in JN
A Associação Quebrar o Silêncio, de apoio a homens vítimas de abuso sexual, recebeu 371 pedidos de ajuda nos últimos quatro anos, e o número de pedidos aumentou 21% só no último ano, destacando-se os casos com homens adultos.
A associação completa hoje quatro anos e, por ocasião do aniversário, o presidente da Quebrar o Silêncio adiantou à agência Lusa que, desde 2016, recebeu 371 pedidos de ajuda da parte de homens e jovens vítimas de abuso sexual, algo que considera ser "uma evolução positiva".
"No ano passado [2019], registámos 99 pedidos de ajuda de homens, neste ano [2020] registamos 120 e temos notado que apesar de a grande maioria dos casos que chegam até nós serem homens na casa dos 35 anos, também temos notado alguns pedidos por jovens na casa dos 20, o que também para nós é importante perceber porque estamos a chegar a outro público, a outros homens que precisam do nosso apoio", destacou Ângelo Fernandes.
De acordo com o responsável, a maioria dos homens que procura a ajuda da associação tem à volta de 35 anos, o que significa que passou "cerca de 20 anos em silêncio por causa do abuso" de que foi vítima. "Quando vemos que há jovens na casa dos 20 anos que nos pedem ajuda parece-nos positivo porque estamos a encurtar o longo período de silêncio", sublinhou.
Ângelo Fernandes explicou que, na maior parte dos casos dos homens e rapazes que procuram a ajuda da associação, o abuso aconteceu durante a infância, mas há também situações em que o abuso aconteceu já durante a adolescência ou até mesmo na fase adulta.
Casos com homens adultos continuam a ser residuais, andam na "casa dos 5% a 10% dos nossos casos, mas se pensarmos que no primeiro ano não havia sequer essa percentagem, já começa a indicar que há aqui uma mudança", salientou.
De acordo com Ângelo Fernandes, também ele uma vítima deste tipo de crime, quem chega à Quebrar o Silêncio procura vários tipos de ajuda, e se há quem queira partilhar a sua história e confirmar se o seu caso foi ou não de abuso sexual - "porque acreditam que os homens não podem ser vítimas de violência sexual" - outros procuram apoio psicológico para conseguir ultrapassar as consequências traumáticas.
"Nós precisamos cada vez mais de trazer para a conversa, quando falamos de violência sexual, esta dimensão traumática que esta experiência teve nas vítimas e que o apoio psicológico especializado ajuda a ultrapassar as consequências", apontou o responsável.
No global, Ângelo Fernandes considera positiva a evolução que a associação tem feito tendo em conta a diversidade cada vez maior de casos que chegam, apontando que "à medida que os homens vão conhecendo esta realidade" e percebem que existem outros homens que também foram abusados, mais facilmente pedem ajuda.
"É muito positivo porque significa que a nossa mensagem está a passar, a chegar a mais homens, e cada vez mais cedo conseguem perceber que não estão sozinhos e que há alguém que pode ajudá-los a ultrapassar estas consequências", sublinhou.
Na opinião do presidente da associação, também tem ajudado os testemunhos de vítimas que estão no 'site' da Quebrar o Silêncio, graças aos quais há "quase sempre um efeito bola de neve": "Um homem que testemunha ajuda sempre outros a fazer o mesmo porque assim percebem que não estão sozinhos".
Atualmente, a associação ajuda semanalmente 21 homens vítimas de violência sexual com apoio psicológico, registando-se mensalmente uma média de 10 novos pedidos de apoio, que tanto pode ser feito pela própria vítima, como por familiares ou amigos que queiram ajudar.
"Nos últimos meses temos registado mais ou menos cerca de 20 a 24 atendimentos regulares por mês, ou seja, homens que todas as semanas têm apoio psicológico regular connosco. No passado tínhamos 14, 15 apoios regulares por mês, neste momento estamos com entre 20 a 24, portanto é quase o dobro", destacou.
Para 2021, Ângelo Fernandes tem já uma série de projetos em vista, nomeadamente o lançamento de um guia para a comunicação social com orientações para a elaboração de notícias sobre violência sexual, a realização de 'workshops' para pais e mães sobre como prevenir e agir em caso de suspeita, além de uma ação de formação para profissionais educativos, já que, como sublinhou, "uma em cada cinco crianças é vítima de violência sexual".
Apesar do trabalho feito, Ângelo Fernandes não tem dúvidas em afirmar que ainda há muito por fazer: "Em termos sociais ainda falta muito por conquistar, ainda falta muito para reconhecer e aceitar que os homens também podem ser vítima de violência sexual".
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19.1.21
Associação ajudou mais de 300 homens vítimas de abusos sexuais em quatro anos
6.1.21
Homens ocupam 85% dos cargos de topo nas empresas portuguesas
A remuneração fixa dos homens é superior em 20% à das mulheres, sinaliza estudo da Mercer.
Os homens continuam a liderar cargos de topo nas empresas portuguesas, correspondendo a 85% dos membros dos órgãos de administração e fiscalização, segundo um estudo sobre a remuneração de executivos de topo da consultora Mercer, divulgado esta quarta-feira.
De acordo com o estudo, embora, comparativamente a 2017, esta diferença tenha diminuído ligeiramente, “as mulheres continuam sub-representadas nos papéis de liderança, demonstrando o desalinhamento existente na proporção entre homens e mulheres nomeados para estes cargos”.
A remuneração fixa dos homens é superior em 20% à das mulheres, sinaliza o estudo, que tem por base a participação de cerca de 55 empresas em Portugal, acrescentando que esta diferenciação verifica-se também no caso de ser incluída a remuneração variável, com o intervalo a aumentar para 30% neste caso.
A Mercer atenta em Portugal para a lei 62/2017, segundo a qual existe uma obrigatoriedade de cumprir os requerimentos dos reguladores que definem a proporção das pessoas de cada sexo designadas em razão das suas competências, aptidões, experiência e qualificações para os órgãos de administração e de fiscalização do sector público empresarial e das empresas cotadas em bolsa.
De acordo com o estudo, das empresas portuguesas cotadas participantes no estudo são identificados rácios entre 20% e 30%, sendo que em alguns casos não existe representação de ambos os sexos nos órgãos de administração.
De referir que a proporção de pessoas de cada sexo designadas para cada órgão de administração e de fiscalização de cada empresa não pode ser inferior a 33,3%.
Esta regra aplica-se desde 1 de Janeiro de 2018 para organizações do sector público empresarial e a partir de 1 de Janeiro de 2020 para empresas cotadas em bolsa.
Relativamente às diferentes componentes de remuneração, os administradores executivos representam, em média, uma remuneração variável anual com um peso de 45% face à remuneração fixa.
Já para os colaboradores, a componente variável não representa, em média, mais do que 13% da respectiva remuneração fixa.
Relativamente às diferenças salariais de remuneração fixa entre o presidente executivo e a média de colaboradores (excepto comissão executiva), verifica-se um rácio médio de 10 vezes.
Para o especialista da Mercer, Tiago Borges, citado numa nota da consultora, “esta informação ganha especial relevância após a aprovação da Lei n.º 50/2020, que define que deve ser apresentada pelas empresas cotadas a informação da remuneração média de trabalhadores a tempo inteiro (excluindo os membros dos órgãos de administração e de fiscalização) de modo a permitir a sua comparação.”
O estudo Remuneração de Executivos de Topo contou com a participação de 55 organizações, duplicando o número de participantes da edição anterior, realizada em 2017, à data com 28 participantes.
Das empresas participantes, oito integram o principal índice da bolsa nacional, o PSI-20.
Os homens continuam a liderar cargos de topo nas empresas portuguesas, correspondendo a 85% dos membros dos órgãos de administração e fiscalização, segundo um estudo sobre a remuneração de executivos de topo da consultora Mercer, divulgado esta quarta-feira.
De acordo com o estudo, embora, comparativamente a 2017, esta diferença tenha diminuído ligeiramente, “as mulheres continuam sub-representadas nos papéis de liderança, demonstrando o desalinhamento existente na proporção entre homens e mulheres nomeados para estes cargos”.
A remuneração fixa dos homens é superior em 20% à das mulheres, sinaliza o estudo, que tem por base a participação de cerca de 55 empresas em Portugal, acrescentando que esta diferenciação verifica-se também no caso de ser incluída a remuneração variável, com o intervalo a aumentar para 30% neste caso.
A Mercer atenta em Portugal para a lei 62/2017, segundo a qual existe uma obrigatoriedade de cumprir os requerimentos dos reguladores que definem a proporção das pessoas de cada sexo designadas em razão das suas competências, aptidões, experiência e qualificações para os órgãos de administração e de fiscalização do sector público empresarial e das empresas cotadas em bolsa.
De acordo com o estudo, das empresas portuguesas cotadas participantes no estudo são identificados rácios entre 20% e 30%, sendo que em alguns casos não existe representação de ambos os sexos nos órgãos de administração.
Esta regra aplica-se desde 1 de Janeiro de 2018 para organizações do sector público empresarial e a partir de 1 de Janeiro de 2020 para empresas cotadas em bolsa.
Relativamente às diferentes componentes de remuneração, os administradores executivos representam, em média, uma remuneração variável anual com um peso de 45% face à remuneração fixa.
Já para os colaboradores, a componente variável não representa, em média, mais do que 13% da respectiva remuneração fixa.
Para o especialista da Mercer, Tiago Borges, citado numa nota da consultora, “esta informação ganha especial relevância após a aprovação da Lei n.º 50/2020, que define que deve ser apresentada pelas empresas cotadas a informação da remuneração média de trabalhadores a tempo inteiro (excluindo os membros dos órgãos de administração e de fiscalização) de modo a permitir a sua comparação.”
O estudo Remuneração de Executivos de Topo contou com a participação de 55 organizações, duplicando o número de participantes da edição anterior, realizada em 2017, à data com 28 participantes.
Das empresas participantes, oito integram o principal índice da bolsa nacional, o PSI-20.
29.6.20
Portugal falhou na redução da disparidade salarial entre homens e mulheres
Sérgio Aníbal, in Público on-line
Comité dos Direitos Sociais do Conselho da Europa considera que Portugal está a violar o compromisso que assumiu de promover a igualdade de género a nível salarial. A legislação é adequada e as medidas tomadas pelas autoridades são reconhecidas, mas a desigualdade persiste.
A legislação em vigor até pode ser a mais adequada mas, na prática, não foi feito o suficiente pelas autoridades portuguesas para garantir uma verdadeira igualdade de rendimentos entre homens e mulheres e, por isso, Portugal foi considerado como estando em violação da Carta Social Europeia adoptada pelo país há quase 20 anos.
Tomei conhecimento que as newsletter editoriais poderão conter publicidade. Obrigatório
Num relatório publicado este domingo à noite, o Comité de Direitos Sociais do Conselho da Europa, o órgão encarregue de verificar se os países estão a cumprir a Carta Social Europeia Revista – assinada por Portugal em 1996, ratificada em 2001 e com entrada em vigor no país em Julho de 2002 – considerou que Portugal está em violação do Artigo 20.º c. da carta, que exige que se garanta o direito a oportunidades iguais e ao tratamento igual no emprego e em qualquer ocupação, sem discriminação por género, no que diz respeito ao salário.
O comité ilibou Portugal nas acusações relacionadas com a legislação em vigor e a sua aplicação prática, mas afirma que “as medidas adoptadas para promover oportunidades para homens e mulheres no que diz respeito ao salário são insuficientes e não resultaram num progresso visível”, o que acaba por constituir uma violação do previsto na carta.
A queixa contra Portugal, e contra 14 outros países que também adoptaram a Carta Social Europeia, foi feita em 2016 pela rede europeia de associações University Women of Europe (UWE).
Durante o decorrer do processo, assinala o relatório, as autoridades portuguesas sempre reconheceram a existência de uma diferença salarial entre homens e mulheres, algo que, aliás, é muito evidente nas estatísticas. No entanto, o Governo argumentou que, para além do disposto na legislação, estão a ser feitos todos os esforços possíveis para reduzir efectivamente esta desigualdade, destacando em particular o aumento do número de casos que são julgados em tribunal, as iniciativas de fiscalização da Autoridade para as Condições do Trabalho e as acções de formação e sensibilização realizadas. O executivo português considerou, por isso, que as diversas acusações feitas pela UWE eram infundadas.
Os membros do comité, por uma maioria de 12 contra três, não concordaram com as autoridades portuguesas quando procuraram avaliar se “foram tomadas as medidas necessárias para promover oportunidades iguais entre os homens e as mulheres no que diz respeito à igualdade dos salários”. E justificaram essa discordância com números. “O diferencial salarial de género, que é um indicador que revela se essas medidas foram bem-sucedidas, cresceu consideravelmente entre 2010 e 2016 e começou a baixar ligeiramente a partir de 2017. Ainda existe uma segregação significativa no mercado de trabalho e não tem havido uma redução clara e sustentada no diferencial salarial. As acções lançadas pelo Governo não resultaram, portanto, em progressos visíveis suficientes nesta área”, afirma o relatório onde é apresentada a decisão.
Utilizando os números publicados pelo Eurostat, o comité assinala que, se em 2010, os salários por hora das mulheres eram 12,8% inferiores aos dos homens, em 2017, apesar de se ter iniciado entretanto uma trajectória descendente, essa diferença era mais alta, de 16,3%.
Isto é, apesar de reconhecer que as autoridades portuguesas adoptaram medidas, a verdade é que a evolução dos indicadores estatísticos não revela ainda a existência de uma verdadeira melhoria.
