, telemóveis e telefones”, bem como relativos à falta de acesso à internet, que se tornou indispensável para que muitas crianças pudessem beneficiar do ensino à distância.

O estudo permitiu também detetar diferenças nos diversos territórios, no que respeita às dificuldades sentidas pelas pessoas com dependência funcional ou familiares, com Viana do Castelo, Portalegre e Castelo Branco a reportarem mais pedidos de ajuda por este grupo populacional, contrariamente a Bragança, Guarda e Setúbal, que reportaram menor frequência de pedidos de ajuda deste grupo.

Relativamente aos agregados com dificuldades económicas, Portalegre, Faro e a Região Autónoma dos Açores registaram mais pedidos de ajuda, enquanto Beja, Setúbal e Évora reportaram menor frequência de pedidos de ajuda deste grupo populacional.

O CNS constatou que houve “poucos pedidos de ajuda” às juntas de freguesia por parte dos restantes grupos populacionais, nos quais se incluem as “pessoas sem-abrigo, imigrantes em situação irregular, minorias étnicas, utilizadores de drogas e trabalhadores do sexo”, mas admite que estes grupos podem ter recorrido a outras instituições.

O CNS refere ainda que, no mesmo inquérito, “as juntas de freguesia salientaram a necessidade de uma melhor articulação interinstitucional, a nível local, especialmente com os municípios e os serviços de saúde”, bem como a necessidade de “mais recursos” para atuarem junto da população.

Por isso, defende “uma melhor articulação entre as estruturas da rede social e os serviços de saúde”, para assegurar “maior eficiência na resposta às necessidades, atuais e futuras, criadas pela pandemia Covid-19”.
Em Portugal, morreram 1.455 pessoas das 33.592 confirmadas como infetadas, e há 20.323 casos recuperados, de acordo com a Direção-Geral da Saúde.
A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro, em Wuhan, uma cidade do centro da China.











O ambiente em tempo de pandemia: tudo o que ela nos trouxe de bom e de mau deverá ser temporário

Patrícia Carvalho, in Público on-line

A qualidade do ar melhorou, mas voltou a usar-se mais descartáveis. Houve menos emissões de gases poluentes e algumas pequenas boas notícias para a biodiversidade, mas teme-se um recuo nos hábitos de reciclagem. Associações ligadas ao ambiente olham para os aspectos positivos e negativos trazidos pelo confinamento a que a pandemia nos obrigou. Esta sexta-feira é Dia Mundial do Ambiente.

Não foi preciso muito para que as mudanças se tornassem perceptíveis. Quando a pandemia da covid-19 fechou parte da população mundial em casa, tornando residuais muitas actividades económicas e a maior parte das deslocações, as reacções ao nível da qualidade do ar e da quantidade de emissões foram os sinais mais evidentes de que estávamos num período de alívio da crise ambiental. Com o desconfinamento que se seguiu, há sinais de que algumas conquistas temporárias já deram um passo atrás e outras se deverão seguir. Por cá, várias organizações não-governamentais (ONG) ligadas ao ambiente fazem um balanço do que de melhor e de pior a pandemia trouxe ao ambiente.

A diminuição da poluição e a melhoria da qualidade do ar, bem como a quebra do ruído, são os aspectos positivos da pandemia mais repetidos por vários responsáveis das ONG ouvidas pelo PÚBLICO. Falam dela a Zero, a Quercus, a Liga para a Protecção da Natureza (LPN) ou a FAPAS — Fundo para a Protecção de Animais Selvagens. “Toda a gente notou, toda a gente viu, até no alcance da visibilidade que se conseguiu”, diz o biólogo Nuno Gomes Oliveira, da FAPAS.

Mas foi muito mais que uma simples percepção empírica. Os dados recolhidos nos últimos meses a nível mundial e, por cá também, são muito claros. Em Lisboa, por exemplo, “nunca houve um período tão longo com tão pouca concentração de dióxido de azoto (NO2)”, refere Francisco Ferreira, da Zero, referindo-se a medições feitas na Avenida da Liberdade. E se olharmos para a diminuição das emissões dos gases com efeito de estufa — mais um factor positivo referido por várias das associações —, os números também são claros. Embora o responsável da Zero saliente que é preciso ter em conta que a pandemia não foi o único factor, já que medidas introduzidas nos últimos anos, com incentivo às energias renováveis e penalizando os combustíveis fósseis, também contribuem para que, neste momento, estejamos “muito bem”.

