26.10.20

Das filas de espera, às consultas adiadas. Como estão os hospitais a responder aos doentes não-covid?

Idálio Revez, Maria João Lopes, Maria José Santana, André Borges Vieira e Tiago Mendes Dias, in Público on-line

Há filas na rua, nuns casos, salas de espera cheias, noutros, consultas e cirurgias adiadas, mas também há utentes dos hospitais a elogiar o cumprimento dos horários, o esforço para recuperar o que ficou atrasado. Na semana em que os casos de covid-19 dispararam e os primeiros efeitos se começaram a fazer sentir nos hospitais, escolhemos nove unidades de saúde e fomos falar com quem precisou de lá ir por razões que nada têm a ver com a pandemia.

Há quem tenha de voltar para trás — “Costumo ter uma consulta da dor, de oito em oito meses, pensei que hoje ia ser atendida, mas só dia 19 é que tenho vaga”, diz Maria da Graça Reis, doente oncológica. Há quem fique, mas tenha de esperar: “Hoje está sol, mas quando chegar a chuva e o frio, como é que as pessoas vão aguentar ficar aqui na rua?”, pergunta Vanda Barra, de Vila Real de Santo António, amparando a mãe, de 72 anos. Dirige-se à sala onde vai fazer análises clínicas, onde estão mais pessoas para se sentarem do que cadeiras disponíveis.

No Hospital de Faro as marcações para consultas externas ou exames complementares estão programados para que se processem de forma gradual. Mas, na prática, não é isso que acontece. A sala de espera para as análises clínicas tem uma capacidade para cerca de duas dezenas de utentes. A afluência chega a ser de 40 a 50. A minha mãe [Maria de Fátima] esteve cá em Julho, está de volta porque precisa de fazer uma cirurgia a uma hérnia”, afirma Vanda Barra, criticando a organização do serviço: “Nada tenho a reclamar do atendimento, só que a maioria das pessoas que aqui estão são idosas, e quando chegar o Inverno não podem ficar ao frio na rua.” O presidente da Administração Regional de Saúde do Algarve (ARS), Paulo Morgado, justifica: “As marcações são feitas de forma a que não haja filas, mas há uma certa tendência para as pessoas se juntarem à mesma hora [a partir das 8h].”

Ainda assim, o director do Serviço das Urgências do Hospital de Portimão, João Estevens, nota que alguns doentes receiam deslocar-se ao hospital, por causa da pandemia. “Só há cerca de um mês é que fiquei com os períodos das consultas (medicina interna) completos. Nos meses de Maio, Junho e Julho, ficava constantemente com vagas em aberto. Os utentes faltavam.”

Por outro lado, destaca ainda a alteração do perfil do doente, antes e depois da covid-19: “Em cada dez utentes que observava na urgência, em média, só dois é que ficavam internados. Agora, em cada três, interno dois, os casos que aparecem são mais graves”, enfatiza.

Paulo Morgado confirma, dando como exemplo o que se passa noutra especialidade: “Comparando a afluência às Urgências de Pediatria, de 2019 com 2020, verifica-se uma redução muito significativa, que nalguns dias chega a ser metade do que seria habitual.”

A carência de médicos especialistas e outros profissionais nos hospitais de Faro e Barlavento (Portimão), integrados no Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA), faz-se sentir há vários anos. O serviço de Ortopedia, por exemplo, tem 24 vagas no quadro, e só tem oito médicos a trabalhar. “Apesar de estar facilitada a contratação de mais médicos e enfermeiros, não existem no mercado”, justifica o presidente da ARS.