Portugal não está sozinho neste incumprimento. Para além de Portugal, o comité analisou a situação em mais 14 países – Bélgica, Bulgária, Croácia, República Checa, Chipre, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Itália, Países Baixos, Noruega, Eslovénia e Suécia – e todos, excepto a Suécia, foram também considerados como estando em violação da Carta Social Europeia a este nível.
Portugal teve uma pequena vitória na decisão do Comité dos Direitos Sociais. Na queixa, o país era também acusado de não assegurar uma representação equilibrada das mulheres em posições de decisão nas empresas privadas. Neste caso, os membros do comité consideraram que os progressos registados foram o suficiente para considerar que Portugal não está em violação. Isto apesar de, segundo os dados divulgados este domingo pelo índice Leading Together, apenas oito mulheres terem actualmente cargos na comissão executiva no universo das empresas pertencentes ao índice PSI-20, num total de 76 administradores.
Comité dos Direitos Sociais do Conselho da Europa considera que Portugal está a violar o compromisso que assumiu de promover a igualdade de género a nível salarial. A legislação é adequada e as medidas tomadas pelas autoridades são reconhecidas, mas a desigualdade persiste.
A legislação em vigor até pode ser a mais adequada mas, na prática, não foi feito o suficiente pelas autoridades portuguesas para garantir uma verdadeira igualdade de rendimentos entre homens e mulheres e, por isso, Portugal foi considerado como estando em violação da Carta Social Europeia adoptada pelo país há quase 20 anos.
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Num relatório publicado este domingo à noite, o Comité de Direitos Sociais do Conselho da Europa, o órgão encarregue de verificar se os países estão a cumprir a Carta Social Europeia Revista – assinada por Portugal em 1996, ratificada em 2001 e com entrada em vigor no país em Julho de 2002 – considerou que Portugal está em violação do Artigo 20.º c. da carta, que exige que se garanta o direito a oportunidades iguais e ao tratamento igual no emprego e em qualquer ocupação, sem discriminação por género, no que diz respeito ao salário.
O comité ilibou Portugal nas acusações relacionadas com a legislação em vigor e a sua aplicação prática, mas afirma que “as medidas adoptadas para promover oportunidades para homens e mulheres no que diz respeito ao salário são insuficientes e não resultaram num progresso visível”, o que acaba por constituir uma violação do previsto na carta.
A queixa contra Portugal, e contra 14 outros países que também adoptaram a Carta Social Europeia, foi feita em 2016 pela rede europeia de associações University Women of Europe (UWE).
Durante o decorrer do processo, assinala o relatório, as autoridades portuguesas sempre reconheceram a existência de uma diferença salarial entre homens e mulheres, algo que, aliás, é muito evidente nas estatísticas. No entanto, o Governo argumentou que, para além do disposto na legislação, estão a ser feitos todos os esforços possíveis para reduzir efectivamente esta desigualdade, destacando em particular o aumento do número de casos que são julgados em tribunal, as iniciativas de fiscalização da Autoridade para as Condições do Trabalho e as acções de formação e sensibilização realizadas. O executivo português considerou, por isso, que as diversas acusações feitas pela UWE eram infundadas.
Os membros do comité, por uma maioria de 12 contra três, não concordaram com as autoridades portuguesas quando procuraram avaliar se “foram tomadas as medidas necessárias para promover oportunidades iguais entre os homens e as mulheres no que diz respeito à igualdade dos salários”. E justificaram essa discordância com números. “O diferencial salarial de género, que é um indicador que revela se essas medidas foram bem-sucedidas, cresceu consideravelmente entre 2010 e 2016 e começou a baixar ligeiramente a partir de 2017. Ainda existe uma segregação significativa no mercado de trabalho e não tem havido uma redução clara e sustentada no diferencial salarial. As acções lançadas pelo Governo não resultaram, portanto, em progressos visíveis suficientes nesta área”, afirma o relatório onde é apresentada a decisão.
Utilizando os números publicados pelo Eurostat, o comité assinala que, se em 2010, os salários por hora das mulheres eram 12,8% inferiores aos dos homens, em 2017, apesar de se ter iniciado entretanto uma trajectória descendente, essa diferença era mais alta, de 16,3%.
Isto é, apesar de reconhecer que as autoridades portuguesas adoptaram medidas, a verdade é que a evolução dos indicadores estatísticos não revela ainda a existência de uma verdadeira melhoria.
Portugal não está sozinho neste incumprimento. Para além de Portugal, o comité analisou a situação em mais 14 países – Bélgica, Bulgária, Croácia, República Checa, Chipre, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Itália, Países Baixos, Noruega, Eslovénia e Suécia – e todos, excepto a Suécia, foram também considerados como estando em violação da Carta Social Europeia a este nível.
Portugal teve uma pequena vitória na decisão do Comité dos Direitos Sociais. Na queixa, o país era também acusado de não assegurar uma representação equilibrada das mulheres em posições de decisão nas empresas privadas. Neste caso, os membros do comité consideraram que os progressos registados foram o suficiente para considerar que Portugal não está em violação. Isto apesar de, segundo os dados divulgados este domingo pelo índice Leading Together, apenas oito mulheres terem actualmente cargos na comissão executiva no universo das empresas pertencentes ao índice PSI-20, num total de 76 administradores.
5.2.18
“Uma mulher vive bem sozinha. Eles nem com a Bimby se desenrascam”
Natália Faria, in Público on-line
A viuvez deixa-os perdidos no espaço doméstico, incapazes de apontar a localização do fogão ou do frigorífico. Elas, pelo contrário, manejam muito mais facilmente a solidão. Eis uma das razões – para além das demográficas – que ajudam a perceber por que há quatro vezes mais viúvas do que viúvos.
A conversa começa com três cães. Óscar, Lassie e Sara ganem contra a porta que lhes foi fechada no focinho enquanto a dona, Maria Fernanda, se senta no sofá azul-acinzentado da sua sala para contar da decisão de não voltar a casar desde que, faz 24 anos no dia 22, um aneurisma cerebral lhe levou o marido. “Foram dez anos plenos de aborrecimentos, felicidade, brincadeiras, cumplicidade. Só nos separávamos para trabalhar, Quero ficar com esse sabor. E por isso não. Não tenho vontade nenhuma de ter uma nova escova de dentes à beira da minha”, remata, logo para começo de conversa.
Cabelo cuidado, boca realçada por um batom com brilho, Fernanda é uma das 627.567 viúvas apuradas pelos Censos 2011, do Instituto Nacional de Estatística (INE). Na altura, havia apenas 143.097 homens com o mesmo estado civil. Elas eram, portanto, mais do que o quádruplo. Mais recentemente, dos casamentos dissolvidos por morte em 2016, resultaram 32.943 viúvas contra apenas 13.331 viúvos, ainda segundo o INE.
Este abismo quantitativo entre viúvos e viúvas é, antes de mais, de ordem demográfica. Eles vão menos ao médico, morrem mais cedo, enquanto elas contam com uma maior esperança de vida à nascença. O resultado é que, logo a partir dos 30 anos de idade, há 95 homens por cada 100 mulheres. O abismo demográfico, mensurável através da chamada relação de masculinidade, agudiza-se à medida que a idade avança. Entre os 60 e os 64 anos de idade, a população portuguesa compõe-se de apenas 87 homens por cada 100 mulheres.
“Esta sobremortalidade masculina tem a ver com comportamentos de saúde. As mulheres são mais cautelosas, vão mais ao médico, cuidam mais da saúde do que os homens, apesar de estes tenderem a fazer mais exercício físico. Alguma literatura da área da biologia diz que o cromossoma feminino, o XX, é mais resistente do que o XY masculino. Geneticamente, até à idade dos 50 anos, elas beneficiam de um processo hormonal que as protege relativamente às doenças cardíacas”, introduz a socióloga Ana Fernandes.
As diferenças na esperança de vida à nascença - e o abismo demográfico entre elas e eles que daí resulta - explicam por que há mais mulheres do que homens, seja qual for o respectivo estado civil, a partir de determinados escalões etários. Mas não explicam, concordam a socióloga, o psiquiatra e a demógrafa ouvidos pelo PÚBLICO, por que é que, uma vez viúvos, eles tendem a recasar muito mais e muito mais depressa do que elas. Dos 32.399 casamentos celebrados em 2016, 430 foram protagonizados por viúvos, contra apenas 282 viúvas que acederam voltar ao altar ou à conservatória.
Uma mulher não precisa de um homem para lhe coser as peúgas, enquanto os homens se habituaram a viver sempre numa certa dependência das mulheres nas tarefas domésticas e do dia-a-dia
Allen Gomes
Homens têm prazo de validade mais longo
“Há muitas mulheres que depois da experiência de uma vida a aturar um homem não estão para aturar outro. Ainda há pessoas que aprendem com a experiência”, atira o psiquiatra Francisco Allen Gomes. Especializado em sexologia, aponta várias assimetrias no envelhecimento, muito para além dos aspectos biológicos: “Uma mulher não precisa de um homem para lhe coser as peúgas, enquanto os homens se habituaram a viver sempre numa certa dependência das mulheres nas tarefas domésticas e do dia-a-dia”.
“Uma mulher vive bem sozinha. Eles nem com a Bimby se desenrascam. E olhe que elas já trazem livros de receitas”, reforça Maria Fernanda. Aos 67 anos, fala do que vê entre os amigos viúvos “que parece que não sabem como viver”. No caso dela, foram precisos três anos para fazer o luto. “Nesses três anos posso dizer que não existi. Emagreci 40 quilos. Fiquei fora deste mundo. Nem para os cães era boa companhia. Nessa altura, o meu filho foi meu pai, minha mãe, minha cozinheira e minha lavadeira”.
Um dia acordou e deu-se “um click”. “Voltei a pegar nas rédeas e decidi ‘Agora é por aqui’.” Tinha casa própria, reinventou-se como ama, inscreveu-se numa universidade sénior, dedicou-se ao voluntariado. Ao cão que tinha enquanto casada somou outros três – uma delas morreu há pouco. Costuma ler-lhes em voz alta. “São a minha família canina que me ouve muito atentamente. Não comenta mas também não é desagradável”, brinca.
Ao mesmo tempo, alimentou uma rede de afectos fora do espaço doméstico. E, apesar da desigualdade quantitativa, diz que não lhe faltaram pretendentes dispostos a fazê-la alterar o estado civil. “Há uns anos um enfermeiro ficou viúvo e, uns meses depois, convidou-me para almoçar. Respondi-lhe que não tinha fome. E pus-me logo na defensiva. Tanto que, por causa disso, estive três meses sem fazer voluntariado [no Hospital de S. João] ”.
Não é, como aventa o psiquiatra Allen Gomes, porque se tenha sentido prejudicada no “ganha e perde” do seu casamento. É porque se reabituou a decidir sozinha. E não se vê a reaprender o que mais lhe custou no casamento: conjugar o verbo nós. “Já casada, se alguém perguntasse ‘Vêm cá almoçar domingo?’, eu respondia ‘Vou’. E depois desculpava-me. Não era por querer, era mesmo porque estava habituada a decidir sozinha. Tive que reaprender que não era só eu.”
A história de Fernanda não será a mais típica porque este casamento de que fala foi na verdade o segundo. O primeiro durou um ano e um dia e acabou “de forma muito traumática” com o marido a devolvê-la, ainda 18 anos e já grávida, a casa dos pais, depois de uma sova. Foi durante os anos que se seguiram que esta ex-administrativa aprendeu a contar consigo própria. O segundo casamento aconteceu devagarinho, à medida que Fernando - também ele viúvo e pai de uma criança - começou a fazer-se presente. “A tia dele que estava a viver comigo lavava-lhe e passava-lhe a roupa a ferro. Ele vinha buscá-la e, no início, achei-o um intrometido. Fui até antipática. Depois, a tia começou a convidá-lo para vir almoçar connosco aos domingos e as coisas aconteceram normalmente, quase nem me apercebi.”
Os homens têm um prazo de validade mais longo no mercado matrimonial. Podem ter filhos até muito tarde e isso ajuda-os a projectarem-se noutra família. Em termos reprodutivos, as mulheres perdem a validade com a menopausa”
Ana Fernandes
Dissolvido este segundo casamento que durou dez anos, Fernanda recusa liminarmente a hipótese de voltar a sopesar “os gostos e contragostos” de um novo casamento. “Sou dona do meu sofá”. E nisto aproxima-se daquilo que diz Allen Gomes quando considera que, uma vez viúvas, elas “manejam melhor o problema da solidão”. Isto apesar de tenderem duas vezes mais para a depressão: “Provavelmente porque a vida as castiga mais e o estatuto a mesma coisa."
“Um humilhante processo de desqualificação sexual”
“No passado, a questão de uma mulher voltar a casar era muito menos bem vista do que num homem. E isso pode ajudar a compreender um certo tipo de comportamento”, acrescenta a propósito Maria João Valente Rosa. Na procura de explicações para o facto de elas, uma vez viúvas, não arriscarem tão facilmente novas núpcias, a demógrafa nota que “os homens ganham mais do que as mulheres com o casamento”. Concomitantemente - neste raciocínio feito à medida das gerações mais velhas, em que o garante da vida doméstica recai sobre as mulheres -, os homens saem muito mais prejudicados com a sua dissolução. “Ela pode perder o rendimento do homem, mas o resto mantém-se: continua a saber onde é o frigorífico e o fogão e nem a comida varia nem o sabor da comida varia. Os homens, ao contrário, porque direccionaram todo o seu investimento para fora do espaço doméstico, ficam completamente perdidos. Não é, aliás, à toa que muitos acabam por casar com a empregada doméstica.”