As contas da Zero indicam que a redução do consumo de electricidade dos últimos três meses levou a uma quebra de emissões de dióxido de carbono (CO2) na ordem dos 1,4 milhões de toneladas. A isto há que somar uma queda de emissões do CO2 provenientes do transporte rodoviário que Francisco Ferreira estima que possa chegar a 1,8 milhões de toneladas e a outra quebra, só pela paragem brutal do sector da aviação, que ascenderá a mais um milhão de toneladas de CO2. “É um peso muito significativo, um decréscimo de quase 20% no que seria o valor normal.”

“São impactos importantes, mas de curto prazo, porque são quase de certeza passageiros”, refere, pelo seu lado, Jorge Palmeirim, da LPN. Esse foi um alerta repetido desde o início por quem estava atento à forma como o mundo ia evoluindo ao ritmo da pandemia, e que os dados mais recentes parecem confirmar. Num artigo publicado nesta quarta-feira no jornal britânico The Guardian, citando dados do Centro de Pesquisa de Energia e Ar Limpo (Crea, na sigla inglesa), que analisou a presença de NO2 e de partículas finas nos ares de China, referia-se que o país está já “com os mesmos níveis de há um ano”. “No pico da resposta do país ao coronavírus, no início de Março, os níveis de NO2 desceram até 38% comparando com 2019, e os das partículas finas diminuíram em 34%”, refere-se no artigo, no qual também se diz que “a Europa deverá ir pelo mesmo caminho”.

Mais polinizadores
Mas estes factores, ainda que temporários, tiveram consequências que já não desaparecem. Há estimativas que apontam para o número de vidas que foram salvas directamente pela melhoria da qualidade do ar e, por cá, a presidente da Quercus, Paula Nunes da Silva, realça outro aspecto: “A diminuição da poluição atmosférica, associada ao facto de este ano ter chovido mais, levou a um aumento dos polinizadores.” Também ela salienta que estes efeitos são pouco mais do que “momentâneos” e pouco significarão para o enriquecimento da biodiversidade a longo prazo, mas, para já, podemos contar com este pequeno aumento.

Como podemos contar com algum reavivar de alguma flora, que beneficiou da paragem de corte de muitos matos pelo país. “Toda a gente andou a fotografar a erva-língua, uma orquídea selvagem portuguesa. Não é que ela não exista, mas este ano estava por todo o lado, por não haver estes cortes”, diz Nuno Gomes Oliveira, da FAPAS, salientando: “Estes pequenos benefícios para a flora permitem que haja mais sementes, o que contribui para o futuro destas plantas e para alimentar abelhas e outros insectos. Mas, vamos sempre dar ao mesmo — é uma questão episódica. O que era bom era a gente tirar lições e perceber que se não mantivermos os relvados tipo carecada militar, deixamos crescer flora espontânea, aumentamos a biodiversidade e damos alimento aos polinizadores.”

Ana Brazão, do Geota — Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente, diz que também gostava que a actual pandemia servisse para as pessoas perceberem que a interferência nos ecossistemas, sobretudo com grandes obras, como barragens, “reduzem drasticamente habitats e isso torna-nos mais vulneráveis a entrarmos em contacto com vírus que sempre existiram na vida selvagem, mas para os quais não estamos preparados”. Especialista em rios, a responsável da Geota diz que o facto de o confinamento ter acontecido numa época húmida, em que os caudais são mais volumosos, não deixa prever grandes alterações nessas massas de água, embora seja previsível que também eles possam ter tido “níveis de poluição mais reduzidos”.

Do lado dos factores positivos, Domingos Leitão, da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), salienta “algumas informações que dão conta que nas praias e nas zonas dunares, como na Ria Formosa, espécies como a chilreta e os borrelhos estão a ocupar áreas maiores do que nos anos anteriores”, mas com a salvaguarda de que o confinamento também impediu a presença nos terrenos dos técnicos e voluntários que monitorizam as aves, pelo que os dados são escassos.
Já a apetência pelos temas da natureza e da conservação das espécies foram notados por ele e também pela presidente da Quercus e destacados por ambos como factores positivos deixados pelos últimos meses.

