Susana Frexes, correspondente em Bruxelas, in Expresso
Os líderes europeus reúnem-se a partir das 9 horas da manhã desta sexta-feira, por videoconferência, num primeiro teste à flexibilidade das posições mais rígidas sobre o novo Fundo de Recuperação. Um guia para perceber a reunião que pode (ou não) ser decisiva
Holanda, Suécia, Dinamarca, Áustria (e também a Finlândia) pressionam para encolher a fatia de 500 mil milhões de euros a fundo perdido. Ao mesmo tempo, querem que o Fundo de apoio ao combate aos estragos causados pela pandemia covid-19 dure menos tempo do que os quatro anos propostos pela Comissão Europeia. Neste último ponto deverão contar com o apoio da Alemanha, o que pode levantar problemas na absorção de fundos. Os critérios e as condicionalidades na distribuição das verbas também podem gerar dores de cabeça. Mas como dizia esta manhã um alto responsável europeu numa conversa com jornalistas, "a União Europeia não é uma ciência exata" e a solução final está ainda por descortinar. Eis um guia possível para acompanhar a reunião.
Líderes estão perto de um acordo?
Não. São ainda várias as divergências de posições e ninguém espera um milagre da reunião desta sexta-feira, que servirá sobretudo para testar as águas e para pôr as diferentes posições frente-a-frente. Não será uma negociação, mas uma troca de pontos de vista. Vários países, incluindo Portugal, Espanha, Itália, França, Alemanha, Grécia ou Eslováquia apoiam a proposta da Comissão Europeia para criar um fundo de 750 mil milhões de euros, dos quais 500 mil milhões devem seguir para as regiões e sectores mais afetados pela pandemia na forma de subvenções. No entanto, os chamados quatro frugais - Países Baixos, Suécia, Dinamarca e Áustria - reclamam que o valor é demasiado elevado, não encontram benefícios nas transferências a fundo perdido e levantam questões sobre os critérios e condições para a atribuição do dinheiro. Mas as divergências não se ficam por aqui. A República Checa também questiona o volume global proposto pela Comissão Europeia e a Hungria não gosta dos critérios de distribuição do Fundo de Recuperação e tem perguntado por que há países (como Portugal) que recebem mais do que Budapeste, quando os países têm uma população semelhante. O governo de Viktor Órban deverá ainda pressionar para ver aumentadas as verbas da coesão. Outro assunto que não lhe agrada na proposta diz respeito à ligação entre o acesso às verbas e o cumprimento do Estado de Direito. Mas esta é questão fundamental que a maioria dos países - e os frugais de forma mais vocal - não deverão deixar cair.
Quem está a ganhar a batalha Subvenções vs Empréstimos?
O facto de Paris e Berlim concordarem com os 500 mil milhões de euros a fundo perdido desequilibra a balança a favor das subvenções e para já não estão dispostos a abdicar deste montante que tanto agrada aos países do sul como à Eslováquia e Polónia. Apesar da forte pressão dos frugais (a que se junta também a Finlândia) pelos empréstimos, parece nesta altura impossível a criação de um Fundo de Recuperação feito só de ajuda a crédito. No entanto, existe a possibilidade de que o compromisso a 27 obrigue a uma redução da percentagem de subsídios, com consequências para os 15,5 mil milhões que a Comissão propôs para Portugal neste formato. O equilíbrio entre subvenções e empréstimos é uma das grandes questões polémicas por resolver. Também a dimensão global de 750 mil milhões de euros não está fechada e pode encolher. Evitar cortes poderá obrigar a outras cedências e uma das possibilidades é encurtar o período de duração do Fundo de quatro para dois ou 3 anos.
Encurtar duração é bom, mau ou uma razoável moeda de troca?
A Comissão Europeia propôs que o Fundo de Recuperação durasse de 2021 a 2024, mas para os frugais isto é demasiado tempo. Entendem que o dinheiro deve servir para responder à crise e não para resolver problemas estruturais. Neste ponto contam não só com a Finlândia, mas também com a Alemanha. Ao que o Expresso apurou, Berlim tem defendido que o Fundo termine em 2022, o que implica que os países têm de acelerar o trabalho para apresentar os planos de recuperação e os projetos, investimentos e reformas a financiar. A Alemanha entende que um desembolso mais rápido das verbas é fundamental para que haja um impacto positivo no combate à crise. E se a crise for temporária, então é preferível um investimento reforçado em 2021 e 2022. No entanto, outros países fazem leituras diferentes e veem aqui o risco de não conseguirem absorver todas as verbas que lhes forem destinadas. A Comissão prevê que o desembolso das verbas dependa do cumprimento de objetivos estabelecidos pelos países nos seus planos de recuperação (que devem apresentar entre outubro e abril do próximo ano), uma redução do tempo de absorção coloca mais pressão na aprovação dos planos (mesmo que depois tivessem mais um ano ou dois para executar).