À logística quotidiana somam-se outras explicações para a maior propensão masculina para o recasamento. “Os homens têm um prazo de validade mais longo no mercado matrimonial. Podem ter filhos até muito tarde e isso ajuda-os a projectarem-se noutra família. Em termos reprodutivos, as mulheres perdem a validade com a menopausa”, aponta Ana Fernandes.
Somam-se ainda, segundo a socióloga, razões de ordem económica que obstam ao segundo casamento. “Em Portugal, se as viúvas ou viúvos casarem novamente perdem o direito à pensão de viuvez. Isso ajuda a que não haja muitos novos casamentos nestas categorias etárias”.
Muito mais do que deter-se na perda de benefícios fiscais, o psiquiatra Allen Gomes recorre a uma das célebres frases da escritora e activista norte americana Susan Sontang para legendar esta realidade. “Ela dizia que, para a maior parte das mulheres, o envelhecimento constitui um humilhante processo de desqualificação sexual. E isto tem que ver com padrões estéticos e de beleza que nos levam a achar que as rugas neles são charme e nelas são envelhecimento.”e
Dois milhões de portuguesas vivem com os filhos. E 400 mil não têm quem as ajude em casa
Para o psiquiatra, já ninguém se atreverá hoje a vaticinar que a menopausa é o fim da sexualidade, o que não invalida, porém, que as conversas sobre a sexualidade dos velhos continuem marcadas por “um certo tom jocoso” e por um maior estigma em relação à sexualidade das mulheres. Ou como lhe disse um dia alguém a propósito da vida sexual dos pais: ‘O meu pai ainda vá, agora a minha mãe…”.
O psiquiatra não acredita, aliás, nos estudos que pretendem demonstrar que, entre os mais velhos, os homens manifestam mais interesse em sexo do que as mulheres. “Creio que isso é uma defesa natural das mulheres face à penalização que resulta de viverem mais tempo, ou seja, se elas não têm grandes hipóteses de escolha, concluem que mais vale não sentirem nada, não lhes apetecer nada.” Sobre este assunto, Maria Fernanda prefere não levantar o véu mais do que isto: “Não quero repetir experiências”. E se durante a conversa volta a referir-se ao assunto é apenas para contar como lidou, ao longo destes anos, com abordagens menos respeitadoras da sua decisão: “Quem julgou que eu era tecido de apalpar, levou com a mala no focinho”.
A viuvez deixa-os perdidos no espaço doméstico, incapazes de apontar a localização do fogão ou do frigorífico. Elas, pelo contrário, manejam muito mais facilmente a solidão. Eis uma das razões – para além das demográficas – que ajudam a perceber por que há quatro vezes mais viúvas do que viúvos.
A conversa começa com três cães. Óscar, Lassie e Sara ganem contra a porta que lhes foi fechada no focinho enquanto a dona, Maria Fernanda, se senta no sofá azul-acinzentado da sua sala para contar da decisão de não voltar a casar desde que, faz 24 anos no dia 22, um aneurisma cerebral lhe levou o marido. “Foram dez anos plenos de aborrecimentos, felicidade, brincadeiras, cumplicidade. Só nos separávamos para trabalhar, Quero ficar com esse sabor. E por isso não. Não tenho vontade nenhuma de ter uma nova escova de dentes à beira da minha”, remata, logo para começo de conversa.
Cabelo cuidado, boca realçada por um batom com brilho, Fernanda é uma das 627.567 viúvas apuradas pelos Censos 2011, do Instituto Nacional de Estatística (INE). Na altura, havia apenas 143.097 homens com o mesmo estado civil. Elas eram, portanto, mais do que o quádruplo. Mais recentemente, dos casamentos dissolvidos por morte em 2016, resultaram 32.943 viúvas contra apenas 13.331 viúvos, ainda segundo o INE.
Este abismo quantitativo entre viúvos e viúvas é, antes de mais, de ordem demográfica. Eles vão menos ao médico, morrem mais cedo, enquanto elas contam com uma maior esperança de vida à nascença. O resultado é que, logo a partir dos 30 anos de idade, há 95 homens por cada 100 mulheres. O abismo demográfico, mensurável através da chamada relação de masculinidade, agudiza-se à medida que a idade avança. Entre os 60 e os 64 anos de idade, a população portuguesa compõe-se de apenas 87 homens por cada 100 mulheres.
“Esta sobremortalidade masculina tem a ver com comportamentos de saúde. As mulheres são mais cautelosas, vão mais ao médico, cuidam mais da saúde do que os homens, apesar de estes tenderem a fazer mais exercício físico. Alguma literatura da área da biologia diz que o cromossoma feminino, o XX, é mais resistente do que o XY masculino. Geneticamente, até à idade dos 50 anos, elas beneficiam de um processo hormonal que as protege relativamente às doenças cardíacas”, introduz a socióloga Ana Fernandes.
As diferenças na esperança de vida à nascença - e o abismo demográfico entre elas e eles que daí resulta - explicam por que há mais mulheres do que homens, seja qual for o respectivo estado civil, a partir de determinados escalões etários. Mas não explicam, concordam a socióloga, o psiquiatra e a demógrafa ouvidos pelo PÚBLICO, por que é que, uma vez viúvos, eles tendem a recasar muito mais e muito mais depressa do que elas. Dos 32.399 casamentos celebrados em 2016, 430 foram protagonizados por viúvos, contra apenas 282 viúvas que acederam voltar ao altar ou à conservatória.
Uma mulher não precisa de um homem para lhe coser as peúgas, enquanto os homens se habituaram a viver sempre numa certa dependência das mulheres nas tarefas domésticas e do dia-a-dia
Allen Gomes
Homens têm prazo de validade mais longo
“Há muitas mulheres que depois da experiência de uma vida a aturar um homem não estão para aturar outro. Ainda há pessoas que aprendem com a experiência”, atira o psiquiatra Francisco Allen Gomes. Especializado em sexologia, aponta várias assimetrias no envelhecimento, muito para além dos aspectos biológicos: “Uma mulher não precisa de um homem para lhe coser as peúgas, enquanto os homens se habituaram a viver sempre numa certa dependência das mulheres nas tarefas domésticas e do dia-a-dia”.
“Uma mulher vive bem sozinha. Eles nem com a Bimby se desenrascam. E olhe que elas já trazem livros de receitas”, reforça Maria Fernanda. Aos 67 anos, fala do que vê entre os amigos viúvos “que parece que não sabem como viver”. No caso dela, foram precisos três anos para fazer o luto. “Nesses três anos posso dizer que não existi. Emagreci 40 quilos. Fiquei fora deste mundo. Nem para os cães era boa companhia. Nessa altura, o meu filho foi meu pai, minha mãe, minha cozinheira e minha lavadeira”.
Um dia acordou e deu-se “um click”. “Voltei a pegar nas rédeas e decidi ‘Agora é por aqui’.” Tinha casa própria, reinventou-se como ama, inscreveu-se numa universidade sénior, dedicou-se ao voluntariado. Ao cão que tinha enquanto casada somou outros três – uma delas morreu há pouco. Costuma ler-lhes em voz alta. “São a minha família canina que me ouve muito atentamente. Não comenta mas também não é desagradável”, brinca.
Ao mesmo tempo, alimentou uma rede de afectos fora do espaço doméstico. E, apesar da desigualdade quantitativa, diz que não lhe faltaram pretendentes dispostos a fazê-la alterar o estado civil. “Há uns anos um enfermeiro ficou viúvo e, uns meses depois, convidou-me para almoçar. Respondi-lhe que não tinha fome. E pus-me logo na defensiva. Tanto que, por causa disso, estive três meses sem fazer voluntariado [no Hospital de S. João] ”.
Não é, como aventa o psiquiatra Allen Gomes, porque se tenha sentido prejudicada no “ganha e perde” do seu casamento. É porque se reabituou a decidir sozinha. E não se vê a reaprender o que mais lhe custou no casamento: conjugar o verbo nós. “Já casada, se alguém perguntasse ‘Vêm cá almoçar domingo?’, eu respondia ‘Vou’. E depois desculpava-me. Não era por querer, era mesmo porque estava habituada a decidir sozinha. Tive que reaprender que não era só eu.”
A história de Fernanda não será a mais típica porque este casamento de que fala foi na verdade o segundo. O primeiro durou um ano e um dia e acabou “de forma muito traumática” com o marido a devolvê-la, ainda 18 anos e já grávida, a casa dos pais, depois de uma sova. Foi durante os anos que se seguiram que esta ex-administrativa aprendeu a contar consigo própria. O segundo casamento aconteceu devagarinho, à medida que Fernando - também ele viúvo e pai de uma criança - começou a fazer-se presente. “A tia dele que estava a viver comigo lavava-lhe e passava-lhe a roupa a ferro. Ele vinha buscá-la e, no início, achei-o um intrometido. Fui até antipática. Depois, a tia começou a convidá-lo para vir almoçar connosco aos domingos e as coisas aconteceram normalmente, quase nem me apercebi.”
Os homens têm um prazo de validade mais longo no mercado matrimonial. Podem ter filhos até muito tarde e isso ajuda-os a projectarem-se noutra família. Em termos reprodutivos, as mulheres perdem a validade com a menopausa”
Ana Fernandes
Dissolvido este segundo casamento que durou dez anos, Fernanda recusa liminarmente a hipótese de voltar a sopesar “os gostos e contragostos” de um novo casamento. “Sou dona do meu sofá”. E nisto aproxima-se daquilo que diz Allen Gomes quando considera que, uma vez viúvas, elas “manejam melhor o problema da solidão”. Isto apesar de tenderem duas vezes mais para a depressão: “Provavelmente porque a vida as castiga mais e o estatuto a mesma coisa."
“Um humilhante processo de desqualificação sexual”
“No passado, a questão de uma mulher voltar a casar era muito menos bem vista do que num homem. E isso pode ajudar a compreender um certo tipo de comportamento”, acrescenta a propósito Maria João Valente Rosa. Na procura de explicações para o facto de elas, uma vez viúvas, não arriscarem tão facilmente novas núpcias, a demógrafa nota que “os homens ganham mais do que as mulheres com o casamento”. Concomitantemente - neste raciocínio feito à medida das gerações mais velhas, em que o garante da vida doméstica recai sobre as mulheres -, os homens saem muito mais prejudicados com a sua dissolução. “Ela pode perder o rendimento do homem, mas o resto mantém-se: continua a saber onde é o frigorífico e o fogão e nem a comida varia nem o sabor da comida varia. Os homens, ao contrário, porque direccionaram todo o seu investimento para fora do espaço doméstico, ficam completamente perdidos. Não é, aliás, à toa que muitos acabam por casar com a empregada doméstica.”
À logística quotidiana somam-se outras explicações para a maior propensão masculina para o recasamento. “Os homens têm um prazo de validade mais longo no mercado matrimonial. Podem ter filhos até muito tarde e isso ajuda-os a projectarem-se noutra família. Em termos reprodutivos, as mulheres perdem a validade com a menopausa”, aponta Ana Fernandes.
Somam-se ainda, segundo a socióloga, razões de ordem económica que obstam ao segundo casamento. “Em Portugal, se as viúvas ou viúvos casarem novamente perdem o direito à pensão de viuvez. Isso ajuda a que não haja muitos novos casamentos nestas categorias etárias”.
Muito mais do que deter-se na perda de benefícios fiscais, o psiquiatra Allen Gomes recorre a uma das célebres frases da escritora e activista norte americana Susan Sontang para legendar esta realidade. “Ela dizia que, para a maior parte das mulheres, o envelhecimento constitui um humilhante processo de desqualificação sexual. E isto tem que ver com padrões estéticos e de beleza que nos levam a achar que as rugas neles são charme e nelas são envelhecimento.”e
Dois milhões de portuguesas vivem com os filhos. E 400 mil não têm quem as ajude em casa
Para o psiquiatra, já ninguém se atreverá hoje a vaticinar que a menopausa é o fim da sexualidade, o que não invalida, porém, que as conversas sobre a sexualidade dos velhos continuem marcadas por “um certo tom jocoso” e por um maior estigma em relação à sexualidade das mulheres. Ou como lhe disse um dia alguém a propósito da vida sexual dos pais: ‘O meu pai ainda vá, agora a minha mãe…”.
O psiquiatra não acredita, aliás, nos estudos que pretendem demonstrar que, entre os mais velhos, os homens manifestam mais interesse em sexo do que as mulheres. “Creio que isso é uma defesa natural das mulheres face à penalização que resulta de viverem mais tempo, ou seja, se elas não têm grandes hipóteses de escolha, concluem que mais vale não sentirem nada, não lhes apetecer nada.” Sobre este assunto, Maria Fernanda prefere não levantar o véu mais do que isto: “Não quero repetir experiências”. E se durante a conversa volta a referir-se ao assunto é apenas para contar como lidou, ao longo destes anos, com abordagens menos respeitadoras da sua decisão: “Quem julgou que eu era tecido de apalpar, levou com a mala no focinho”.
30.1.18
Não são os homens que vão mudar o mundo, são as mulheres
Paula Cosme Pinto, in Expresso
Ativista, pensadora, provocadora, sobrevivente. Malala Yousafzai é um exemplo de força, resiliência e sensatez, com uma eloquência capaz de inspirar pessoas mundo fora. Hoje voltou a fazer um discurso público em Davos, no Fórum Económico Mundial, onde relembrou alguns aspectos que não podem ser esquecidos no que toca à igualdade de género. Começando pelo facto de existirem atualmente 130 milhões de meninas e raparigas espalhadas pelo globo que não têm, nem tiveram, acesso à educação, um factor chave para a igualdade e o equilíbrio das sociedades.