Pelo lado negativo, além do receio do que aí vem, e da incapacidade de impedir um retrocesso total no que de bom foi conseguido, o aspecto mais salientado é o que se prende com os resíduos. Susana Fonseca, da Zero, e Carmen Lima, da Quercus, destacam o aumento do uso de descartáveis, e a paragem, em alguns locais, da recolha selectiva, como os grandes factores negativos da pandemia. Com a segunda a mostrar-se mais pessimista do que a primeira. “Levámos anos a introduzir hábitos de reciclagem e agora houve um retrocesso na mensagem passada.”

“Tudo é pouco seguro”, sintetiza Jorge Palmeirim, acrescentando: “Todos os grandes impactos a longo prazo estão muito dependentes da opinião pública e da sua capacidade de influenciar políticas. Se ela for a que existe agora, teríamos saltos positivos. Vamos ver até que ponto.”

Isabel Jonet: “Voltou a haver barracas em Lisboa”

Graça Franco (Renascença) e Helena Pereira (Público), in RR

Em entrevista à Renascença e ao diário "Público", Isabel Jonet deixa alertas sobre riscos de exclusão social e agravamento das condições de habitação. A presidente do Banco Alimentar mostra-se, ainda, preocupada com as consequências do ensino à distância na exclusão social e defende abertura de todas as escolas no próximo ano lectivo. Chama também a atenção para a "estigmatização" de certos bairros sociais.

A presidente do Banco Alimentar, Isabel Jonet, faz, em entrevista à Renascença e ao diário "Público", o balanço da última campanha que, por não ter podido contar com voluntários, recolheu menos toneladas de alimentos do que era habitual.

Isaebl Jonet deixa alertas sobre riscos de exclusão social e agravamento das condições de habitação. A presidente do Banco Alimentar mostra-se, ainda, preocupada com as consequências do ensino à distância na exclusão social e defende abertura de todas as escolas no próximo ano lectivo. Chama também a atenção para a "estigmatização" de certos bairros sociais.

Que balanço que faz da campanha do Banco Alimentar (BA) “Ajude a preencher este vazio”? Preencheu?
Este apelo foi muito correspondido por quem doou alimentos através do site e dos vales mas também através de milhares de donativos. Fizeram-nos falta os nossos voluntários. Foi a primeira vez que não tivemos a presença física de voluntários, os 42 mil voluntários na rua que convidam as pessoas que vão às compras. Ainda falta que as cadeias de distribuição nos enviem os resultados finais dos vales, mas os resultados são animadores. A campanha na Internet mais do que duplicou: foram recolhidas mais de 180 toneladas. Mas nada disto é comparável com as quase 3 mil toneladas de alimentos que eram recolhidas fisicamente.

Quantas pessoas por dia procuram o BA?
Em Fevereiro, tínhamos 380 mil pessoas que eram ajudadas pelos 21 BA através de uma rede de 2600 instituições. De um dia para o outro, isto tudo mudou. Há muitas famílias que ficaram com as suas vidas viradas do avesso. Um conjunto larguíssimo de pessoas ficou impedido de trabalhar e ficou com os filhos em casa. Tivemos uma dupla pressão na sociedade. Agora, tinham que estar em casa, não tinham dinheiro e tinham que alimentar os filhos que deixaram de comer na creche, no infantário ou na escola. No dia 20 de Março, lançámos a rede de emergência alimentar para que não falhasse a ajuda a estes 380 mil (a maioria, em situação de pobreza estrutural) e ajudasse as 60 mil pessoas a mais que se vieram juntar, pessoas que ficaram sem emprego e que ficaram em layoff e ainda não receberam.