O velho edifício do Hospital de Faro, com mais de 40 anos, tem vindo a sofrer de algumas obras de adaptação, mas a capacidade de resposta às solicitações está cada vez mais distante das exigências de um moderno serviço de medicina. Nesta altura, o serviço de cardiologia está em obras, por estar obsoleto, e os doentes foram deslocadas para uma ala do Serviço de Ortopedia. Em relação ao Serviço de Medicina1, por causa de um surto de covid que surgiu há cerca de duas semanas, encontra-se com a capacidade de internamento reduzida a metade — 20 camas. Idálio Revez

"Há um esforço para recuperar o tempo perdido"

Daniela Fernandes, 25 anos, está à porta do Hospital Garcia de Orta, Almada, à espera da avó que está numa consulta de cardiologia que aconteceu no dia previsto. Já a neta, que tem síndrome antifosfolipídica, está desde Abril a tentar marcar uma consulta de reumatologia, sem sucesso: “Deixa-me bastante angustiada, não tenho razão de queixa do Garcia de Orta, mas está sobrelotado, bastante.”
“Não tenho razão de queixa do Garcia de Orta, mas está sobrelotado, bastante.”Daniela Fernandes

Nesta quinta-feira, uma tarde de sol, não há longas filas nem aglomerações. Entre os utentes ou acompanhantes, as histórias são diversas. No espaço exterior do Garcia de Orta, Júlia Oliveira, 75 anos, não só não relata qualquer adiamento nas duas consultas que tinha, como uma delas foi antecipada no horário. A do marido, que ainda está a decorrer, também foi no dia marcado. Já a consulta de neurocirurgia de Sofia Carapinheira, 62 anos, foi adiada dois dias.

Luísa Ramos, porta-voz da Comissão de Utentes de Saúde do concelho de Almada, afirma que “a pandemia agravou as fragilidades que já existiam nos hospitais públicos” e que é preciso “recrutar mais profissionais”. Segundo a informação que lhe chega, “naquilo que é verdadeiramente urgente, as esperas não são tão acentuadas”: “O que se considera, em consultas, exames ou cirurgias, que pode esperar mais algum tempo, serão essas que estarão mais atrasadas.”

Não tem dúvidas de que, depois de uma fase de receio, as pessoas estão a regressar às consultas: “E há um esforço para recuperar esse tempo perdido, mas depois, sem a resolução das questões estruturais, não se consegue responder”, diz, insistindo também na necessidade de se repor o normal funcionamento das urgências pediátricas.

Mais consultas ultrapassam o prazo aceitável

Hospital de São José, Lisboa, manhã de quinta-feira à porta das consultas externas: Sérgio Clemente, 62 anos, está à espera do filho que foi tirar pontos, depois de “ter cortado o tendão de um dedo em Fevereiro” – a cirurgia era para ter sido em Março, foi há cerca de duas semanas. Aníbal Fernandes, 59 anos, viu uma consulta por causa da coluna ser adiada de 19 para 22 de Outubro; já a mulher, Beatriz Martins, 64 anos, era para ter sido operada ao joelho em Março, noutra unidade hospitalar, e acabou por ser em Junho.

Filomena Borges, 52 anos, está à espera do filho que está numa consulta de otorrinolaringologia que era para ter acontecido há dois meses. E Ricardo Silva, 26 anos, está à espera da namorada que foi tirar pontos depois de uma cirurgia – a operação, “nada de grave”, para tirar “um caroço do pescoço”, foi desmarcada uma vez, antes do início da pandemia, e duas depois.
Filomena Borges, 52 anos, está à espera do filho que está numa consulta de otorrinolaringologia que era para ter acontecido há dois meses.

O Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (CHULC), no qual o São José se insere, refere que, entre Março a Setembro de 2019, foram feitas 22.049 cirurgias. No mesmo período de 2020, foram 16.806, menos 24%. No que toca a consultas externas, passou-se de 417.164 para 383.807, menos 8%. Em resposta ao PÚBLICO, o gabinete de comunicação informa que as especialidades mais afectadas foram as cirúrgicas.

Entre Março e Setembro deste ano, realizaram-se 140.584 teleconsultas (16.708 em 2019). Mas “ainda existem alguns períodos do dia em que se verifica concentração de utentes e acompanhantes nos respectivos acessos [do hospital], situação que urge mitigar atendendo ao período de Inverno.” Assim, “foram instaladas estruturas provisórias de cobertura nos vários pólos do CHULC”.