Hoje Malala tem 20 anos e é uma ativista reconhecida pela ousadia que quase lhe tirou a vida quando era ainda criança: a contínua reclamação pelo direito à educação que milhões de meninas veem negado diariamente. “Se queremos falar sobre empoderamento feminino, sobre participação económica das mulheres, participação na força laboral e contribuição feminina para o desenvolvimento de um país como um todo, não nos podemos esquecer da importância de se investir na sua educação”, frisou a Nobel da Paz. Nunca é demais relembrar que ao serem impedidas de aceder à escola, as meninas ficarão numa eterna posição de dependência financeira ao chegarem à fase adulta. Aliás, serem desde logo alvo de casamento infantil – como expectativa irónica de garantir a sua segurança - é uma das maiores probabilidades para as suas vidas em muitos cenários mundo fora. Tudo isto a torna mais permeáveis a situações de violência psicológica e física, incluindo a sexual, tráfico humano e demais formas de exploração.
Desde a falta de acesso à educação à problemática do assédio e abuso sexual, passando pela desigualdade laboral, Malala Yousafzai lança o repto: “Houve uma altura em que ansiávamos que os homens mudassem o mundo por nós, mas esse tempo acabou. Não vamos continuar a pedir aos homens que mudem o mundo, vamos ser nós a fazê-lo. Vamos unir-nos, erguer as nossas vozes e promover a mudança”. Como? Eis um ponto de partida apontado pela jovem paquistanesa: “Encorajem as meninas e as mulheres à vossa volta a indignarem-se contra todo o tipo de discriminação e violência que virem a acontecer nas vossas comunidades.”
Se também por esse lado estão a precisar de uma lufada de energia e sensatez, oiçam a participação de Malala em Davos, onde – sem surpresa – mais de 80% dos participantes, convidados para refletir o estado do mundo, são homens.
Ativista, pensadora, provocadora, sobrevivente. Malala Yousafzai é um exemplo de força, resiliência e sensatez, com uma eloquência capaz de inspirar pessoas mundo fora. Hoje voltou a fazer um discurso público em Davos, no Fórum Económico Mundial, onde relembrou alguns aspectos que não podem ser esquecidos no que toca à igualdade de género. Começando pelo facto de existirem atualmente 130 milhões de meninas e raparigas espalhadas pelo globo que não têm, nem tiveram, acesso à educação, um factor chave para a igualdade e o equilíbrio das sociedades.
Hoje Malala tem 20 anos e é uma ativista reconhecida pela ousadia que quase lhe tirou a vida quando era ainda criança: a contínua reclamação pelo direito à educação que milhões de meninas veem negado diariamente. “Se queremos falar sobre empoderamento feminino, sobre participação económica das mulheres, participação na força laboral e contribuição feminina para o desenvolvimento de um país como um todo, não nos podemos esquecer da importância de se investir na sua educação”, frisou a Nobel da Paz. Nunca é demais relembrar que ao serem impedidas de aceder à escola, as meninas ficarão numa eterna posição de dependência financeira ao chegarem à fase adulta. Aliás, serem desde logo alvo de casamento infantil – como expectativa irónica de garantir a sua segurança - é uma das maiores probabilidades para as suas vidas em muitos cenários mundo fora. Tudo isto a torna mais permeáveis a situações de violência psicológica e física, incluindo a sexual, tráfico humano e demais formas de exploração.
Desde a falta de acesso à educação à problemática do assédio e abuso sexual, passando pela desigualdade laboral, Malala Yousafzai lança o repto: “Houve uma altura em que ansiávamos que os homens mudassem o mundo por nós, mas esse tempo acabou. Não vamos continuar a pedir aos homens que mudem o mundo, vamos ser nós a fazê-lo. Vamos unir-nos, erguer as nossas vozes e promover a mudança”. Como? Eis um ponto de partida apontado pela jovem paquistanesa: “Encorajem as meninas e as mulheres à vossa volta a indignarem-se contra todo o tipo de discriminação e violência que virem a acontecer nas vossas comunidades.”
Se também por esse lado estão a precisar de uma lufada de energia e sensatez, oiçam a participação de Malala em Davos, onde – sem surpresa – mais de 80% dos participantes, convidados para refletir o estado do mundo, são homens.
27.1.17
Associação para homens vítimas de abuso sexual ajuda seis pessoas no primeiro dia
in Público on-line
A vergonha e os mitos associados à masculinidade impedem muitos homens de denunciarem os abusos sexuais de que foram vítimas.
A Associação Quebrar o Silêncio, única no apoio a homens vítimas de abusos sexuais, recebeu seis pedidos de ajuda no primeiro dia de atendimento e pelo menos duas pessoas por dia recorreram à associação na primeira semana de funcionamento.
Em entrevista à agência Lusa, o presidente da associação explicou que a ideia e a vontade de criar um apoio específico para homens e rapazes vítimas de abuso sexual vieram do facto de ele próprio ter sido abusado durante vários meses por um amigo da família, quando tinha 11 anos. "As consequências do abuso foram graves, nomeadamente vergonha intensa, sentimento de culpa, incapacidade, por exemplo, de confiar nos homens e uma série de outros sintomas", adiantou Ângelo Fernandes.
Só muito mais tarde, já adulto e a viver no Reino Unido, encontrou ajuda terapêutica com uma associação que se dedicava a apoiar homens vítimas de abusos sexuais. "No meio desse processo, quando eu senti que estava a ficar melhor, que estava a conseguir ultrapassar o trauma, começou a nascer em mim uma necessidade de voltar a dar toda a ajuda que eu tive, durante esse processo, e foi aí que surgiu a ideia de criar esta associação", acrescentou.
A Associação Quebrar o Silêncio teve o seu lançamento oficial na passada quinta-feira, dia 19 de Janeiro, em Lisboa, tendo recebido no primeiro dia seis pedidos de ajuda, e uma semana depois, até ao dia 26, 15 pessoas tinham recorrido aos serviços da organização.
De acordo com Ângelo Rodrigues, as idades de quem pediu ajuda à associação variam entre os 22 e os 50 anos. "Grande parte das pessoas vem de Lisboa, mas não só. Algumas eram do Norte do país, do Sul, fora do país também", revelou, acrescentando que estão em causa não só abusos recentes, mas também abusos ocorridos na infância.
O responsável adiantou que são poucos os casos em que os homens fizeram queixa à polícia, apontando que é muito difícil para os homens falarem sobre os abusos sexuais de que foram ou são vítimas. No seu entender, são muitas as barreiras actuais que impedem ou dificultam que um homem peça ajuda quando é abusado sexualmente, já para não falar dos vários mitos à volta da masculinidade. "Existe muito a ideia de que um homem não pode ser vítima de abuso sexual: quando é abusado por uma mulher, é porque teve sorte. Também há aquela ideia de que a violação entre homens só acontece nas prisões. Existe uma série de ideias que estão erradas", apontou.
Referiu, por outro lado, tendo por base estudos internacionais, que um em cada seis homens é vítima de abuso sexual antes dos 18 anos. No entanto, os números mostram que apenas 16% consideram terem sido vítimas, havendo também muitos casos que não são considerados crimes ou são mal diagnosticados.
"Se apenas 16% dos homens se consideram vítimas e apenas 3,9% é que realmente vão à polícia e participam, estamos a contar com uma percentagem muito pequena da realidade", sublinhou, ressalvando que existe muita vergonha e muito sentimento de culpa por parte dos homens.
Ângelo Rodrigues adiantou que o propósito da associação é ajudar a vítima a ultrapassar o trauma, havendo, para isso, grupos de apoio e de psicoterapia. Os serviços são gratuitos, anónimos e confidenciais e a associação (www.quebrarosilencio.pt) funciona de segunda a sexta, das 9h00 às 17h30, excepto quando há grupos de apoio, em que os horários são feitos em função dos participantes.
A Quebrar o Silêncio tem também como missão ajudar a desmistificar esta questão junto das escolas, tendo já marcadas várias sessões de esclarecimento, sendo que as crianças e os menores de idade são outras das suas preocupações.
A vergonha e os mitos associados à masculinidade impedem muitos homens de denunciarem os abusos sexuais de que foram vítimas.
A Associação Quebrar o Silêncio, única no apoio a homens vítimas de abusos sexuais, recebeu seis pedidos de ajuda no primeiro dia de atendimento e pelo menos duas pessoas por dia recorreram à associação na primeira semana de funcionamento.
Em entrevista à agência Lusa, o presidente da associação explicou que a ideia e a vontade de criar um apoio específico para homens e rapazes vítimas de abuso sexual vieram do facto de ele próprio ter sido abusado durante vários meses por um amigo da família, quando tinha 11 anos. "As consequências do abuso foram graves, nomeadamente vergonha intensa, sentimento de culpa, incapacidade, por exemplo, de confiar nos homens e uma série de outros sintomas", adiantou Ângelo Fernandes.
Só muito mais tarde, já adulto e a viver no Reino Unido, encontrou ajuda terapêutica com uma associação que se dedicava a apoiar homens vítimas de abusos sexuais. "No meio desse processo, quando eu senti que estava a ficar melhor, que estava a conseguir ultrapassar o trauma, começou a nascer em mim uma necessidade de voltar a dar toda a ajuda que eu tive, durante esse processo, e foi aí que surgiu a ideia de criar esta associação", acrescentou.
A Associação Quebrar o Silêncio teve o seu lançamento oficial na passada quinta-feira, dia 19 de Janeiro, em Lisboa, tendo recebido no primeiro dia seis pedidos de ajuda, e uma semana depois, até ao dia 26, 15 pessoas tinham recorrido aos serviços da organização.
De acordo com Ângelo Rodrigues, as idades de quem pediu ajuda à associação variam entre os 22 e os 50 anos. "Grande parte das pessoas vem de Lisboa, mas não só. Algumas eram do Norte do país, do Sul, fora do país também", revelou, acrescentando que estão em causa não só abusos recentes, mas também abusos ocorridos na infância.
O responsável adiantou que são poucos os casos em que os homens fizeram queixa à polícia, apontando que é muito difícil para os homens falarem sobre os abusos sexuais de que foram ou são vítimas. No seu entender, são muitas as barreiras actuais que impedem ou dificultam que um homem peça ajuda quando é abusado sexualmente, já para não falar dos vários mitos à volta da masculinidade. "Existe muito a ideia de que um homem não pode ser vítima de abuso sexual: quando é abusado por uma mulher, é porque teve sorte. Também há aquela ideia de que a violação entre homens só acontece nas prisões. Existe uma série de ideias que estão erradas", apontou.
Referiu, por outro lado, tendo por base estudos internacionais, que um em cada seis homens é vítima de abuso sexual antes dos 18 anos. No entanto, os números mostram que apenas 16% consideram terem sido vítimas, havendo também muitos casos que não são considerados crimes ou são mal diagnosticados.
"Se apenas 16% dos homens se consideram vítimas e apenas 3,9% é que realmente vão à polícia e participam, estamos a contar com uma percentagem muito pequena da realidade", sublinhou, ressalvando que existe muita vergonha e muito sentimento de culpa por parte dos homens.
Ângelo Rodrigues adiantou que o propósito da associação é ajudar a vítima a ultrapassar o trauma, havendo, para isso, grupos de apoio e de psicoterapia. Os serviços são gratuitos, anónimos e confidenciais e a associação (www.quebrarosilencio.pt) funciona de segunda a sexta, das 9h00 às 17h30, excepto quando há grupos de apoio, em que os horários são feitos em função dos participantes.
A Quebrar o Silêncio tem também como missão ajudar a desmistificar esta questão junto das escolas, tendo já marcadas várias sessões de esclarecimento, sendo que as crianças e os menores de idade são outras das suas preocupações.
28.6.16
Elas trabalham mais 1h30m em casa e quase tanto como eles no emprego
Natália Faria, in Público on-line
Sete em cada dez mulheres acham que a parte que lhes compete das tarefas domésticas e dos cuidados com os filhos é justa, mesmo quando trabalham o dobro. Percepção das desigualdades é diminuta porque elas estão naturalizadas, aponta estudo.
Entre cozinhar, passar a ferro e cuidar dos filhos, as mulheres portuguesas afectam todos os dias mais de 1h30m ao trabalho doméstico do que os homens. Isto, mesmo nos casais em que ambos trabalham fora de casa e partilham as despesas. As desigualdades na distribuição das tarefas tornam-se ainda mais vincadas quando consideramos as diferenças do tempo que homens e mulheres despendem no emprego pago: em média, eles trabalham apenas mais 27 minutos por dia.
“Enquanto as assimetrias ao nível do trabalho pago são cada vez menores, no trabalho não pago subsistem, mesmo entre os casais mais jovens, onde continuam a ser as mulheres a orquestrar a vida doméstica, enquanto eles ficam num papel de retaguarda”, aponta Heloísa Perista, coordenadora do estudo Os Usos do Tempo de Homens e de Mulheres em Portugal, desenvolvido, desde Outubro de 2014, pelo Centro de Estudos para a Intervenção Social, em parceria com a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, e que é apresentado nesta terça-feira, em Lisboa.
Feita a soma, e quando marido e mulher exercem uma actividade profissional fora de casa, as tarefas domésticas e com os filhos exigem em média às mulheres quatro horas e 17 minutos por dia, enquanto para os homens implicam apenas 2h37m. No grupo etário mais jovem (15-24 anos), a assimetria diminui ligeiramente, mas subsiste, com as jovens a registar mais 1h21m por dia do que os homens nas tarefas de casa e com os filhos.