Esta crise revelou novas bolsas de dificuldades? Em que regiões e em que sectores?
Ainda estamos para ver as consequências totais, mas trouxe no imediato bolsas grandes de pobreza nas regiões a que já estamos habituados, Lisboa, Setúbal, o Algarve, o Grande Porto. Trouxe uma pobreza conjuntural muito severa e nunca tínhamos tido em Portugal, nem no tempo da crise de 2009/2010. Atingiu famílias que não estavam habituadas a lidar com esta situação, famílias mais novas com crianças em casa, provocando uma maior exclusão social até no acesso à educação. Estas famílias tinham que ter os filhos a frequentar aulas que obrigavam a ter computador, Internet e espaço em casa para as crianças poderem estar. Isto trouxe uma clivagem no acesso à educação, que é um direito absolutamente fundamental. Não haveria alternativa? Talvez não houvesse, mas é urgente reparar esta situação que vivemos hoje. Isto vai ter consequências muito graves no próximo ano lectivo. Temos crianças que puderam acompanhar as aulas quase de forma pacífica e temos outras crianças que não puderam de todo.
Que devia ser feito agora? O Governo já anunciou que o próximo ano lectivo deve ser dual, com aulas presenciais e à distância.
Deixo o alerta que esta situação de clivagem no acesso à educação deve ser olhada de forma realista e com muito cuidado. Não há hipótese de estas crianças frequentarem o ensino. Então, o que temos que fazer? Mais vale abrir as escolas e perceber que os efeitos a longo prazo serão muito superiores ao eventual risco [de saúde pública] que pode existir. A situação dos pais destas crianças não está resolvida nem estará. Tudo isto vai demorar muito tempo tal como vai demorar muito tempo à economia a pôr-se em marcha ao ritmo necessário para permitir que estas famílias voltem a ter a sua situação equilibrada. Uma situação conjuntural de pobreza como esta tem que ter medidas excepcionais. Estas famílias e estas crianças têm que ser apoiadas de forma integral para que não se sintam excluídas. Quando se diz que este foi um vírus democrático, não foi nada democrático. Embora os vírus e as doenças possam matar os ricos e os pobres, os mais vulneráveis são as pessoas que vivem em condições piores, andam de transportes públicos, os filhos não têm acesso a computador. Numa altura de emergência, estas pessoas têm que ser ajudadas e quem tem que ajudar é o Estado, é a sociedade civil e a ajuda deve ser quase um a um porque todas estas famílias são diferentes. Temos desde os feirantes aos higienistas, desde os motoristas de táxi a personal trainers, empregadas domésticas, sector cultural.

O alargamento do rendimento mínimo garantido pode ser uma solução?
Sim, é preciso dar dinheiro às pessoas até para gerar riqueza na economia. Tem que se ajudar as pessoas, dando verbas com os controlos que sejam necessários embora no início é preciso aligeirar [o controlo]. É preciso, por exemplo, que todas as pessoas que já requereram a situação de lay-off ou apoios e que estão desesperadas há três meses à espera possam ter acesso a isto até para terem balões de oxigénio que gerem alguma esperança. Também é bom não esquecer que, em Portugal, temos 4,5 milhões de pensionistas. Há aqui um conjunto de pessoas que podem ser consumidores que também se pode ajudar a dinamizar a economia. Hoje, só se fala dos fundos [europeus] que vão vir mas não podemos estar só a falar do ouro do Brasil quando a caravela ainda está a meio do oceano. É urgente ajudar hoje pessoas que estão em situação de emergência.

Quantas pessoas são?
Já falei com a ministra do Trabalho sobre um programa que já aí está e que com facilidade se pode rapidamente ajudar desde que os serviços aceitem as ideias de quem decide e que não combatam com uma certa passividade algumas medidas que podem ser tomadas. Estou a falar do fundo europeu de apoio aos carenciados, cujas regras têm que ser revisitadas. Já foi alargado mas pode ser muito melhor aproveitado para levar esta ajuda de emergência. Só não muda de ideias quem as não tem. Em Portugal, há 1 milhão de pessoas que vive com menos de 250 euros por mês e dois milhões que vivem com menos de 450 euros por mês. Agora, houve muitos que ficaram com zero.

Pandemia da pobreza
Pedidos de comida triplicam em Loures e há quem vá buscá-la da Amadora a Lisboa

O que pensa sobre o facto de se divulgarem os locais onde há surtos de covid-19 quando esses locais são bairros sociais ou bairros ilegais? Isto não estigmatiza as pessoas que foram afectadas pelo vírus e que antes já tinham sido afectadas pela pobreza?
Não só estigmatiza como dá um medo tremendo, o que pode dar lugar a uma grande insegurança. Não podemos deixar, de maneira nenhuma, que se gere insegurança social.

Houve irresponsabilidade da parte dos políticos?
Não há irresponsabilidade. Os políticos sentem uma necessidade de estar constantemente a revelar números e dados continuamente até pela pressão mediática. Este grau de transparência é excessivo. A pouco e pouco, há que criar uma imunidade colectiva que nos permita seguir em frente e abordar o próximo Inverno e não pode haver pessoas estigmatizadas.

