Rita Tavares, in o Observador
A crise provocada pela pandemia da Covid-19 colocou pressão adicional sobre as famílias que ao verem afetado o rendimento podem recorrer ao trabalho infantil, advertem OIT e UNICEF.
Enquanto dormia - o Miguel Pinheiro ou a Filomena Martins preparam para si um guia resumido do que se passa, logo de manhã pelas 9h00, todos os dias úteis.
Nos últimos 20 anos, 100 milhões de crianças foram retiradas do circuito do trabalho infantil, mas a pandemia da Covid-19 veio pôr em risco essa conquista. “Como a pandemia causa estragos no rendimento familiar, sem apoio, muitas famílias podem recorrer ao trabalho infantil”, afirmou o diretor-geral da OIT, Guy Ryder, a propósito do relatório conjunto da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).
O estudo enviado ao Observador — “COVID-19: Proteger as crianças do trabalho infantil, agora mais que nunca!” — é divulgado na data em que se celebra o dia mundial contra o trabalho infantil e recorre ao que foi feito desde 2000 para alertar para os riscos trazidos pela atual situação pandémica. E isto porque, desde 2000, o número de 246 milhões de crianças exploradas pelo trabalho infantil baixou para os 152 milhões (os dados mais recentes são de 2016) e o receio destas entidades é que agora essa tendência de descida possa ser revertida, comprometendo a meta de se acabar com o trabalho infantil até ao final do próximo ano.
“Muitas crianças em situação de trabalho infantil encontram-se agora em grande risco de ingressar em formas de trabalho mais ocultas, perigosas ou de trabalhar longas horas. A crise pode também empurrar milhões de crianças vulneráveis para o trabalho infantil tendo estas de contribuir para o rendimento familiar numa idade ainda muito jovem”, antevê-se no relatório. E o risco é tanto maior quanto mais vulnerável é a população em causa. Exemplo? “As meninas estão em situação de particular risco de virem a assumir ainda mais trabalho doméstico ou de prestação de cuidados, e, provavelmente, estão mais expostas a acidentes e a abusos físicos ou sexuais”.
Aliás, a lógica da vulnerabilidade social expor as crianças a um risco ainda maior de serem exploradas em termos laborais numa situação de crise, atravessa as conclusões apresentadas. “A desigualdade, a exclusão social e a discriminação, intensificadas pelas crises, tornam a situação ainda pior”, escrevem OIT e UNICEF. No foco está sobretudo quem trabalha na “economia informal e trabalhadores e trabalhadoras migrantes”, já que “são os que mais sofrerão com a recessão económica, com o aumento da informalidade e do desemprego, queda nos níveis de vida, impactos na saúde e sistemas de proteção social insuficientes, entre outras pressões”.
E um dos exemplos avançado como significativo para o avolumar deste risco é o encerramento das escolas, que as organizações estimam que “afetou mais de 90% do total de alunos matriculados ou cerca de 1,6 mil milhões de estudantes em todo o mundo. Com “quase metade do mundo sem acesso à internet”, o ensino à distância veio “deixar ainda mais para trás muitos alunos”. Por isso mesmo, o estudo alerta para o facto de este encerramento “suscita muitas preocupações em relação à vulnerabilidade” das crianças, que podem ser levadas a abandonar a escola antes da idade legal, para entrarem no mercado de trabalho. E que mesmo as que ainda não têm idade legar para trabalhar vão tender a procurar empregos, sobretudo atividades “informais e domésticas onde enfrentam riscos graves”.
Assim, as duas organizações recomendam um reforço da proteção social. “A proteção social é vital em tempos de crise, pois fornece assistência às pessoas mais vulneráveis”, afirma Guy Ryder. “A integração das preocupações sobre o trabalho infantil em políticas mais amplas de educação, proteção social, justiça, mercado de trabalho e dos direitos humanos e do trabalho internacionais pode ter uma importância crucial”, argumenta no comunicado enviado à comunicação social.
As medidas, argumentam no estudo, podem ir desde o alargamento de programas para reforçar os rendimentos dos mais vulneráveis, “aos apoios na área da saúde, emprego e segurança alimentar”. “Uma estratégia de longo prazo” para “fortalecer o sistema social” em cada um dos países. “São necessárias medidas para proteger as empresas, especialmente as pequenas e médias empresas, e os trabalhadores e trabalhadoras contra as perdas imediatas de empregos e de rendimentos”, advertem OIT e UNICEF.