De entre as tarefas domésticas rotineiras, 74,3% das mulheres declararam dedicar uma hora ou mais por dia a preparar refeições (contra 22,8% dos homens), 35,9% a limpar a casa (homens, 7,4%) e 10,5% a cuidar da roupa (1,4%). Antes como agora, eles dedicam-se mais a fazer compras, pagar contas, seguros e renda da casa e às reparações domésticas.
Não admira, assim, que 39,4% das mulheres inquiridas, contra 30,2% dos homens, subscrevam a afirmação “Na minha vida do dia-a-dia, raramente tenho tempo para fazer as coisas de que realmente gosto”. Ou, como explicita Ilda, numa família biparental, com filhas de 13 e 12 anos e um filho de nove: “[Tempo para mim] foi desse que abdiquei, claramente. O que me deixou algo desequilibrada. […] Leitura, trabalhos manuais, gosto de estar entretida de mãos, desde croché a jardinagem… portanto, tudo isso, ir ao cinema, ver televisão — tudo isso ficou para trás.”
“As mulheres abdicam muito mais do que os homens do tempo para si próprias e, portanto, deixam de fazer coisas que também lhes dariam gratificação, seja sentar-se no sofá a ler um livro ou fazer jardinagem, e projectam-nas para um futuro longínquo”
Heloísa Perista, investigadora
“Abdicar e ajudar são palavras-chave”, interpreta Heloísa Perista, numa primeira análise ao estudo que resultou de cerca de dez mil inquéritos e cujas conclusões serão ainda alvo de uma análise mais fina, lá para finais de Setembro. “As mulheres abdicam muito mais do que os homens do tempo para si próprias e, portanto, deixam de fazer coisas que também lhes dariam gratificação, seja sentar-se no sofá a ler um livro ou fazer jardinagem, e projectam-nas para um futuro longínquo”, prossegue.
Curiosamente, e apesar das assimetrias constatadas, o estudo mostra que cerca de sete em cada dez mulheres consideram que a parte que lhes cabe das tarefas domésticas corresponde ao que é justo. “Há uma naturalização, tanto de homens como de mulheres, relativamente ao que continua a ser socialmente esperado de si, no contexto das famílias. E daí este grau menos apurado de percepção das injustiças que rodeiam esta realidade”, aponta a coordenadora do estudo.
Trabalho pago invade tempo livre
Num aspecto, parece haver relativa paridade entre eles e elas: ambos se queixam de que o trabalho pago vai muitas vezes para além do horário de trabalho contratualizado: 34% dos homens e 28,3% das mulheres declararam que, nos 12 meses anteriores ao inquérito, trabalharam durante o seu tempo livre para dar resposta a solicitações do trabalho, pelo menos várias vezes por mês. Dá cerca de uma em cada três pessoas trabalhadoras.
Num aspecto, parece haver relativa paridade entre eles e elas: 34% dos homens e 28,3% das mulheres declararam que, nos 12 meses anteriores ao inquérito, trabalharam durante o seu tempo livre para dar resposta a solicitações do trabalho, pelo menos várias vezes por mês
Numa altura em que, a reboque da discussão sobre a natalidade, se discutem formas de flexibilização do horário de trabalho, como as jornadas contínuas, percebe-se que o horário fixo predomina, sendo o regime para 68,2% das mulheres e 74,1% dos homens. Não surpreende, assim, que quase quatro em cada dez pessoas (38,5% das mulheres e 36,9% dos homens) considerem que o seu horário de trabalho não se adapta aos compromissos familiares, pessoais ou sociais. Sem surpresas, esta queixa ouve-se mais alto entre os que têm filhos menores de 15 anos.
Curiosamente, apesar de cerca de metade dos inquiridos considerar ser fácil tirar uma ou duas horas durante o horário de trabalho para tratar de assuntos pessoais ou familiares, a percepção da existência dessa facilidade é menor nos grupos etários entre os 25 e os 44 anos, idades em que os constrangimentos de natureza familiar associados aos filhos tendem a ser maiores.
É também para as mulheres que o trabalho pago tem maiores implicações familiares e pessoais. São sobretudo elas que referem ter-se sentido algumas vezes demasiado cansadas após o trabalho para realizarem algumas tarefas domésticas (63,4%, contra 46,6% dos homens) ou para usufruírem da sua vida pessoal (64,2% face a 52,4% dos homens).
Mesmo assim, se fossem livres de escolher a sua duração de trabalho semanal, e tendo em consideração a necessidade de ganhar a vida, 43% das mulheres referem que trabalhariam o mesmo número de horas que trabalham actualmente. “O duplo emprego e o duplo salário são, no contexto de crise e de desemprego elevado em que nos encontramos, condição preferencial, nem sempre conseguida, para se ter uma vida condigna. Mas essa não é a única razão para a valorização do trabalho pago por parte das mulheres. Em Portugal, mais do que noutros países comunitários, as mulheres tendem a valorizar a continuidade da sua participação no mercado do trabalho por uma questão de valorização pessoal, mas sobretudo de autonomia e independência material”, conclui Heloísa Perista.
Sete em cada dez mulheres acham que a parte que lhes compete das tarefas domésticas e dos cuidados com os filhos é justa, mesmo quando trabalham o dobro. Percepção das desigualdades é diminuta porque elas estão naturalizadas, aponta estudo.
Entre cozinhar, passar a ferro e cuidar dos filhos, as mulheres portuguesas afectam todos os dias mais de 1h30m ao trabalho doméstico do que os homens. Isto, mesmo nos casais em que ambos trabalham fora de casa e partilham as despesas. As desigualdades na distribuição das tarefas tornam-se ainda mais vincadas quando consideramos as diferenças do tempo que homens e mulheres despendem no emprego pago: em média, eles trabalham apenas mais 27 minutos por dia.
“Enquanto as assimetrias ao nível do trabalho pago são cada vez menores, no trabalho não pago subsistem, mesmo entre os casais mais jovens, onde continuam a ser as mulheres a orquestrar a vida doméstica, enquanto eles ficam num papel de retaguarda”, aponta Heloísa Perista, coordenadora do estudo Os Usos do Tempo de Homens e de Mulheres em Portugal, desenvolvido, desde Outubro de 2014, pelo Centro de Estudos para a Intervenção Social, em parceria com a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, e que é apresentado nesta terça-feira, em Lisboa.
Feita a soma, e quando marido e mulher exercem uma actividade profissional fora de casa, as tarefas domésticas e com os filhos exigem em média às mulheres quatro horas e 17 minutos por dia, enquanto para os homens implicam apenas 2h37m. No grupo etário mais jovem (15-24 anos), a assimetria diminui ligeiramente, mas subsiste, com as jovens a registar mais 1h21m por dia do que os homens nas tarefas de casa e com os filhos.
De entre as tarefas domésticas rotineiras, 74,3% das mulheres declararam dedicar uma hora ou mais por dia a preparar refeições (contra 22,8% dos homens), 35,9% a limpar a casa (homens, 7,4%) e 10,5% a cuidar da roupa (1,4%). Antes como agora, eles dedicam-se mais a fazer compras, pagar contas, seguros e renda da casa e às reparações domésticas.
Não admira, assim, que 39,4% das mulheres inquiridas, contra 30,2% dos homens, subscrevam a afirmação “Na minha vida do dia-a-dia, raramente tenho tempo para fazer as coisas de que realmente gosto”. Ou, como explicita Ilda, numa família biparental, com filhas de 13 e 12 anos e um filho de nove: “[Tempo para mim] foi desse que abdiquei, claramente. O que me deixou algo desequilibrada. […] Leitura, trabalhos manuais, gosto de estar entretida de mãos, desde croché a jardinagem… portanto, tudo isso, ir ao cinema, ver televisão — tudo isso ficou para trás.”
“As mulheres abdicam muito mais do que os homens do tempo para si próprias e, portanto, deixam de fazer coisas que também lhes dariam gratificação, seja sentar-se no sofá a ler um livro ou fazer jardinagem, e projectam-nas para um futuro longínquo”
Heloísa Perista, investigadora
“Abdicar e ajudar são palavras-chave”, interpreta Heloísa Perista, numa primeira análise ao estudo que resultou de cerca de dez mil inquéritos e cujas conclusões serão ainda alvo de uma análise mais fina, lá para finais de Setembro. “As mulheres abdicam muito mais do que os homens do tempo para si próprias e, portanto, deixam de fazer coisas que também lhes dariam gratificação, seja sentar-se no sofá a ler um livro ou fazer jardinagem, e projectam-nas para um futuro longínquo”, prossegue.
Curiosamente, e apesar das assimetrias constatadas, o estudo mostra que cerca de sete em cada dez mulheres consideram que a parte que lhes cabe das tarefas domésticas corresponde ao que é justo. “Há uma naturalização, tanto de homens como de mulheres, relativamente ao que continua a ser socialmente esperado de si, no contexto das famílias. E daí este grau menos apurado de percepção das injustiças que rodeiam esta realidade”, aponta a coordenadora do estudo.
Trabalho pago invade tempo livre
Num aspecto, parece haver relativa paridade entre eles e elas: ambos se queixam de que o trabalho pago vai muitas vezes para além do horário de trabalho contratualizado: 34% dos homens e 28,3% das mulheres declararam que, nos 12 meses anteriores ao inquérito, trabalharam durante o seu tempo livre para dar resposta a solicitações do trabalho, pelo menos várias vezes por mês. Dá cerca de uma em cada três pessoas trabalhadoras.
Num aspecto, parece haver relativa paridade entre eles e elas: 34% dos homens e 28,3% das mulheres declararam que, nos 12 meses anteriores ao inquérito, trabalharam durante o seu tempo livre para dar resposta a solicitações do trabalho, pelo menos várias vezes por mês
Numa altura em que, a reboque da discussão sobre a natalidade, se discutem formas de flexibilização do horário de trabalho, como as jornadas contínuas, percebe-se que o horário fixo predomina, sendo o regime para 68,2% das mulheres e 74,1% dos homens. Não surpreende, assim, que quase quatro em cada dez pessoas (38,5% das mulheres e 36,9% dos homens) considerem que o seu horário de trabalho não se adapta aos compromissos familiares, pessoais ou sociais. Sem surpresas, esta queixa ouve-se mais alto entre os que têm filhos menores de 15 anos.
Curiosamente, apesar de cerca de metade dos inquiridos considerar ser fácil tirar uma ou duas horas durante o horário de trabalho para tratar de assuntos pessoais ou familiares, a percepção da existência dessa facilidade é menor nos grupos etários entre os 25 e os 44 anos, idades em que os constrangimentos de natureza familiar associados aos filhos tendem a ser maiores.
É também para as mulheres que o trabalho pago tem maiores implicações familiares e pessoais. São sobretudo elas que referem ter-se sentido algumas vezes demasiado cansadas após o trabalho para realizarem algumas tarefas domésticas (63,4%, contra 46,6% dos homens) ou para usufruírem da sua vida pessoal (64,2% face a 52,4% dos homens).
Mesmo assim, se fossem livres de escolher a sua duração de trabalho semanal, e tendo em consideração a necessidade de ganhar a vida, 43% das mulheres referem que trabalhariam o mesmo número de horas que trabalham actualmente. “O duplo emprego e o duplo salário são, no contexto de crise e de desemprego elevado em que nos encontramos, condição preferencial, nem sempre conseguida, para se ter uma vida condigna. Mas essa não é a única razão para a valorização do trabalho pago por parte das mulheres. Em Portugal, mais do que noutros países comunitários, as mulheres tendem a valorizar a continuidade da sua participação no mercado do trabalho por uma questão de valorização pessoal, mas sobretudo de autonomia e independência material”, conclui Heloísa Perista.
27.6.16
Projecto de investigação propõe índice municipal para a igualdade de género
Camilo Soldado, in Público on-line
Estudo envolveu cinco autarquias de vários pontos do país e elaborou guiões de boas práticas a adoptar pelos municípios.
Com o objectivo de medir as desigualdades de género no território nacional, um projecto de investigação do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (UC) em que participaram cinco autarquias propõe a criação de um índice municipal que classifique o trabalho dos municípios nesta área.
A coordenadora do projecto Local Gender Equality, Virgínia Ferreira, conta ao PÚBLICO que a criação deste mecanismo parte da necessidade de estabelecer linhas de intervenção. “Sem uma métrica, sem a possibilidade de medir como é que essa realidade se vai alterando de ano para ano, é difícil estabelecer objectivos”, justifica a investigadora.
Considerando que este “fenómeno muito complexo” não se pode “traduzir exclusivamente por um indicador”, Virgínia Ferreira explica que esta espécie de ranking contemplaria 20 indicadores de três tipos: os estruturais (que remetem para a existência ou não de instrumentos como os planos para a igualdade de género), os de resultados (se as políticas em vigor têm impacto) e os de processo (que têm em conta a existência ou não de serviços a nível local, como por exemplo os de apoio a vítimas de violência doméstica).
“Este índice poderia permitir que a câmara avaliasse ano a ano o seu desempenho e ter uma noção de melhores práticas a seguir por comparação com outros concelhos”, sublinha a também docente da Faculdade de Economia da UC.