O gestor António Costa Silva está a fazer, a pedido do Governo, um plano para a recuperação da economia. Se ele viesse falar consigo, que alertas lhe faria para ter em conta no seu programa?
Gostava imenso que ele viesse falar comigo e que visitasse um bairro social comigo para saber o que é preciso não descurar: as pessoas que querem pertencer de forma integral e como agentes activos na sociedade e muitas vezes estão impedidas porque nem sequer estão legais e têm que trabalhar na clandestinidade. Esta crise afectou imenso as pessoas da economia informal. Temos uma economia informal fortíssima que ninguém quer ver.

Estes bairros estão a aumentar ou a diminuir?
A aumentar muito. Na margem sul, com a subida de rendas, os bairros muito difíceis e degradados, como o Segundo Torrão que teve um acréscimo do número de barracas muito substancial. Voltou a haver barracas em Lisboa porque as pessoas tiveram que largar a sua casa e vivem em condições muito precárias.

“É preciso contrariar a ideia de que os pobres vão ficar mais pobres depois da crise”

Ângela Roque (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia), RR

Ligado à Pastoral Social, Cáritas e Comissão Nacional Justiça e Paz, José Manuel Pereira de Almeida, vice-reitor da Católica, fala da “vitalidade” com que as instituições da Igreja têm conseguido responder aos pedidos de ajuda, para evitar “que o poço se torne ainda mais fundo”. Confia na “mobilização dos serviços públicos” para responder à crise e diz que os bispos foram “exemplares” na colaboração com as autoridades de saúde.

Médico de formação, José Manuel Pereira de Almeida é vice-reitor da Universidade Católica Portuguesa, secretário da Comissão Episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Humana, assistente da Cáritas e da Comissão Nacional Justiça e Paz e padre no centro de Lisboa. Em entrevista à Renascença e à agência Ecclesia, conta que também na sua paróquia os pedidos de ajuda aumentaram “mais de 50%” e fala da capacidade de resposta que as instituições sociais da Igreja têm tido para apoiar quem precisa.

Sobre o “Ano Laudato Si”, convocado pelo Papa, diz que não podia ser mais oportuno, porque é urgente uma economia “para as pessoas e não para o lucro”, e acha que a sociedade, em geral, “precisa de uma formação ética mais aprofundada”. Fala, ainda, do entusiasmo com que se retomaram as celebrações comunitárias, e dos desafios que a pandemia trouxe, não só em termos de pastoral social, mas também de acompanhamento espiritual.

É pároco em Santa Isabel. Como é que foi voltar a celebrar com fiéis, em comunidade, desde o último fim de semana?
Foi uma experiência esperada, e como as coisas que se esperam muito e são muito desejadas e correm bem, foi um grande entusiasmo.
Nós pedimos autorização para poder celebrar no espaço público à frente da igreja, é um pequeno largo, já destes rearranjados, e que teve a possibilidade de, no horário habitual das missas, acolher o número de fiéis que viessem, sem outras restrições.
Porque mesmo correspondendo aos dois metros à volta de cada pessoa, ou de cada família, temos uma área possível de acolher um número de pessoas maior do que os que habitualmente vêm numa celebração grande em Santa Isabel, em que a igreja, que não é pequena, fica cheia. Correu muito bem, com grande entusiasmo das pessoas, mas também dos padres, quer o padre João Euleutério quer eu, porque não é fácil estar dois meses e meio a celebrar sem fiéis.

