17.6.20

Trabalho infantil com primeiro aumento em 20 anos

in DN

O desemprego e a crise provocados pelas medidas adotadas para travar o novo coronavírus, bem como o fecho de escolas, podem levar a um aumento do trabalho infantil, segundo um alerta da Organização Internacional do Trabalho e da UNICEF.

Nos últimos 20 anos, passou a haver menos 94 milhões de crianças vítimas de trabalho infantil. Mas todo o esforço no combate ao flagelo pode estar em causa devido à crise provocada pela epidemia e pelas medidas que os governos adotaram para travar o avanço do novo coronavírus. O alerta vem da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância e foi feito no âmbito do Dia Mundial contra o Trabalho Infantil, que se celebra nesta sexta-feira, dia 12 de junho.

A concretizar-se o aumento no trabalho infantil, será a primeira subida registada em 20 anos. O aviso consta do relatório "Covid-19 e trabalho infantil: um tempo de crise, um tempo para agir". Segundo o relatório, as crianças que já trabalham em trabalho infantil podem agora ser forçadas a trabalhar mais horas ou em piores condições. Mais crianças podem submetidas às piores condições de trabalho, com danos significativos para a sua saúde e segurança.
"Como a pandemia causa danos ao rendimento familiar, sem apoio, muitos podem recorrer ao trabalho infantil", diz o diretor-geral da OIT, Guy Ryder, citado num comunicado sobre o relatório.

O relatório conclui que as pedidas adotadas pelos governos podem resultar num aumento da pobreza e levar a uma subida do trabalho infantil. Segundo a OIT, alguns estudos mostram que um aumento de um ponto percentual na pobreza leva a um aumento de, pelo menos, 0,7% no trabalho infantil em certos países. Aponta que o número de pessoas em extrema pobreza pode subir rapidamente 40 a 60 milhões só este ano em comparação com antes da crise. Também a morte de um ou dos dois progenitores ou da pessoa responsável pelo menor, como uma avó, pode atirar crianças para o trabalho infantil.

"Em tempos de crise, o trabalho infantil torna-se num mecanismo para lidar com a crise para muitas famílias", alertou Henrietta Fore, diretora executiva da UNICEF, citada no mesmo comunicado. O fecho das escolas e o menor acompanhamento dos serviços sociais agravam o problema. "À medida que a pobreza aumenta, as escolas fecham e a disponibilidade de serviços sociais diminui, mais crianças são empurradas para a força de trabalho. Ao repensar o mundo pós-covid, precisamos garantir que as crianças e suas famílias tenham as ferramentas necessárias para enfrentar tempestades semelhantes no futuro", adiantou a responsável da UNICEF. Segundo a OIT e a UNICEF, "cada vez mais, aumentam as evidências de que o trabalho infantil está a aumentar à medida que as escolas fecham durante a pandemia".

O relatório aponta que o fecho temporário de escolas está a afetar mais de 1,6 mil milhões de alunos em mais de 130 países, ou 90% dos alunos matriculados. "Muitas escolas mudaram para o ensino à distância, mas quase metade do mundo não tem acesso à Internet, deixando muitos alunos ainda mais para trás", alerta o relatório. E lembra que, "além dos benefícios educacionais, as escolas fornecem recursos críticos de proteção social para crianças e suas famílias". Conclui que "o encerramento gera muitas preocupações em torno da vulnerabilidade" em que algumas crianças podem ficar.

Segundo o documento, mesmo quando as aulas recomeçarem, alguns pais podem não ter mais condições de enviar os seus filhos para a escola, o que pode resultar em mais crianças a serem sujeitas a empregos exploradores e perigosos.

Risco também em Portugal
A Confederação Nacional de Combate ao Trabalho Infantil (CNASTI) denunciou nesta quinta-feira (11 de junho) que há crianças a trabalhar em Portugal, sobretudo na restauração. E alertou para a condição de "pobreza, fome e violência extrema de muitas famílias" que está a afetar sobretudo as crianças.

A CNASTI adianta que têm recolhido algumas denúncias através da sua página na internet. As denúncias visam sobretudo casos de menores a trabalhar na área da restauração. Mas a organização também apontou que outras áreas também foco de preocupação, nomeadamente a participação de crianças na moda e em espetáculos.

O relatório da OIT e da UNICEF destaca que os grupos populacionais vulneráveis - como os que trabalham na economia informal e os trabalhadores migrantes - sofrerão mais com a crise económica, o aumento da informalidade e do desemprego, a queda geral nos padrões de vida, os choques na saúde e os sistemas de proteção social insuficientes.

Entre as medidas propostas para combater o aumento do trabalho infantil está uma proteção social mais abrangente, bem como o acesso mais fácil ao crédito para famílias pobres. A promoção de trabalho digno para adultos e medidas para levar as crianças de volta à escola - incluindo a eliminação de propinas escolares - e mais recursos para inspeções do trabalho e aplicação da lei, são outras medidas possíveis.

A OIT e a UNICEF estão a desenvolver um modelo de simulação para analisar o impacto da covid-19 no trabalho infantil. Os resultados com as estimativas serão divulgados em 2021.

O Dia Mundial contra o Trabalho Infantil foi instituído pela OIT em 2002, quando estreou a divulgação do Relatório Global sobre Trabalho Infantil na Conferência Internacional do Trabalho.

Segundo a OIT, cerca de 218 milhões de crianças com idades entre os cinco e os 17 estão a trabalhar. Destas, 152 milhões são vítimas de trabalho infantil e quase metade - 73 milhões - são sujeitas a condições perigosas.
Quase metade das crianças vítimas de trabalho infantil estão no continente africano e 62,1 milhões estão na região da Ásia e do Pacífico. Há 10,7 milhões de crianças a trabalhar no continente americano, 1,2 milhões nos Estados Árabes e 5,5 milhões na Europa e Ásia Central.