Liliana Valente, in Expresso
Quem tem mais qualificações passou menos mal pelos efeitos da crise, tanto a nível de saúde como das suas consequências económicas. Foram os menos afetados pelo desemprego e os que melhor se adaptaram ao teletrabalho.
A pandemia não é democrática, nem na forma como atinge a população em termos de saúde pública, nem nas consequências económicas, têm revelado diferentes estudos e em Portugal os dados mostram resultados semelhantes: há uma franja de pessoas "duplamente protegidas" dos efeitos desta pandemia, que integra os trabalhadores mais qualificados.
O Laboratório Colaborativo para o Trabalho, Emprego e Proteção Social (COLABOR), analisou dados, fez entrevistas, cruzou informação e conta que “os mais escolarizados estão duplamente protegidos face aos efeitos da pandemia e da subsequente paragem da atividade económica. Mais protegidos face à perda de rendimentos que tem afetado uma fatia muito significativa da população e menos vulneráveis no seu quotidiano (tendo podido recorrer ao teletrabalho em maior escala, foram capazes de diminuir a sua exposição ao risco de contágio pela COVID-19)", escrevem os investigadores do ISCTE, CES e COLABOR no segundo estudo sobre "Trabalho e desigualdades no Grande Confinamento".
Os dados corroboram esta ideia. Dos mais qualificados, apenas 14% terá sido atingido pelo layoff e foi este grupo que "teve mais possibilidade de recorrer ao teletrabalho" (55%). O mesmo se verificou na questão dos rendimentos: 62% dos inquiridos com formação superior não perdeu rendimentos, “já metade daqueles que tem o secundário ou menos viram a sua situação financeira degradar-se", contam os investigadores Pedro Adão e Silva, Renato Miguel do Carmo, Frederico Cantante e outros.
O primeiro estudo sobre a resposta portuguesa nestes aspectos já tinha mostrado algumas tendências sobre como estava a crise a afectar os portugueses. Agora, esta segunda iniciativa cimenta essas descobertas e acrescenta-lhe algumas certezas, a começar pela destruição de emprego.
Não obstante as medidas de largo espectro, como o layoff simplificado, o nível de destruição de emprego em apenas dois meses (Março e Abril) não tem comparação. "Pese embora o nível de desemprego registado em Portugal esteja, ainda, distante do verificado no pico da crise anterior, a verdade é que o ritmo de destruição de emprego num tão curto espaço de tempo não encontra paralelo recente”, escrevem os investigadores. Aliás, a existência destes dados ao mesmo tempo que existe o layoff não deixa os investigadores descansados, consideram, bem pelo contrário, que "esta dinâmica do crescimento do desemprego num curtíssimo espaço de tempo é particularmente preocupante pois ocorre num contexto em que o Estado respondeu com uma bateria de políticas públicas destinadas, directa ou indirectamente, a manter os níveis de emprego”. Ou seja, as medidas travaram um cenário pior, mas o existente já é negro.
Para se ter uma ideia da dimensão do emprego destruído, contam, é preciso perceber que 70% do que foi destruído em dois meses compara com o que se perdeu no período negro de 2008/2009.
Em termos de destruição de emprego, também há diferenças a assinalar, nomeadamente que o setor do turismo foi o mais afectado, bem como a região do Algarve.
O estudo, que se debruçou sobre as mais diferentes dimensões, diz que há várias tendências que se manifestam, nomeadamente "o ritmo sem paralelo de destruição de emprego", a "abrangência ímpar do regime de layout, passando, claro, pelo padrão multidimensional de desigualdade, que em boa medida reproduz e agudiza assimetrias pre-existentes no mercado de trabalho, revelando a natureza não-democrática da COVID 19 (isto é, a forma como social e economicamente a pandemia afecta mais uns grupos do que outros)".
No que ao regime de layoff diz respeito, os investigadores notam uma desaceleração do recurso a este regime e há ainda um dado importante: em termos relativos, serviu mais as grandes empresas do que as mais pequenas. "Além de auferirem, em média, remunerações mais baixas, os trabalhadores das empresas de menor dimensão estão também a ser menos protegidos por esta política directamente vocacionada para a manutenção do nível de emprego”, lê-se no relatório.
Mil e uma maneiras de ver o teletrabalho
O estudo nota que tem havido um "tremendo esforço" de adaptação ao teletrabalho e que esse esforço depende muito da "configuração do próprio agregado familiar e também das diferentes condições socioeconómicas e habitacionais" dos trabalhadores. É por isso, notam, que há experiências muito diferentes de teletrabalho. Há "experiências muito negativas" e outras "positivas".
Da avaliação feita, os investigadores referem que há "limites e riscos na adoção do teletrabalho, nomeadamente no que respeita aos ritmos de trabalho e à delimitação entre tempos de trabalho e tempos de descanso e dedicados à vida pessoal", uma vez que chegaram à conclusão que "quase metade dos trabalhadores sentia-se insatisfeito a trabalhar em casa por comparação com a sua situação habitual".
Apesar das dificuldades, não têm dúvidas que "é importante perceber que o teletrabalho compreende um conjunto de riscos e de constrangimentos, mas que, ao mesmo tempo, pode abrir um conjunto de potencialidades que deverão ser debatidas e refletidas no sentido de alicerçarem as necessárias políticas públicas", lê-se no estudo.