Ana Marcela, in DN
Só neste ano, os centros comerciais estimam perdas de 305 milhões de receitas, mas afastam cenário de despedimentos. Lojistas temem o pior; caso não se mexa nas rendas o desemprego vai disparar.
No Colombo, não houve enchentes. Os táxis até esperaram pelos clientes
Duas semanas depois do resto do país, abrem os shoppings na Grande Lisboa após meses a funcionar a meio gás, com a maioria das lojas fechadas por causa da pandemia que atirou os portugueses para o confinamento e os shoppings para perdas na ordem dos 305 milhões de euros, o mesmo valor dos apoios que vão entregar aos lojistas neste ano. Despedimentos são um cenário afastado pelos centros comerciais, num setor que dá emprego, direto e indireto, a mais de 300 mil trabalhadores, mas do lado dos lojistas não há tantas certezas. "Se nada for feito (no que toca às rendas), vai haver mesmo muito desemprego. Serão números astronómicos. Ninguém tenha dúvidas sobre isto", diz Miguel Pina Martins, presidente da Associação de Marcas de Retalho e Restauração (AMRR).
As rendas têm gerado um braço de ferro entre centros comerciais e lojistas. "Temos centros que nos dão o que pedimos e outros que nos dão absolutamente nada e acham que têm de cobrar as rendas dos períodos em que estiveram fechados. Isso é impossível. Vai ser uma catástrofe se nada for feito", diz Miguel Pina Martins, da AMRR.
A associação, que representa 120 marcas de retalho e restauração, tem vindo a exercer pressão sobre o Governo e o Parlamento para que sejam feitas alterações legislativas para estender às rendas comerciais uma moratória semelhante à do crédito à habitação, dando aos lojistas um balão de oxigénio numa fase de reabertura em que as perdas são mais do que muitas. "Os lojistas e a restauração não têm hipótese de absorver as perdas deste fecho.
Neste momento, em centros comerciais temos na área da restauração quebras na faturação de 80%, nas lojas de 40%. Esta retoma não se vai fazer do dia para a noite. É importante arranjar uma fórmula para se salvaguardar estes empregos. Por cada emprego que cada centro comercial tem, os lojistas têm 175 postos de trabalho", lembra. E não há sinais de que a situação se altere rapidamente. "Nesta segunda semana de reabertura a quebra terá sido superior a 50%. Na restauração a informação que temos é que é bem superior. Quem é que vai para um centro comercial em passeio de família? Quem vai almoçar? Ninguém. As pessoas fazem as compras e vão-se embora. Há uma catástrofe a decorrer neste momento na restauração e outra não muito mais pequena entre os lojistas. A vender menos 40% a 50%, não vão ter capacidade de pagar renda e ainda mais pagar aquelas de quando estavam fechados. Se o lojista recebeu zero, o senhorio terá de receber zero também", diz.
"Isto é um problema nacional, falamos de 100 mil empregos, não vai haver capacidade para pagamento. As empresas continuam a sangrar", refere o presidente da AMRR. "Parece-me que a Assembleia da República já percebeu o problema e agora com o Orçamento Suplementar temos a expectativa de que seja possível colocar algo sobre esta matéria, porque senão vai ser uma coisa do outro mundo".
Centros dão apoios de mais de 300 milhões
Mas os centros comerciais dizem estar a fazer a sua parte quando eles próprios estão a sentir um "impacto muito significativo" no seu negócio com a pandemia. "Temos desde logo, e só em 2020, este impacto de 305 milhões de euros derivado dos apoios dados aos nossos lojistas. Existe também um valor relevante de investimentos adicionais na preparação dos centros comerciais para operarem neste contexto de pandemia nas melhores condições de higiene e segurança. E não nos podemos esquecer do impacto que esta diminuição de receitas e aumento de custos tem na avaliação dos ativos", alerta António Sampaio de Mattos. Ainda sem as perdas estarem totalmente contabilizadas, tudo somado "são muitas centenas de milhões de euros e um enorme desafio que se coloca ao setor", garante o presidente da Associação Portuguesa de Centros Comerciais (APCC), que representa 93 conjuntos comerciais, entre os quais espaços como Colombo, NorteShopping, Almada Forum ou Amoreiras.
Os lojistas têm dúvidas no que toca ao valor dos apoios avançado pela APCC. "O que são esses 305 milhões? Não sabemos o que são descontos em rendas, e o que é de lei, a moratória das rendas... Uma coisa é dar um desconto, outra é dizer não pagas em maio, pagas em julho", atira Miguel Pina Martins.
António Sampaio de Mattos esclarece. "Neste momento estamos a falar de uma distribuição de cerca 50% do montante em descontos a fundo perdido e 50% em moratórias cujos valores, além de não serem recebidos neste ano, apenas o serão ao longo de 24 meses a partir de janeiro de 2021". "São apoios muito relevantes que envolvem um investimento significativo e fazem do setor o agente económico que mais apoiou o retalho no contexto da pandemia em Portugal."
Os mais de 300 milhões de apoios resultam de um acordo com 87% dos lojistas nos centros comerciais, mas o objetivo é chegar a acordo com 100% dos inquilinos, o que poderá elevar o volume de apoio atribuído neste ano. Quanto, a APCC não adianta. "Saber que valores representam esses possíveis acordos é complexo num contexto que é tudo menos estável, e em que ainda não se vislumbra um final. Esta é uma situação dinâmica e que irá evoluir ao longo do tempo, de acordo com a monitorização permanente que fazemos e as necessidades de cada centro e cada lojista", diz António Sampaio de Mattos.
"Neste, tal como noutros momentos de crise, iremos trabalhar para encontrar soluções equilibradas, tendo como objetivo assegurar a sustentabilidade dos negócios dos lojistas e a operação dos centros", reforça o presidente da associação dos centros comerciais.
Pese embora as perdas que antecipam para este ano, nos centros afasta-se cenários de despedimentos. "Os centros comerciais estiveram a operar sempre, embora com menos atividades abertas, pelo que não recorreram a lay-off, mas houve, isso sim, muitos colaboradores que durante o Estado de Emergência estiveram em teletrabalho. A operação, agora, está a retomar em pleno", diz António Sampaio de Mattos. "O nosso objetivo é preservar os postos de trabalho diretos e indiretos do setor do retalho e de toda a sua cadeia de valor, que emprega mais de 100 mil pessoas de forma direta e 200 mil de forma indireta", garante. "Daí, as medidas que tomámos e o trabalho que vamos continuar a desenvolver com os nossos lojistas de modo a ser uma alavanca da recuperação económica".
O volume total de faturação anual do setor é de cerca de 10 mil milhões de euros, tendo os centros comerciais associados da APCC recebido cerca de 585 milhões de visitas no ano passado.