Esta proposta é um dos resultados do projecto de investigação financiado pelo Mecanismo Financeiro do Espaço Económico Europeu através da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) e que foi desenvolvido ao longo de 15 meses com vários parceiros. No processo, cujo objectivo era produzir instrumentos para que as autarquias promovam a igualdade de género, estiveram envolvidas as câmaras de Lagoa, Ferreira do Alentejo, Pombal, Mangualde e Póvoa de Lanhoso, bem como o Centro de Estudos e Formação Autárquica (CEFA) e uma consultora.
Sobre a monitorização deste índice, a investigadora menciona que esta poderia ser assumida pela CIG. “Aqui não haveria muito que fazer”, explica, afirmando que houve “uma preocupação fundamental de que os indicadores todos estivessem disponíveis em bases estatísticas nacionais comparáveis, acessíveis”, ou seja, os dados estão disponíveis, basta juntá-los e fazer um trabalho de ponderação.
A coordenadora do projecto refere que os resultados, que incluem também oito guiões que abordam várias áreas de actuação, traduzem o trabalho com os parceiros a nível municipal. Ou seja, estes documentos são fruto de reuniões e troca de ideias com os técnicos e líderes políticos dos municípios. Cada guião oferece “instrumentos de diagnóstico e sugestões de solução dos problemas sectorialmente” e é dirigido a “problemas de gestão que, necessariamente, qualquer tipo de câmara municipal tem”. Os documentos abordam oito temáticas tão distintas como mobilidade e transportes, violência no trabalho ou cultura, desporto, juventude e lazer.
Cada guião está dividido em quatro partes. Começam por enquadrar a importância da igualdade de género em determinada área, seguem-se os princípios e metodologias que devem ser observados, depois instrumentos práticos como questionários ou checklists e, por fim, os exemplos de boas práticas, tanto a nível nacional como internacional.
Foi também elaborado um livro branco que aborda “questões mais transversais” e visa oferecer “orientações de como os bons princípios podem ser postos em prática”. Os problemas abordados neste manual passam por questões como a da linguagem utilizada ao nível interno e da comunicação externa (utilização do masculino como representante dos géneros) ou pela elaboração de orçamentos sensíveis a género. “Por exemplo, em relação ao desporto, pode haver uma maior desagregação das despesas para que haja uma identificação de quem beneficia dessa alocação de recursos. Isto pode traduzir-se em constatar que há uma injustiça na alocação de recursos”, sugere.
Virgínia Ferreira distingue este tipo de documentos dos planos municipais para a igualdade. “A primeira leva de planos municipais para a igualdade no país foi toda virada para a própria estrutura autárquica”, analisa, sendo que apenas “só mais recentemente tem havido apoios para as câmaras fazerem planos municipais virados mais para o exterior”.
O projecto é apresentado nesta segunda-feira num colóquio em Lisboa com a presença do ministro adjunto Eduardo Cabrita, que tutela a secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade.
Estudo envolveu cinco autarquias de vários pontos do país e elaborou guiões de boas práticas a adoptar pelos municípios.
Com o objectivo de medir as desigualdades de género no território nacional, um projecto de investigação do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (UC) em que participaram cinco autarquias propõe a criação de um índice municipal que classifique o trabalho dos municípios nesta área.
A coordenadora do projecto Local Gender Equality, Virgínia Ferreira, conta ao PÚBLICO que a criação deste mecanismo parte da necessidade de estabelecer linhas de intervenção. “Sem uma métrica, sem a possibilidade de medir como é que essa realidade se vai alterando de ano para ano, é difícil estabelecer objectivos”, justifica a investigadora.
Considerando que este “fenómeno muito complexo” não se pode “traduzir exclusivamente por um indicador”, Virgínia Ferreira explica que esta espécie de ranking contemplaria 20 indicadores de três tipos: os estruturais (que remetem para a existência ou não de instrumentos como os planos para a igualdade de género), os de resultados (se as políticas em vigor têm impacto) e os de processo (que têm em conta a existência ou não de serviços a nível local, como por exemplo os de apoio a vítimas de violência doméstica).
“Este índice poderia permitir que a câmara avaliasse ano a ano o seu desempenho e ter uma noção de melhores práticas a seguir por comparação com outros concelhos”, sublinha a também docente da Faculdade de Economia da UC.
Esta proposta é um dos resultados do projecto de investigação financiado pelo Mecanismo Financeiro do Espaço Económico Europeu através da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) e que foi desenvolvido ao longo de 15 meses com vários parceiros. No processo, cujo objectivo era produzir instrumentos para que as autarquias promovam a igualdade de género, estiveram envolvidas as câmaras de Lagoa, Ferreira do Alentejo, Pombal, Mangualde e Póvoa de Lanhoso, bem como o Centro de Estudos e Formação Autárquica (CEFA) e uma consultora.
Sobre a monitorização deste índice, a investigadora menciona que esta poderia ser assumida pela CIG. “Aqui não haveria muito que fazer”, explica, afirmando que houve “uma preocupação fundamental de que os indicadores todos estivessem disponíveis em bases estatísticas nacionais comparáveis, acessíveis”, ou seja, os dados estão disponíveis, basta juntá-los e fazer um trabalho de ponderação.
A coordenadora do projecto refere que os resultados, que incluem também oito guiões que abordam várias áreas de actuação, traduzem o trabalho com os parceiros a nível municipal. Ou seja, estes documentos são fruto de reuniões e troca de ideias com os técnicos e líderes políticos dos municípios. Cada guião oferece “instrumentos de diagnóstico e sugestões de solução dos problemas sectorialmente” e é dirigido a “problemas de gestão que, necessariamente, qualquer tipo de câmara municipal tem”. Os documentos abordam oito temáticas tão distintas como mobilidade e transportes, violência no trabalho ou cultura, desporto, juventude e lazer.
Cada guião está dividido em quatro partes. Começam por enquadrar a importância da igualdade de género em determinada área, seguem-se os princípios e metodologias que devem ser observados, depois instrumentos práticos como questionários ou checklists e, por fim, os exemplos de boas práticas, tanto a nível nacional como internacional.
Foi também elaborado um livro branco que aborda “questões mais transversais” e visa oferecer “orientações de como os bons princípios podem ser postos em prática”. Os problemas abordados neste manual passam por questões como a da linguagem utilizada ao nível interno e da comunicação externa (utilização do masculino como representante dos géneros) ou pela elaboração de orçamentos sensíveis a género. “Por exemplo, em relação ao desporto, pode haver uma maior desagregação das despesas para que haja uma identificação de quem beneficia dessa alocação de recursos. Isto pode traduzir-se em constatar que há uma injustiça na alocação de recursos”, sugere.
Virgínia Ferreira distingue este tipo de documentos dos planos municipais para a igualdade. “A primeira leva de planos municipais para a igualdade no país foi toda virada para a própria estrutura autárquica”, analisa, sendo que apenas “só mais recentemente tem havido apoios para as câmaras fazerem planos municipais virados mais para o exterior”.
O projecto é apresentado nesta segunda-feira num colóquio em Lisboa com a presença do ministro adjunto Eduardo Cabrita, que tutela a secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade.
18.12.15
Taxa de pobreza mantém-se em 19,5%: aumentou nos idosos, diminui nas crianças
Pedro Crisóstomo, in Público on-line
População idosa voltou a registar um aumento do risco de pobreza pelo segundo ano consecutivo. Nas crianças houve uma ligeira diminuição. Dos desempregados, 42% estão em risco de pobreza.
Depois de aumentar durante dois anos consecutivos, a taxa de risco de pobreza manteve-se inalterada em 2014 em relação a 2013, abrangendo 19,5% da população, o que significa que uma em cada cinco pessoas é pobre. A taxa não se alterou face ao ano anterior a taxa estimada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), mas houve tendências diferentes nos escalões etários: a pobreza voltou a aumentar entre a população idosa, sobretudo entre os reformados, diminui de forma ligeira entre as crianças e os adultos em idade activa.
Após um ciclo de redução da pobreza, a taxa estabilizou. Depois taxa passou de 17,9% em 2011 para 18,7% em 2012, voltou a aumentar em 2013 para 19,5%, mantendo-se ao mesmo nível no ano seguinte. A pobreza continua a “atingir com maior impacto” as mulheres, com uma taxa de 20,1%, superior à de 18,8% dos homens.
A taxa medida pelo INE (o conceito estatístico oficial a nível europeu é “taxa de risco de pobreza”) refere-se à população cujo rendimento está abaixo da linha de pobreza (definida como 60% do rendimento mediano), correspondendo assim à proporção de pessoas com rendimentos líquidos inferiores a 5059 euros anuais em 2014 (cerca de 422 euros por mês).
Um dos indicadores destacados pelo INE tem a ver com o aumento do risco de pobreza entre a população idosa. Em 2014, 17,1% dos idosos estavam nesta situação. A taxa aumentou dois pontos percentuais em relação a 2013, ano em que a taxa estava em 15,1%. Apesar do aumento durante dois anos seguidos, mantém-se a “evolução no sentido decrescente” observada desde que o INE iniciou estas estatísticas. A taxa está 11,8 pontos percentuais abaixo dos valores de 2003 e é inferior em 2,9 pontos a 2010.
Os pensionistas (estatisticamente referida pelo INE como população reformada) foram quem mais viu aumentar o risco de pobreza em 2014, com uma taxa que o INE calcula em 14,5%, face aos 12,9% do ano anterior.
A pobreza continua a atingir com mais intensidade as crianças. Na população até aos 18 anos, está próxima, mas abaixo, de 25%. A taxa passou para 24,8%, baixando “ligeiramente” em relação aos 25,6% registados em 2014, ano em que o aumento tinha sido particularmente significativo nesta faixa etária.
O quadro não se alterou: as famílias com crianças continuam, assim, a ter um risco de pobreza superior aos das famílias sem crianças a cargo – se no primeiro caso a taxa é de 22,2%, no segundo está nos 16,2%.
Entre a população desempregada, há 42% que estava em risco de pobreza no ano passado. Aqui, apesar da redução dos números oficiais do desemprego, houve um aumento da pobreza. A taxa tem vindo sucessivamente a aumentar, passando de 38,3% em 2011 para 40,3% no ano seguinte e, depois, para 40,5% em 2013.
Já entre as pessoas que têm trabalho houve um agravamento, com a taxa a passar de 10,7% para 11%.
Privação material diminui
Outro dado importante para medir as condições de vida e de rendimento da população tem a ver com a taxa de privação material – e para estes dados o ano de referência é já o de 2015.
O indicador principal desta taxa mede a proporção da população que não tem acesso a, pelo menos, três de nove itens relacionados com bens e necessidades económicas (por exemplo, se uma pessoa não consegue ter uma refeição de carne ou peixe pelo menos de dois em dois dias, se tem rendas da casa em atraso ou despesas correntes por pagar, se não tem capacidade para manter a casa adequadamente aquecida, se não tem máquina de lavar roupa ou se a pessoa estiver na situação em que não tem capacidade para pagar uma semana de férias).
No inquérito deste ano, a taxa de privação material baixou para 21,6%, depois de no ano passado ter atingido 25,7%. Alguns números do INE: “40,7% das pessoas vivem em agregados sem capacidade para assegurar o pagamento imediato, sem recorrer a empréstimo, de uma despesa inesperada próxima” do valor mensal da linha de pobreza, 422 euros (42,2% em 2014); “23,8% das pessoas vivem em agregados sem capacidade para manter a casa adequadamente aquecida (28,3% em 2014)”; ou “10,1% das pessoas vivem em agregados sem capacidade para pagar atempadamente rendas, encargos ou despesas correntes (12,0% em 2014)”.
Nos dados que publicou, o INE apresenta ainda estatísticas para medir a insuficiência de recursos da população em risco de pobreza, que abrangia 29% das pessoas. Este valor diminuiu 1,3 pontos percentuais em relação a 2013. Houve uma redução na assimetria dos rendimentos, conclui o INE, lembrando que o chamado Coeficiente de Gini – o indicador de desigualdade na distribuição dos rendimentos – é de 34%, tendo diminuído meio ponto percentual.
Uma das conclusões é que o rendimento (líquido) dos 20% da população com maiores recursos era, no ano passado, seis vezes superior ao rendimento monetário dos 20% da população com menores recursos. No ano anterior os rendimentos eram 6,2 vezes superiores.
Medindo a distância dos 10% da população com maiores e menos recursos, a distância é de 10,6 (menor do que no ano anterior, que estava em 11,1).
O INE estima, ao mesmo tempo, que se reduziu a “insuficiência de recursos da população em risco de pobreza”. Esta conclusão resulta de um outro indicador complementar, o da taxa de intensidade da pobreza, que os especialistas consideram relevante para medir a falta de recursos das pessoas. A taxa “foi de 29,0% em 2014, reduzindo-se em 1,3 pontos percentuais face ao défice de recursos registado no ano anterior (30,3%)”.
Quanto ao indicador de risco de pobreza ou exclusão social, há 26,7% da população portuguesa nesta situação. Esta taxa baixou 0,8 pontos percentuais em relação a 2013. Aqui consideram-se as “pessoas em risco de pobreza ou vivendo em agregados com intensidade laboral per capita muito reduzida ou em situação de privação material severa”.
Quando, no início do ano, o INE divulgou os números sobre o aumento da pobreza em 2013, Pedro Passos Coelho, então primeiro-ministro, interpretou-os como um retrato do passado. “A notícia divulgada pelo Instituto Nacional de Estatística [em Janeiro] é um eco daquilo por que passámos, não é a situação que vivemos hoje, reporta àquilo que foi a circunstância que vivemos, nomeadamente em 2013, que foi, talvez, o ano mais difícil em que o reflexo de medidas muito duras tomadas ao longo do ano de 2012 acabaram por ter por consequência”, afirmou Passos Coelho a 31 de Janeiro.
