Sérgio Aníbal, in Público on-line
Comité dos Direitos Sociais do Conselho da Europa considera que Portugal está a violar o compromisso que assumiu de promover a igualdade de género a nível salarial. A legislação é adequada e as medidas tomadas pelas autoridades são reconhecidas, mas a desigualdade persiste.
A legislação em vigor até pode ser a mais adequada mas, na prática, não foi feito o suficiente pelas autoridades portuguesas para garantir uma verdadeira igualdade de rendimentos entre homens e mulheres e, por isso, Portugal foi considerado como estando em violação da Carta Social Europeia adoptada pelo país há quase 20 anos.
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Num relatório publicado este domingo à noite, o Comité de Direitos Sociais do Conselho da Europa, o órgão encarregue de verificar se os países estão a cumprir a Carta Social Europeia Revista – assinada por Portugal em 1996, ratificada em 2001 e com entrada em vigor no país em Julho de 2002 – considerou que Portugal está em violação do Artigo 20.º c. da carta, que exige que se garanta o direito a oportunidades iguais e ao tratamento igual no emprego e em qualquer ocupação, sem discriminação por género, no que diz respeito ao salário.
O comité ilibou Portugal nas acusações relacionadas com a legislação em vigor e a sua aplicação prática, mas afirma que “as medidas adoptadas para promover oportunidades para homens e mulheres no que diz respeito ao salário são insuficientes e não resultaram num progresso visível”, o que acaba por constituir uma violação do previsto na carta.
A queixa contra Portugal, e contra 14 outros países que também adoptaram a Carta Social Europeia, foi feita em 2016 pela rede europeia de associações University Women of Europe (UWE).
Durante o decorrer do processo, assinala o relatório, as autoridades portuguesas sempre reconheceram a existência de uma diferença salarial entre homens e mulheres, algo que, aliás, é muito evidente nas estatísticas. No entanto, o Governo argumentou que, para além do disposto na legislação, estão a ser feitos todos os esforços possíveis para reduzir efectivamente esta desigualdade, destacando em particular o aumento do número de casos que são julgados em tribunal, as iniciativas de fiscalização da Autoridade para as Condições do Trabalho e as acções de formação e sensibilização realizadas. O executivo português considerou, por isso, que as diversas acusações feitas pela UWE eram infundadas.
Os membros do comité, por uma maioria de 12 contra três, não concordaram com as autoridades portuguesas quando procuraram avaliar se “foram tomadas as medidas necessárias para promover oportunidades iguais entre os homens e as mulheres no que diz respeito à igualdade dos salários”. E justificaram essa discordância com números. “O diferencial salarial de género, que é um indicador que revela se essas medidas foram bem-sucedidas, cresceu consideravelmente entre 2010 e 2016 e começou a baixar ligeiramente a partir de 2017. Ainda existe uma segregação significativa no mercado de trabalho e não tem havido uma redução clara e sustentada no diferencial salarial. As acções lançadas pelo Governo não resultaram, portanto, em progressos visíveis suficientes nesta área”, afirma o relatório onde é apresentada a decisão.
Utilizando os números publicados pelo Eurostat, o comité assinala que, se em 2010, os salários por hora das mulheres eram 12,8% inferiores aos dos homens, em 2017, apesar de se ter iniciado entretanto uma trajectória descendente, essa diferença era mais alta, de 16,3%.
Isto é, apesar de reconhecer que as autoridades portuguesas adoptaram medidas, a verdade é que a evolução dos indicadores estatísticos não revela ainda a existência de uma verdadeira melhoria.
Portugal não está sozinho neste incumprimento. Para além de Portugal, o comité analisou a situação em mais 14 países – Bélgica, Bulgária, Croácia, República Checa, Chipre, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Itália, Países Baixos, Noruega, Eslovénia e Suécia – e todos, excepto a Suécia, foram também considerados como estando em violação da Carta Social Europeia a este nível.
Portugal teve uma pequena vitória na decisão do Comité dos Direitos Sociais. Na queixa, o país era também acusado de não assegurar uma representação equilibrada das mulheres em posições de decisão nas empresas privadas. Neste caso, os membros do comité consideraram que os progressos registados foram o suficiente para considerar que Portugal não está em violação. Isto apesar de, segundo os dados divulgados este domingo pelo índice Leading Together, apenas oito mulheres terem actualmente cargos na comissão executiva no universo das empresas pertencentes ao índice PSI-20, num total de 76 administradores.