Quais as questões mais difíceis em aberto?
A dimensão final do fundo e a percentagem de empréstimos e subvenções estão entre as que causam maior fricção, tal como a duração do funcionamento do fundo. Outro problema diz respeito ao reembolso dos empréstimos contraídos pela Comissão Europeia junto dos mercados. Apesar de haver um consenso para que o executivo comunitário emita dívida, os frugais - e a Alemanha também - consideram que dinheiro deve começar a ser pagos durante o os próximos sete anos - que correspondem ao novo Quadro Financeiro Plurianual - e não apenas após 2028, como propõe o executivo da presidente Ursula von der Leyen.
A estas juntam-se as questões dos critérios de distribuição do dinheiro e da condicionalidade. Não é só a Hungria a questionar os critérios, também os frugais questionam a utilização de taxas de desemprego dos países (e os valores pré-crise utilizados). Mexer nas chaves de distribuição é possível, mas de acordo com algumas fontes não é o caminho mais simples a seguir e pode atrasar o processo de negociação. Mexer nos critérios poderia também reduzir a fatia para Portugal.
Como convencer os 4 frugais?
Uma das formas é aceitar que Países Baixos, Dinamarca e Suécia continuem a ter os chamados "rebates", ou seja, descontos na contribuição para o Orçamento Comunitário. E como a negociação do Fundo de Recuperação é feita num pacote conjunto com o próximo Quadro Financeiro Plurianal (QFP), esta questão pode servir de moeda de troca para contentar os frugais, incluindo Áustria. Com a saída do Reino Unido - que esteve na origem da criação deste mecanismo de desconto - a Comissão propôs que os rebates acabassem de forma faseada. França é um dos grandes defensores do fim deste sistema (Portugal também apoia), mas a Alemanha, pelo contrário, quer passar a ter também um desconto, uma vez que o peso da sua contribuição aumenta com a saída dos britânicos. Dificilmente um acordo acontece sem que os rebates sejam aceites e no caso de Copenhaga esta é uma das batalhas que pretende travar.
É preciso ter em conta que no final da negociação, os vários países terão de conseguir vender internamente o acordo como uma vitória. Os rebates podem ajudar, tal como a redução da duração do fundo, ou a clarificação das condicionalidades de acesso ao dinheiro: deverá ser usado para financiar reformas e investimentos ligados às prioridades da UE como as metas ambientais e a digitalização.
E já há acordo para o Orçamento para 2021-27?
Não. A proposta que está em cima da mesa não é muito diferente da que os líderes rejeitaram em fevereiro. É ligeiramente maior - cerca de 1,1 biliões de euros para sete anos - mas não muda o envelope nacional que estava destinado a Portugal, quer para a Coesão, quer para a Agricultura. Ou seja, mantém os cortes em relação ao atual quadro. A questão é que agora o Quadro Financeiro Plurianual é negociado juntamente com o Fundo de Recuperação e este prevê a atribuição de verbas adicionais para a Coesão, o Desenvolvimento Rural e para o Fundo para a Transição Justa. A estes montantes junta-se ainda a fatia maior para financiar reformas e investimentos públicos. No total, António Costa poderá ter de defender mais de 45 mil milhões de euros a fundo perdido: entre 29 a 30 mil milhões do QFP, mais 15,5 mil milhões do Fundo de Recuperação.
Acordo será em julho e em carne e osso?
É esse o objetivo de todos e Berlim está a fazer pressão para que assim seja. A presidência alemã arranca no primeiro dia do próximo mês e antes das férias de verão (leia-se agosto) quer ver o assunto resolvido para poder passar ao problema seguinte - conseguir um acordo de comércio com os britânicos até de meados de outubro. O tempo é cada vez mais curto para chegar a um entendimento sobre o Quadro Financeiro Plurianual (QFP) para 2021 a 2027 e o atual está quase a terminar. Além do mais, para que o Fundo de Recuperação possa entrar em vigor em janeiro juntamente com o QFP, será preciso que os parlamentos nacionais ratifiquem e validem a decisão que permite à Comissão Europeia ir buscar milhares de milhões de euros aos mercados e isso também exige tempo.
Em Bruxelas, há a certeza de que o assunto não se resolve sem uma reunião física dos chefes de Estado e de Governo A expectativa é que haja um encontro na capital belga em julho - ou eventualmente até dois. Algumas fontes apontam para 9 ou 10 de julho, outras mais para os meados do próximo mês. Fonte do Conselho Europeu, adianta que o edifício da instituição tem já as condições sanitárias para receber os líderes.