População idosa voltou a registar um aumento do risco de pobreza pelo segundo ano consecutivo. Nas crianças houve uma ligeira diminuição. Dos desempregados, 42% estão em risco de pobreza.
Depois de aumentar durante dois anos consecutivos, a taxa de risco de pobreza manteve-se inalterada em 2014 em relação a 2013, abrangendo 19,5% da população, o que significa que uma em cada cinco pessoas é pobre. A taxa não se alterou face ao ano anterior a taxa estimada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), mas houve tendências diferentes nos escalões etários: a pobreza voltou a aumentar entre a população idosa, sobretudo entre os reformados, diminui de forma ligeira entre as crianças e os adultos em idade activa.
Após um ciclo de redução da pobreza, a taxa estabilizou. Depois taxa passou de 17,9% em 2011 para 18,7% em 2012, voltou a aumentar em 2013 para 19,5%, mantendo-se ao mesmo nível no ano seguinte. A pobreza continua a “atingir com maior impacto” as mulheres, com uma taxa de 20,1%, superior à de 18,8% dos homens.
A taxa medida pelo INE (o conceito estatístico oficial a nível europeu é “taxa de risco de pobreza”) refere-se à população cujo rendimento está abaixo da linha de pobreza (definida como 60% do rendimento mediano), correspondendo assim à proporção de pessoas com rendimentos líquidos inferiores a 5059 euros anuais em 2014 (cerca de 422 euros por mês).
Um dos indicadores destacados pelo INE tem a ver com o aumento do risco de pobreza entre a população idosa. Em 2014, 17,1% dos idosos estavam nesta situação. A taxa aumentou dois pontos percentuais em relação a 2013, ano em que a taxa estava em 15,1%. Apesar do aumento durante dois anos seguidos, mantém-se a “evolução no sentido decrescente” observada desde que o INE iniciou estas estatísticas. A taxa está 11,8 pontos percentuais abaixo dos valores de 2003 e é inferior em 2,9 pontos a 2010.
Os pensionistas (estatisticamente referida pelo INE como população reformada) foram quem mais viu aumentar o risco de pobreza em 2014, com uma taxa que o INE calcula em 14,5%, face aos 12,9% do ano anterior.
A pobreza continua a atingir com mais intensidade as crianças. Na população até aos 18 anos, está próxima, mas abaixo, de 25%. A taxa passou para 24,8%, baixando “ligeiramente” em relação aos 25,6% registados em 2014, ano em que o aumento tinha sido particularmente significativo nesta faixa etária.
O quadro não se alterou: as famílias com crianças continuam, assim, a ter um risco de pobreza superior aos das famílias sem crianças a cargo – se no primeiro caso a taxa é de 22,2%, no segundo está nos 16,2%.
Entre a população desempregada, há 42% que estava em risco de pobreza no ano passado. Aqui, apesar da redução dos números oficiais do desemprego, houve um aumento da pobreza. A taxa tem vindo sucessivamente a aumentar, passando de 38,3% em 2011 para 40,3% no ano seguinte e, depois, para 40,5% em 2013.
Já entre as pessoas que têm trabalho houve um agravamento, com a taxa a passar de 10,7% para 11%.
Privação material diminui
Outro dado importante para medir as condições de vida e de rendimento da população tem a ver com a taxa de privação material – e para estes dados o ano de referência é já o de 2015.
O indicador principal desta taxa mede a proporção da população que não tem acesso a, pelo menos, três de nove itens relacionados com bens e necessidades económicas (por exemplo, se uma pessoa não consegue ter uma refeição de carne ou peixe pelo menos de dois em dois dias, se tem rendas da casa em atraso ou despesas correntes por pagar, se não tem capacidade para manter a casa adequadamente aquecida, se não tem máquina de lavar roupa ou se a pessoa estiver na situação em que não tem capacidade para pagar uma semana de férias).
No inquérito deste ano, a taxa de privação material baixou para 21,6%, depois de no ano passado ter atingido 25,7%. Alguns números do INE: “40,7% das pessoas vivem em agregados sem capacidade para assegurar o pagamento imediato, sem recorrer a empréstimo, de uma despesa inesperada próxima” do valor mensal da linha de pobreza, 422 euros (42,2% em 2014); “23,8% das pessoas vivem em agregados sem capacidade para manter a casa adequadamente aquecida (28,3% em 2014)”; ou “10,1% das pessoas vivem em agregados sem capacidade para pagar atempadamente rendas, encargos ou despesas correntes (12,0% em 2014)”.
Nos dados que publicou, o INE apresenta ainda estatísticas para medir a insuficiência de recursos da população em risco de pobreza, que abrangia 29% das pessoas. Este valor diminuiu 1,3 pontos percentuais em relação a 2013. Houve uma redução na assimetria dos rendimentos, conclui o INE, lembrando que o chamado Coeficiente de Gini – o indicador de desigualdade na distribuição dos rendimentos – é de 34%, tendo diminuído meio ponto percentual.
Uma das conclusões é que o rendimento (líquido) dos 20% da população com maiores recursos era, no ano passado, seis vezes superior ao rendimento monetário dos 20% da população com menores recursos. No ano anterior os rendimentos eram 6,2 vezes superiores.
Medindo a distância dos 10% da população com maiores e menos recursos, a distância é de 10,6 (menor do que no ano anterior, que estava em 11,1).
O INE estima, ao mesmo tempo, que se reduziu a “insuficiência de recursos da população em risco de pobreza”. Esta conclusão resulta de um outro indicador complementar, o da taxa de intensidade da pobreza, que os especialistas consideram relevante para medir a falta de recursos das pessoas. A taxa “foi de 29,0% em 2014, reduzindo-se em 1,3 pontos percentuais face ao défice de recursos registado no ano anterior (30,3%)”.
Quanto ao indicador de risco de pobreza ou exclusão social, há 26,7% da população portuguesa nesta situação. Esta taxa baixou 0,8 pontos percentuais em relação a 2013. Aqui consideram-se as “pessoas em risco de pobreza ou vivendo em agregados com intensidade laboral per capita muito reduzida ou em situação de privação material severa”.
Quando, no início do ano, o INE divulgou os números sobre o aumento da pobreza em 2013, Pedro Passos Coelho, então primeiro-ministro, interpretou-os como um retrato do passado. “A notícia divulgada pelo Instituto Nacional de Estatística [em Janeiro] é um eco daquilo por que passámos, não é a situação que vivemos hoje, reporta àquilo que foi a circunstância que vivemos, nomeadamente em 2013, que foi, talvez, o ano mais difícil em que o reflexo de medidas muito duras tomadas ao longo do ano de 2012 acabaram por ter por consequência”, afirmou Passos Coelho a 31 de Janeiro.
28.10.15
Suécia encara tabu e abre primeira clínica para homens violados
Texto de Ana Maria Henriques, in Público on-line (P3)
Hospital de Estocolmo tem um novo centro especializado em acolher e tratar homens violados. Fará sentido em Portugal, onde 1% das participações de crimes sexuais são feitas por homens? Especialista em saúde pública olha para instalações do género como “geradoras de grandes iniquidades”
Em Estocolmo, na Suécia, os homens vítimas de violência sexual têm, desde meados de Outubro, um centro médico de apoio dedicado. Naquela que é considerada a primeira clínica do mundo com este tipo de especialização, rapazes e homens serão acolhidos e tratados por uma equipa preparada para os aconselhar, desde questões médicas a legais.
A clínica gratuita de Södersjukhuset faz parte da estratégia de garantia de igualdade de género nos serviços de emergência médica suecos, nomeadamente em casos de violação ou assédio sexual. É “inteiramente financiada pelos contribuintes”, assegura o jornal norte-americano “The Washington Post”, e o investimento inicial terá rondado os 182 mil euros. O projecto foi anunciado em Junho último e abriu as portas a 15 de Outubro. As vítimas do sexo masculino podem dar entrada na clínica a qualquer hora do dia (e a qualquer dia da semana).
A campanha para a criação do centro médico foi liderada pelo Partido Popular Liberal sueco. O porta-voz do partido, Rasmus Jonlund, acredita tratar-se “da primeira clínica [do género] no mundo”, uma vez que as pesquisas que realizaram não provaram a existência de instalações semelhantes, avançou ao site “The Local”. “Não sabemos quantas pessoas a vão usar (…), mas sabemos que há muitas que sofrem este tipo de ataques e não procuram cuidados”, explicou Jonlund. “A nossa esperança é que muitas mais destas vítimas escondidas possam, agora, ter ajuda.”
No mesmo hospital — um dos maiores da capital sueca — funciona, também, o maior centro de ajuda daquele país para apoiar mulheres vítimas de agressões sexuais. Entre 600 e 700 utentes são, em média, atendidas por ano na clínica. Segundo uma mega-sondagem divulgada no ano passado pela Agência Europeia para os Direitos Fundamentais, 46% das suecas inquiridas disseram já ter sido vítimas de violência, naquela que é uma das mais altas percentagens da União Europeia. No "ranking" do Fórum Económico Mundial que mede a igualdade de género, a Suécia ocupa o 4.º lugar (em 142).
Em 2014 foram reportados 370 casos de violência sexual contra homens ou rapazes na Suécia, de acordo com dados apresentados pela versão em inglês do “The Local”. Em Portugal, os números existentes são da Associação de Apoio à Vítima (APAV) e, tal como naquele país nórdico, escondem uma “cifra negra”. Daniel Cotrim, da APAV, revela que 1% das participações de crimes de violência sexual são de homens, com mais de 18 anos. Muitos outros ficarão por participar e o silêncio é motivado não só pelo medo mas também pela vergonha: falar em violação contra os homens “ainda é um tabu”, acredita. Mas as “questões de identidade sexual e de género colocam-se exactamente da mesma maneira e precisam da apoio”.
A percentagem relativa a Portugal é, para Cotrim, “positiva”: “Significa que 1% de pessoas já perceberam que podem e devem denunciar este tipo de situações.” “Temos que nos lembrar que existem violações dentro da relação conjugal, tanto em casais heterossexuais como homossexuais, e que esta violação não é referida ou denunciada pelas vítimas”, faz questão de salientar, dado que se trata de uma “relação de dependência com o próprio agressor”. “Muitas vezes não têm, sequer, a consciência de que aquilo que lhes aconteceu é uma violação.”
Apesar dos estudos recentes continuarem a apontar as mulheres como principais vítimas de violência — psicológica, física, financeira ou sexual —, “o facto é que cada vez há mais homens a queixarem-se de serem vítimas”. Quem o diz é o presidente do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), Henrique Barros, que sugere “questões de natureza anatómica e de brutalidade da força” como a justificação mais vezes invocada para explicar o “menor impacto da violência sexual das mulheres contra os homens”. Estes argumentos, contudo, perdem relevância quando se trata de relações entre pessoas do mesmo sexo, em que “a violência sexual é parecida com a das heterossexuais de homem para mulher”.
Serviços de saúde “amigos das vítimas”
Pode um centro especializado como o de Estocolmo ser adaptado à realidade portuguesa? Henrique Barros considera necessário, primeiro, “ver como se organizam os serviços sociais e de saúde em cada país”. Ao contrário do que acontece, por exemplo, em Inglaterra e na Holanda (onde as vítimas são encaminhadas para clínicas especializadas em doenças de transmissão sexual), diz, Portugal apostou em não perpetuar instalações potencialmente estigmatizantes. “Houve uma intenção de normalizar estas situações e a forma de o fazer, de um ponto de vista médico, foi colocá-las nos médicos de família”, explica. O que também pode, admite, criar desconforto na hora de o utente falar com o profissional de saúde, “uma vez que o médico de família pode ser, por exemplo, o médico da mãe”.
“Tornar os serviços de saúde e sociais amigos das vítimas” é aquilo que o docente universitário vê como fundamental. Independentemente da área de residência, as vítimas “deveriam sentir que podem ir ao primeiro sítio que encontram e ser bem recebidas”. No “mundo ideal” de Henrique Barros, as condições seriam idênticas em qualquer zona do país, existindo ou não centros dedicados. “No fundo, são geradores de grandes iniquidades e podem ser um bocadinho mais teatrais do que funcionais” — ainda que sirvam como “unidades exemplificativas”, ressalva. Um modelo de “proximidade e de abertura”, defende, seria mais condizente com a cultura portuguesa.
Em Portugal não existe nenhum centro de apoio médico especializado a mulheres ou homens que foram vítimas de violação ou assédio sexual. Quando uma pessoa é vítima de violação, descreve Daniel Cotrim, é feita “uma consulta de perícia médico-legal”, numa delegação do Instituto de Medicina Médico-Legal, na qual é efectuado um “protocolo de verificação do que aconteceu”, para se recolherem os dados necessários ao avanço do processo de um ponto de vista legal. As vítimas são, depois, encaminhadas para uma consulta com o médico de família. O apoio psicológico ou social é, muitas vezes, conseguido através de organizações como a APAV.
Desconstruir mitos e estereótipos e trabalhar mentalidades é aquilo que Cotrim vê como prioritário, antes mesmo de se partir para a construção de unidades de apoio. “A mentalidade generalizada é a seguinte: quando uma violação acontece a um homem é porque ou não gosta de mulheres — e é associado a determinada orientação sexual — ou não foi realmente violado”, exemplifica.
