26.6.20

“Devíamos celebrar o envelhecimento”

Fátima Ferrão, in Expresso

Projetos Expresso. Mais do que um problema demográfico, o envelhecimento está a revelar falta de adaptação das sociedades que não estão a saber acompanhar a grande conquista da vida sobre a morte. Portugal não é exceção e continua a discriminar pessoas válidas com base na idade. Estas foram algumas das conclusões de mais um debate do ciclo “Parar para Pensar”, que une o Expresso à DECO Proteste

Em Portugal há meio milhão de idosos que vivem sozinhos. E o país conta com uma taxa de risco de pobreza nesta faixa etária (acima dos 70 anos) na ordem dos 17%. Números que preocupam e que realçam a vertente financeira como a base de muitos dos problemas que ensombram a vida dos mais velhos. Pensões baixas associadas a uma maior longevidade, dificultam o dia-a-dia de quem já contribuiu para o desenvolvimento do país e reduzem o seu bem-estar e qualidade de vida. “Devíamos estar a celebrar o envelhecimento e não estamos porque esta situação está a causar problemas e angústias”, salientou Maria João Valente Rosa , professora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, durante a conferência “Parar para Pensar o Envelhecimento”, que decorreu esta tarde em direto através da página de Facebook do Expresso.

Marta Atalaya, jornalista da SIC Notícias, lançou o tema, cujo debate abordou questões como o papel dos idosos na família e na sociedade, as políticas de envelhecimento com qualidade e o papel do Estado na definição e regulação das mesmas, as respostas que faltam, entre outros. A conversa juntou, uma vez mais em ambiente virtual, além de Maria João Rosa, Constança Paúl, professora catedrática e diretora do Departamento de Ciências Comportamentais do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Maria João Quintela, presidente da Associação Portuguesa de Psicogerontologia, Manuela Rodrigues, presidente do Conselho de Administração da Lusitânia Vida, e Luís Jerónimo, diretor do Programa Desenvolvimento Sustentável da Fundação Calouste Gulbenkian.

Conheça as conclusões:
Sociedade não se adaptou
Realidade demográfica alterou-se graças à evolução do sistema de saúde e das condições de vida em geral, mas a sociedade continua a tratar os mais velhos como se estivessem perto do final da vida. “Estamos a desperdiçar pessoas mais velhas só porque têm uma certa idade. Não se valorizam experiências de vida e sabedoria”, diz Maria João Rosa que, acredita que não faz sentido classificar alguém socialmente pela idade, o que é negativo do ponto de vista social e económico. Constança Paúl sublinha que não se faz a distinção entre idosos dependentes e doentes, de outros que são ativos e autónomos, e que representam dois terços dessa faixa etária. “Não podemos colocar tudo no mesmo saco e delinear medidas de apoio iguais para todos”. Maria João Quintela complementa: “A maioria dos mais velhos não estão institucionalizados, mas não são valorizados”, recordando que muitos jovens não poderiam trabalhar se nãao tivessem o apoio dos mais velhos com os filhos.

Suporte financeiro é fundamental
As parcas reformas de grande maioria dos reformados realçam a importância dos rendimentos para garantir uma qualidade de vida desejável aos mais velhos. Manuela Rodrigues destaca o suporte financeiro como factor fundamental a garantir. “A reforma é sempre uma quebra grande nos rendimentos, pelo que é essencial existirem complementos de reforma”. Para a presidente da seguradora Lusitânia, estes complementos devem começar a ser gerados durante a vida profissional, com o apoio das entidades empregadoras, mas também devem ser delineados em sede de concertação social para que possa haver regulação.

Estado tem papel muito importante
Definir o papel das pessoas na sociedade depois da reforma é uma função muito importante que, na opinião de Maria João Rosa, cabe ao Estado e deve ser estabelecido ao longo da vida. “Avaliação das pessoas por mérito e não por horas de trabalho permitiria libertar tempo para outras atividades como, por exemplo, renovar o conhecimento”, exemplifica. Para a professora, a formação ao longo da vida é também fundamental para que todos possam chegar à idade da reforma com a possibilidade de se manterem ativos e válidos para a sociedade. Na mesma linha de pensamento, Maria João Quintela acredita que deverá ser feita uma análise profunda e educativa generalizada sobre o envelhecimento. “Não aprendemos nada sobre o envelhecimento ao longo da vida, mas isto devia ser obrigatório, desde logo, nas escolas”, salienta. Já para Luís Jerónimo, “é necessário envolver vários ministérios para dar uma resposta coordenada e eficaz à questão do envelhecimento ativo”.