As dificuldades sentidas não são muito diferentes das reportadas noutras unidades. E resultam da “necessidade de concentrar recursos” para assistência aos infectados com SARS-CoV-2, de respeitar o distanciamento, o que “levou a alguma redução de camas de internamento ou de presenças de doentes nas salas de espera”, e de testar os doentes entrados, que “atrasou os tempos de admissão, por exemplo”. A higienização dos equipamentos obrigou também a um maior intervalo entre atendimentos.

Quanto à percentagem de doentes dentro do chamado “tempo máximo de resposta garantido”, a 31 de Agosto (ou seja, o tempo de espera clinicamente aceitável para uma consulta externa, face à situação específica de cada doente) desceu de 56% para 39%, de 2019 para 2020. Mas os números, sublinha, “revelam já o esforço na retoma da actividade” após a primeira vaga de covid-19. M.J.L.

“À espera há um ano e meio para tirar um quisto”

À porta do hospital Beatriz Ângelo, Loures, Maria Emília Ilhéu, de 80 anos, está sentada num banco, com o filho, já depois de ter ido a uma consulta por causa das cataratas. “É a segunda vez que faz exames, já fez durante a pandemia e sempre sem atrasos”, conta o filho.

Maria Seixas, 25 anos, empurra o carrinho do filho, de dois anos, vai a uma consulta de pedopsiquiatria, foi adiada uma semana. Já Guilherme Esteves, 79 anos, está à espera do filho que foi a uma consulta. “Esteve um mês à espera” que a marcassem. O pai diz estar “à espera há um ano e meio para tirar um quisto da perna”. “Em Julho do ano passado, marcaram para Setembro de 2020, em Setembro [marcaram] para Dezembro. Vim duas vezes à urgência e, na segunda vez, o médico disse que estava tudo atrasado por causa da pandemia.”

O hospital informa que, entre Janeiro e Setembro 2020, realizaram-se menos 36 mil consultas externas do que no mesmo período do ano anterior — uma redução de 17%. E menos 1870 cirurgias, uma quebra de 16%. Em ambos os casos, lê-se na resposta enviada ao PÚBLICO, a actividade está neste momento “plenamente retomada”. M.J.L.

“Deviam melhorar as condições de espera no exterior”

De duas em duas semanas, Luís Murtinho desloca-se aos HUC (Hospitais da Universidade de Coimbra) para fazer um tratamento de alergologia. Já se habituou à rotina, que nem a pandemia conseguiu interromper. “Mesmo na altura do confinamento, vim sempre”, relata, enquanto se prepara para rumar a casa, em Pombal, depois de cumprir o seu tratamento. Mais um que decorreu dentro da normalidade e sem grandes esperas. O único reparo que deixa prende-se com a aglomeração de pessoas, às primeiras horas da manhã, na porta do acesso às consultas externas.

“Como o acesso é agora mais condicionado, junta-se ali mais gente, por vezes à chuva e ao vento”, lamenta. Pelo que tem percebido, a situação fica a dever-se, em grande medida, ao facto de “algumas pessoas irem para a porta muito tempo antes da consulta”. “O pessoal tem de fazer uma triagem, verificar quem tem mesmo de entrar às 9 horas, e isso leva o seu tempo”, testemunha Luís Murtinho. “São uns cinco ou dez minutos, que para mim não é nada, mas para uma pessoa de idade já pode pesar”, prossegue, assegurando que “tem sido respeitada a situação dos doentes em cadeiras de rodas ou com muletas”.
“Como o acesso é agora mais condicionado, junta-se ali mais gente, por vezes à chuva e ao vento”, lamenta.

Certo de que esse hábito de chegar com antecedência ao hospital “é cultural, difícil de alterar”, Luís Murtinho deixa algumas sugestões à administração do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC): “Deviam melhorar as condições para as pessoas poderem permanecer no exterior e colocar mais funcionários a fazer a triagem, para que fosse mais rápida.”