É aqui que entram as escolas, o lugar por excelência para se incutir uma cultura mais tolerante. “A violência de género e nas relações íntimas é, por um lado, uma questão de educação sexual e, por outro, uma questão de educação para a civilidade”, reflecte Barros. Não pode é limitar-se à escolaridade obrigatória: “Há tópicos de sociedade e convivência que devem ser reforçados ao longo da vida.”
Hospital de Estocolmo tem um novo centro especializado em acolher e tratar homens violados. Fará sentido em Portugal, onde 1% das participações de crimes sexuais são feitas por homens? Especialista em saúde pública olha para instalações do género como “geradoras de grandes iniquidades”
Em Estocolmo, na Suécia, os homens vítimas de violência sexual têm, desde meados de Outubro, um centro médico de apoio dedicado. Naquela que é considerada a primeira clínica do mundo com este tipo de especialização, rapazes e homens serão acolhidos e tratados por uma equipa preparada para os aconselhar, desde questões médicas a legais.
A clínica gratuita de Södersjukhuset faz parte da estratégia de garantia de igualdade de género nos serviços de emergência médica suecos, nomeadamente em casos de violação ou assédio sexual. É “inteiramente financiada pelos contribuintes”, assegura o jornal norte-americano “The Washington Post”, e o investimento inicial terá rondado os 182 mil euros. O projecto foi anunciado em Junho último e abriu as portas a 15 de Outubro. As vítimas do sexo masculino podem dar entrada na clínica a qualquer hora do dia (e a qualquer dia da semana).
A campanha para a criação do centro médico foi liderada pelo Partido Popular Liberal sueco. O porta-voz do partido, Rasmus Jonlund, acredita tratar-se “da primeira clínica [do género] no mundo”, uma vez que as pesquisas que realizaram não provaram a existência de instalações semelhantes, avançou ao site “The Local”. “Não sabemos quantas pessoas a vão usar (…), mas sabemos que há muitas que sofrem este tipo de ataques e não procuram cuidados”, explicou Jonlund. “A nossa esperança é que muitas mais destas vítimas escondidas possam, agora, ter ajuda.”
No mesmo hospital — um dos maiores da capital sueca — funciona, também, o maior centro de ajuda daquele país para apoiar mulheres vítimas de agressões sexuais. Entre 600 e 700 utentes são, em média, atendidas por ano na clínica. Segundo uma mega-sondagem divulgada no ano passado pela Agência Europeia para os Direitos Fundamentais, 46% das suecas inquiridas disseram já ter sido vítimas de violência, naquela que é uma das mais altas percentagens da União Europeia. No "ranking" do Fórum Económico Mundial que mede a igualdade de género, a Suécia ocupa o 4.º lugar (em 142).
Em 2014 foram reportados 370 casos de violência sexual contra homens ou rapazes na Suécia, de acordo com dados apresentados pela versão em inglês do “The Local”. Em Portugal, os números existentes são da Associação de Apoio à Vítima (APAV) e, tal como naquele país nórdico, escondem uma “cifra negra”. Daniel Cotrim, da APAV, revela que 1% das participações de crimes de violência sexual são de homens, com mais de 18 anos. Muitos outros ficarão por participar e o silêncio é motivado não só pelo medo mas também pela vergonha: falar em violação contra os homens “ainda é um tabu”, acredita. Mas as “questões de identidade sexual e de género colocam-se exactamente da mesma maneira e precisam da apoio”.
A percentagem relativa a Portugal é, para Cotrim, “positiva”: “Significa que 1% de pessoas já perceberam que podem e devem denunciar este tipo de situações.” “Temos que nos lembrar que existem violações dentro da relação conjugal, tanto em casais heterossexuais como homossexuais, e que esta violação não é referida ou denunciada pelas vítimas”, faz questão de salientar, dado que se trata de uma “relação de dependência com o próprio agressor”. “Muitas vezes não têm, sequer, a consciência de que aquilo que lhes aconteceu é uma violação.”
Apesar dos estudos recentes continuarem a apontar as mulheres como principais vítimas de violência — psicológica, física, financeira ou sexual —, “o facto é que cada vez há mais homens a queixarem-se de serem vítimas”. Quem o diz é o presidente do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), Henrique Barros, que sugere “questões de natureza anatómica e de brutalidade da força” como a justificação mais vezes invocada para explicar o “menor impacto da violência sexual das mulheres contra os homens”. Estes argumentos, contudo, perdem relevância quando se trata de relações entre pessoas do mesmo sexo, em que “a violência sexual é parecida com a das heterossexuais de homem para mulher”.
Serviços de saúde “amigos das vítimas”
Pode um centro especializado como o de Estocolmo ser adaptado à realidade portuguesa? Henrique Barros considera necessário, primeiro, “ver como se organizam os serviços sociais e de saúde em cada país”. Ao contrário do que acontece, por exemplo, em Inglaterra e na Holanda (onde as vítimas são encaminhadas para clínicas especializadas em doenças de transmissão sexual), diz, Portugal apostou em não perpetuar instalações potencialmente estigmatizantes. “Houve uma intenção de normalizar estas situações e a forma de o fazer, de um ponto de vista médico, foi colocá-las nos médicos de família”, explica. O que também pode, admite, criar desconforto na hora de o utente falar com o profissional de saúde, “uma vez que o médico de família pode ser, por exemplo, o médico da mãe”.
“Tornar os serviços de saúde e sociais amigos das vítimas” é aquilo que o docente universitário vê como fundamental. Independentemente da área de residência, as vítimas “deveriam sentir que podem ir ao primeiro sítio que encontram e ser bem recebidas”. No “mundo ideal” de Henrique Barros, as condições seriam idênticas em qualquer zona do país, existindo ou não centros dedicados. “No fundo, são geradores de grandes iniquidades e podem ser um bocadinho mais teatrais do que funcionais” — ainda que sirvam como “unidades exemplificativas”, ressalva. Um modelo de “proximidade e de abertura”, defende, seria mais condizente com a cultura portuguesa.
Em Portugal não existe nenhum centro de apoio médico especializado a mulheres ou homens que foram vítimas de violação ou assédio sexual. Quando uma pessoa é vítima de violação, descreve Daniel Cotrim, é feita “uma consulta de perícia médico-legal”, numa delegação do Instituto de Medicina Médico-Legal, na qual é efectuado um “protocolo de verificação do que aconteceu”, para se recolherem os dados necessários ao avanço do processo de um ponto de vista legal. As vítimas são, depois, encaminhadas para uma consulta com o médico de família. O apoio psicológico ou social é, muitas vezes, conseguido através de organizações como a APAV.
Desconstruir mitos e estereótipos e trabalhar mentalidades é aquilo que Cotrim vê como prioritário, antes mesmo de se partir para a construção de unidades de apoio. “A mentalidade generalizada é a seguinte: quando uma violação acontece a um homem é porque ou não gosta de mulheres — e é associado a determinada orientação sexual — ou não foi realmente violado”, exemplifica.
É aqui que entram as escolas, o lugar por excelência para se incutir uma cultura mais tolerante. “A violência de género e nas relações íntimas é, por um lado, uma questão de educação sexual e, por outro, uma questão de educação para a civilidade”, reflecte Barros. Não pode é limitar-se à escolaridade obrigatória: “Há tópicos de sociedade e convivência que devem ser reforçados ao longo da vida.”
30.6.15
Igualdade de género. Portugal é o terceiro país mais desigual da UE
in o Observador
Portugal está no fundo da tabela da União Europeia no que diz respeito à igualdade de género. Apenas Roménia e Eslováquia estão abaixo de Portugal nas maiores diferenças entre homens e mulheres.
As mulheres europeias continuam a meio caminho da igualdade em relação aos homens, mas para as portuguesas o objetivo está cada vez mais longe, já que Portugal é agora o terceiro país mais desigual da União Europeia – o país caiu três lugares face ao último índice. Os lugares cimeiros de paridade entre homens e mulheres continuam a pertencer aos países nórdicos como Suécia, Dinamarca e Finlândia. Pior que Portugal só Roménia e Eslováquia.
O Índice Europeu da Igualdade de Género, divulgado esta quinta-feira pelo Instituto Europeu para a Igualdade de Género, concluiu que em 2012 a igualdade das mulheres face aos homens melhorou ligeiramente face a 2010, mas continua a meio caminho. Sendo a igualdade total igual a 100 e a desigualdade total igual a zero, em 2012, as europeias estavam com um índice de igualdade de 52,9 face aos homens europeus. Tempo e poder continuam a ser o maior calcanhar de Aquiles das mulheres no combate à desigualdade de género.
desigualdade-genero-UE
Este índice comparou, agregou e analisou as estatísticas do ano de 2012 da Comissão Europeia, do Eurostat, da Eurofound (Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho), da FRA (Agência Europeia para os Direitos Fundamentais), em seis categorias diferentes: trabalho, dinheiro, conhecimento, tempo, poder e saúde.
A situação face às edições anteriores deste índice – que foram levadas a cabo em 2005 e 2010 -, no que diz respeito à média global dos 28, melhorou ligeiramente em 2012, já que em 2005, o índice era 51,3, enquanto em 2010 era 52,4. Entre 2005 e 2012 muitos países ainda não faziam parte da União, já que houve dois alargamentos em 2007 e em 2013. Portugal teve, segundo indicam os dados de 2012, o pior resultado de sempre neste índice. Em 2005, Portugal era o quarto país mais desigual, e nos dados de 2010, divulgados em 2013, Portugal estava na sexta pior posição.
desigualdade-genero-evolucao
Os resultados relativos ao tempo e ao poder acentuam as diferenças entre homens e mulheres na União Europeia. No que diz respeito ao tempo, nomeadamente o tempo que as mulheres dedicam a cuidar da casa e dos seus dependentes (filhos e pais) e ainda o tempo que as mulheres têm para ocupar os seus tempos livres e fazerem voluntariado. 77% das europeias empregadas dedicavam pelo menos uma hora do seu dia a cuidados com a casa e com a família, enquanto apenas 24% dos homens empregados empregava o tempo desta maneira. Já em relação ao poder, em 2012, os homens ocupavam 78% das posições ministeriais dos 28 Estados-membros, enquanto os representantes nos parlamentos nos 28 – tendo em conta que alguns países têm sistemas políticos duas câmaras – são 75% homens.
Portugal está no fundo da tabela da União Europeia no que diz respeito à igualdade de género. Apenas Roménia e Eslováquia estão abaixo de Portugal nas maiores diferenças entre homens e mulheres.
As mulheres europeias continuam a meio caminho da igualdade em relação aos homens, mas para as portuguesas o objetivo está cada vez mais longe, já que Portugal é agora o terceiro país mais desigual da União Europeia – o país caiu três lugares face ao último índice. Os lugares cimeiros de paridade entre homens e mulheres continuam a pertencer aos países nórdicos como Suécia, Dinamarca e Finlândia. Pior que Portugal só Roménia e Eslováquia.
O Índice Europeu da Igualdade de Género, divulgado esta quinta-feira pelo Instituto Europeu para a Igualdade de Género, concluiu que em 2012 a igualdade das mulheres face aos homens melhorou ligeiramente face a 2010, mas continua a meio caminho. Sendo a igualdade total igual a 100 e a desigualdade total igual a zero, em 2012, as europeias estavam com um índice de igualdade de 52,9 face aos homens europeus. Tempo e poder continuam a ser o maior calcanhar de Aquiles das mulheres no combate à desigualdade de género.
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Este índice comparou, agregou e analisou as estatísticas do ano de 2012 da Comissão Europeia, do Eurostat, da Eurofound (Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho), da FRA (Agência Europeia para os Direitos Fundamentais), em seis categorias diferentes: trabalho, dinheiro, conhecimento, tempo, poder e saúde.
A situação face às edições anteriores deste índice – que foram levadas a cabo em 2005 e 2010 -, no que diz respeito à média global dos 28, melhorou ligeiramente em 2012, já que em 2005, o índice era 51,3, enquanto em 2010 era 52,4. Entre 2005 e 2012 muitos países ainda não faziam parte da União, já que houve dois alargamentos em 2007 e em 2013. Portugal teve, segundo indicam os dados de 2012, o pior resultado de sempre neste índice. Em 2005, Portugal era o quarto país mais desigual, e nos dados de 2010, divulgados em 2013, Portugal estava na sexta pior posição.
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Os resultados relativos ao tempo e ao poder acentuam as diferenças entre homens e mulheres na União Europeia. No que diz respeito ao tempo, nomeadamente o tempo que as mulheres dedicam a cuidar da casa e dos seus dependentes (filhos e pais) e ainda o tempo que as mulheres têm para ocupar os seus tempos livres e fazerem voluntariado. 77% das europeias empregadas dedicavam pelo menos uma hora do seu dia a cuidados com a casa e com a família, enquanto apenas 24% dos homens empregados empregava o tempo desta maneira. Já em relação ao poder, em 2012, os homens ocupavam 78% das posições ministeriais dos 28 Estados-membros, enquanto os representantes nos parlamentos nos 28 – tendo em conta que alguns países têm sistemas políticos duas câmaras – são 75% homens.
22.7.13
Primeiro centro para homens vítimas de tráfico de seres humanos já abriu
in Público on-line
Espaço de acolhimento situado em local sigiloso surge para dar resposta ao número crescente de vítimas do sexo masculino alvo de exploração laboral. Actualmente é ocupado por vítimas de nacionalidade romena
[leia aqui a reportagem na íntegra]
Espaço de acolhimento situado em local sigiloso surge para dar resposta ao número crescente de vítimas do sexo masculino alvo de exploração laboral. Actualmente é ocupado por vítimas de nacionalidade romena
[leia aqui a reportagem na íntegra]
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