Joana Gorjão Henriques, in Público on-line
André Costa Jorge, coordenador da Plataforma de Apoio aos Refugiados, critica “um tom de certo alarmismo em torno da chegada de barcos com migrantes”. Segunda-feira pescadores identificaram o quarto barco em seis meses no Algarve. Tiveram ordem de expulsão, ao contrário dos outros, mas SEF não explica. Antropóloga Cristina Santinho questiona se SEF os informou sobre alternativas à expulsão.
Ao contrário dos três anteriores grupos que pediram asilo a Portugal, os 22 jovens migrantes que chegaram de barco ao Algarve na segunda-feira foram conduzidos ao Tribunal Judicial de Loulé, onde lhes foi decretado um processo de expulsão.
Em Dezembro, quando chegou o primeiro grupo de oito jovens marroquinos, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) anunciou que lhes tinha sido dada a possibilidade de pedirem asilo; mais tarde, quando o pedido foi chumbado, os jovens recorreram e ficaram a aguardar a decisão. O mesmo aconteceu com os jovens que chegaram em Janeiro e em início de Junho (estes sete aguardam entrevista com SEF). Desde Dezembro chegaram ao Algarve 48 homens vindos de Marrocos; o SEF desconhece o paradeiro de 13 deles.
Com a chegada do quarto barco, o SEF admitiu que estava a investigar uma possível rede de imigração ilegal, com ligações a um cidadão espanhol.
Desta vez, também apresentou aos 22 jovens, durante a entrevista, a alternativa de pedirem asilo? Questionado pelo PÚBLICO, o SEF ainda não esclareceu.
Mas essa é uma pergunta importante, sublinham especialistas ouvidos pelo PÚBLICO. André Costa Jorge, coordenador da Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR) e director-geral do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS Portugal), explica a diferença entre um processo deste tipo conduzido pela lei de estrangeiros ou pela lei de asilo. Na lei de estrangeiros, o SEF consideraria que houve uma entrada ilegal e portanto os jovens vão a tribunal, como aconteceu — podem recorrer mas são expulsos na mesma, aguardando decisão fora de Portugal. Se pedirem asilo, mesmo que exista recusa do SEF, podem recorrer e aguardar decisão em Portugal.
“Temos que perceber se [estas] são migrações voluntárias ou se são [motivadas] por razões de protecção por qualquer tipo de perseguição. É isto que é preciso clarificar: se foi dada a possibilidade de estas pessoas serem ouvidas, se houve intérprete, se as suas histórias foram bem entendidas ou se se presumiu que eram migrantes económicos que entraram de forma irregular”, analisa.
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Além de não estar certo que sejam todos marroquinos — segundo o SEF, todos disseram que vinham da mesma cidade que os restantes migrantes, El Jadida, mas nada garante que não tenham outras origens uma vez que não traziam documentos —, André Jorge está preocupado com o “efeito negativo” que a expulsão “pode ter na vida das pessoas”. “Sabemos que estes migrantes contraem grandes dívidas, o que coloca a sua vida e dos familiares em risco porque os traficantes depois vão cobrá-las.”
Interpreta: “Isto está relacionado com a ausência de vias legais e seguras para as migrações: as pessoas arriscam por falta de alternativas legais. As redes ilegais de imigração só se combatem se houver vias legais e seguras”.
Considera ainda que “há um tom de certo alarmismo em torno da chegada de barcos com migrantes” ao Algarve, que “acaba por criar um sentimento de insegurança”, como “se o facto de aparecerem migrantes representasse por si só uma ameaça”: “Coloca-se o ónus da ameaça nos migrantes; tudo o que os imigrantes não são é uma ameaça”. O que “aumenta a sensação infundada de insegurança e dá azo a que haja abuso de autoridade”.
Afastar problema para debaixo do tapete
Também a antropóloga Cristina Santinho, que há anos faz investigação sobre refugiados em Portugal, critica o “alarme”. “Em seis meses chegaram cerca de 50 [migrantes]. Portugal é um país pequeno e pouco habituado a estas incursões, comparado com Espanha o número é irrisório”, refere. Também defende que, antes da expulsão, o SEF deveria tentar perceber “quais os argumentos para quererem ficar, por que fugiram e até tentar desmantelar a eventual rede”. Seria ainda importante saber se tiveram a possibilidade de ser acompanhados por um advogado que assegurasse o seu conhecimento de alternativas à expulsão. “Assim é afastar o problema para debaixo do tapete e é contraditório com discursos reiterados de apoio à imigração”, critica.
Para André Jorge, este tipo de caso mostra ainda, desde logo, uma diferença de tratamento em relação a outras vias de entrada como os vistos gold, acessíveis a quem quer investir em Portugal. “Sabemos que pessoas ligadas a esquemas ilícitos acabam por obter autorizações de residência através de mecanismos como os visto gold, enquanto os pobres, que não têm meios de subsistência, recorrem a meios ilegais e acabam por ver a sua situação em perigo”, afirma.
Por outro lado, o responsável pela PAR lembra que a rede ilegal actua independentemente dos sujeitos: alimenta-se justamente da pobreza e da ausência de vias legais. “A alternativa é arriscar a vida e entrar em esquemas de passadores. Os milhares de portugueses que emigraram nos anos 1960 recorreram a passadores”.
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Sobre esta expulsão, refere: “É natural tentar travar o fluxo para criar a ideia de que o sucesso acabou e travar o ímpeto das redes, mas este não pode ser o único objectivo: se o fluxo existe é preciso ver em que circunstâncias estão as pessoas. Imigrar exige coragem, alguma dose de risco, ninguém imigra porque está muito bem. Temos de olhar para os migrantes na sua dimensão humana.”