Este tempo de confinamento foi um tempo de “proximidade na distância”. Sobre a capacidade de resposta da Igreja, com recurso a transmissões online, pela internet e pelas redes sociais, o que é que fica de ensinamento e de aprendizagem, de mudança na comunicação com as comunidades crentes?
Creio que aprendemos muita coisa. Pode ser que não se dê ainda conta agora dos ensinamentos que recolhemos desta experiência, para que quando se voltar à normalidade - o que quer que isso seja - não volte tudo a ser como era dantes, que haja coisas novas.
Por exemplo, a valorização da Igreja doméstica: muitas vezes enaltecida, sob o ponto de vista mais abstrato do que no concreto, desta vez as experiências das famílias nas casas, quando correu bem, correu muito bem. Claro que também há dificuldades e a questão da relação em permanência de todos os membros da família implica, eventualmente, situações de conflito. Mas, até o conflito é chamado a ser lugar de crescimento de humanidade, de aprendizagem na resolução pacífica dos conflitos.
Por outro lado, creio que os nossos bispos foram exemplares no que diz respeito à relação com a autoridade de saúde, que em Portugal é a Direção Geral da Saúde, no adequar as circunstâncias. Aliás, antecipámo-nos, naquele terceiro domingo da Quaresma, para que em Portugal, como tem sido até agora - e espero que em Lisboa os últimos acontecimentos não desmintam – haja um comportamento em que se procura cuidar dos mais vulneráveis da forma como temos sabido cuidar no Serviço Nacional de Saúde. Claro que quando se diz os mais vulneráveis, sob o ponto de vista de saúde, também é importante recordar todas as situações em que os pobres ficaram mais pobres, e há que recorrer a todos os meios para ajudar. Isso aconteceu na paróquia de Santa Isabel - e estou convencido que em todas as comunidades - os voluntários continuaram a sair à rua e a levar alimentos a quem mais precisava, para que a dificuldade por que passam seja minorada, tanto quanto de nós depende. E depende muito.
"Estamos todos conscientes que a situação não é fácil. Mas estou confiante na capacidade de mobilização dos serviços e responsabilidades públicos e também da comunidade cristã"

A crise social e económica agravou-se com a pandemia. Também sentiram isso na sua paróquia, os pedidos de ajuda aumentaram?
Aumentaram. Não digo tanto as pessoas abrangidas pela conferência vicentina, que distribui os bens do Banco Alimentar e da comunidade, enquanto tal, mas num grupo de proximidade que nós chamamos “Família a família”, que no fundo é outra componente da Cáritas paroquial e que apoia famílias insuspeitas de situação de carência, no sentido daquilo que se chama habitualmente a “pobreza envergonhada”. Essas situações sim, aumentaram entre nós, atrevia-me a dizer mais de 50%.

Todas as instituições solidárias dizem que estão a receber mais pedidos de auxílio, e muitos são de pessoas que sempre trabalharam, mas que agora, sem esses rendimentos habituais, estão a pedir ajuda às instituições pela primeira vez na vida. Isto também é um desafio para as instituições católicas?
Absolutamente, e creio que estamos capazes de responder. Eu acompanho quer a Cáritas diocesana de Lisboa, quer a Cáritas Portuguesa, e suponho que os programas que, entretanto, foram desenvolvidos pretendem responder a essas necessidades.
Curiosamente, as paróquias até agora - pelo menos essa é a experiência em Lisboa - têm procurado, tanto quanto delas depende, conseguir responder e deixando para uma segunda etapa o pedido de apoio à Cáritas do Patriarcado.
Na Cáritas Portuguesa sente-se do mesmo modo: algumas cáritas diocesanas ainda não se socorreram dos projetos existentes a nível nacional. Portanto, não temos até agora grandes números para poder dizer à comunicação social, com segurança, se estamos em 40% a mais... calculamos que é mais ou menos assim, mas isso supõe que há muito de subsidariedade neste sistema, o que não é mau de todo, pelo contrário, é sinal da vitalidade da proximidade e da solicitude.

Nestes meses de pandemia voltou a falar-se de “novos pobres”, e de “fome”, em vários setores. Isabel Jonet dizia, quinta-feira na Renascença que voltou a haver barracas em Lisboa. A situação social não permite distrações em termos de ajuda pública?
É claro, e creio que estamos todos conscientes disso, que a situação não é fácil. Mas estou confiante em termos da capacidade de mobilização dos serviços públicos, das responsabilidades públicas a este propósito, e também da comunidade cristã.
O Encontro Nacional da Pastoral Social, que deveria realizar-se em outubro deste ano, foi adiado para o mesmo mês de 2021. Que alternativas de reflexão podem existir neste espaço de tempo?
Foi-nos proposto pelo Papa o “Ano Laudato Si”, o que reflete a urgência da necessidade de reflexão sobre as questões abordadas pela encíclica, utilizando esse binómio: ouvir e responder ao grito da terra, ouvir e responder ao grito dos pobres.
Creio que, de uma maneira ou de outra, as situações em que nos encontramos também permitem uma extensão da reflexão, com os meios informáticos, à distância, que temos ao dispor. Agradeço, aliás, à Renascença, a possibilidade de a missa das 11h00, em Santa Isabel, ter sido sempre transmitida, desde o III Domingo da Quaresma, ao Domingo da Ascensão.

Este ano especial “Laudato Si” liga-se ao projeto “A Economia de Francisco”, em que a Universidade Católica Portuguesa está envolvida. Que desafios traz este novo paradigma para a instituição?
A Universidade Católica Portuguesa e as outras instituições que se mobilizaram a este propósito têm sido um lugar onde emerge a reflexão proposta pelo Papa: a Economia é para as pessoas e não para o lucro, portanto é preciso trazer as pessoas para o centro. Perceber que as pessoas são mais importantes do que os números.
Até a raiz da palavra economia diz respeito à “lei da casa”, para que as pessoas vivam melhor na casa comum que é a nossa. É um desafio permanente, em termos de outra maneira de entender a economia, mas não estamos sozinhos, há 50 jovens (portugueses) que participam neste encontro de Assis. Mesmo depois de ter sido adiado, em março, têm continuado os seus encontros e a sua reflexão, isso tem sido muito oportuno.
"Esta ideia de que, depois da crise, os pobres vão ficar mais pobres tem de ser contrariada por todos os meios existentes. E há muitos modos de corrigir as desigualdades, para que o poço não se torne ainda mais fundo, como tudo indica"

É também assistente da Comissão Nacional Justiça e Paz, que emitiu recentemente uma nota a apelar à responsabilidade social das empresas, para que dividendos e prémio empresariais sejam canalizados para quem mais precisa. É importante despertar as consciências para a necessidade de perceber que nem tudo o que é legal é legítimo?
Essa foi uma das frases da mensagem, há coisas que podem ser legais, mas não legítimas, sob o ponto de vista ético. Esta ideia de que, depois da crise, os pobres vão ficar mais pobres tem de ser contrariada por todos os meios existentes. E há muitos modos de corrigir as desigualdades, para que o poço não se torne ainda mais fundo, como tudo indica.

Uma das questões mais faladas tem a ver com a “indignação” perante as notícias que dão conta de “prémios de gestão ou distribuição de dividendos”, em particular no Novo Banco, em contraste com os sacrifícios que a sociedade portuguesa atravessa. É um setor que precisa de maior ética?
A sociedade, em geral, precisa de uma formação ética mais aprofundada, ou seja, deixámo-nos contagiar com uma forma de encarar as coisas com um certo indiferentismo, corremos o risco de nos habituarmos à ideia de que as coisas são como são. Ora, elas só são como são se nós não fizermos diferente, se não procurarmos esta árdua tarefa de ler a realidade e de a confrontarmos com o que é desejável, o que é preferível, no que diz respeito a sermos verdadeiramente atentos ao bem do outro, porque é bem e não porque eu ganho alguma coisa com isso. É uma formação que se tem de fazer, desde a mais tenra idade.

A atual situação trouxe muitos desafios à Igreja, em termos de pastoral social, mas também de acompanhamento espiritual. Com muitas restrições nos velórios e funerais, este tempo que passou deixou muitas feridas abertas neste campo. A Igreja podia ter feito mais para acompanhar as pessoas nestes momentos difíceis?
Da minha experiência pessoal, creio que as coisas correram da melhor maneira possível, no sentido de que eram poucas pessoas, mas nunca deixei de acompanhar, nunca se deixou de poder celebrar a vida, tão ameaçada nestes tempos.

Claro que a saudade tem menos espaço para se poder exprimir, por trás de máscaras. Também vamos aprendendo o tipo de explicitação dos nossos sentimentos e da partilha das nossas emoções. Dizem-me que há famílias muito feridas, com situações mais asséticas, quase de comportamentos cristalizados. Não foi essa a nossa experiência em Santa Isabel.

Muitas pessoas ainda não encontraram um sentido para o que está a acontecer. Estamos perante uma crise não só económica, mas também espiritual, uma crise de sentido e de esperança. Qual deve ser o papel da Igreja Católica?
Algumas pessoas com quem tenho conversado, sempre com limites, vivem situações como as que refere. Precisamos de acompanhamento, não para ensinar quem não sabe – como se nós soubéssemos -, mas para aprendermos uns dos outros como se faz este caminho, no meio da incerteza. A Igreja Católica tem um lugar, fundamentalmente de cuidado, do acolhimento, do não julgar, do partir, com confiança, porque essa confiança está na base da nossa experiência de fé.