Esta concentração de utentes, testemunhada pelo PÚBLICO, ocorre na entrada para o piso -1. Importa lembrar que, no âmbito das medidas de controlo de acesso à consulta externa dos HUC, em Julho, foi determinado que a entrada dos utentes passasse a ser feita, exclusivamente, por este piso. Uma decisão justificada com base na intenção de garantir a “segurança do utente”. O PÚBLICO tentou obter mais esclarecimentos junto da administração hospitalar, nomeadamente no que toca à aglomeração e falta de condições junto à porta do -1, mas a resposta não chegou em tempo útil.

De resto, aquela unidade hospitalar parece estar a conseguir manter as consultas e exames dentro da normalidade. “As análises estavam marcadas para as 10h00 e às 10h15 o meu pai já estava a entrar”, afirma Edite Filipe, de Leiria, à saída do hospital. Também Celeste Costa, de Ourém, e Manuel Carlos, de Pombal, dão nota de um atendimento dentro do horário previsto, ela na Consulta da Dor, ele na Oftalmologia. Maria José Santana

Aveiro
“Até que nem tive de esperar muito”

Se tudo tiver corrido conforme previsto, Adélia Píncaro já terá sido operada às cataratas. No dia em que o PÚBLICO a apanhou a sair do Hospital de Aveiro, na última quinta-feira, tinha acabado de fazer o teste à covid-19, com vista a ser submetida, neste sábado de manhã, à cirurgia pela qual aguardava havia três meses. “Até que nem tive de esperar muito”, reparava, mostrando-se consciente das vicissitudes do momento actual. Um pouco como os utentes (pouco mais de uma dezena) que aguardavam no exterior do Bloco 6-8 da unidade de saúde aveirense, cumprindo o devido distanciamento e sem retirar a máscara da cara. Uma espera normal, a avaliar pelos depoimentos de vários utentes. A diferença é que agora é feita cá fora.

A almofada das pensões está mais curta


“Fomos atendidos à hora marcada”, assegurava Lina Monteiro, que tinha acompanhado o pai num exame de imagiologia. Também Liliana Silva garantia ter encontrado as consultas de otorrinolaringologia a funcionarem com pontualidade. De tal forma, que acabou por ser ela a atrasar-se e a ter de pedir desculpas. “Apanhei trânsito e quando cheguei já estavam à minha espera”, declarava, à saída do hospital.

A administração do Centro Hospitalar do Baixo Vouga (CHBV), sediado em Aveiro mas com unidades também em Águeda e Estarreja, faz saber que as consultas e exames têm vindo a decorrer com normalidade, desde que retomou a actividade (início de Maio). Quanto às consultas pelo telefone, “algumas especialidades, sobretudo as que seguem doentes crónicos, optaram por, sempre que a situação clínica do doente assim o permite, manter a teleconsulta”. Por questões de optimização do trabalho “e porque, apesar de tudo, continua a ser mais seguro para doentes mais susceptíveis não se deslocarem ao hospital”.

Nos últimos tempos, a administração do CHBV tem, de resto, adoptado várias medidas para “responder ao intensificar da procura de doentes covid-19, mas também de forma a proteger e a garantir os cuidados, em segurança, aos demais”. Disso é exemplo a transferência, já a partir desta segunda-feira, do Hospital de Dia Polivalente para Águeda, bem como a já consumada deslocalização da Unidade de Tratamento da Dor para o Hospital de Estarreja. O objectivo? Proteger os doentes que acorrem àqueles serviços — e “que são, pela natureza das suas patologias, mais susceptíveis” — e alargar a oferta de camas para doentes covid.

Quanto ao Serviço de Urgência Pediátrica sofreu "obras de reorganização" com colocação de um novo espaço móvel, que permite receber, através de diferentes circuitos, doentes com patologia respiratória e outros. Foram contratados “mais 65 profissionais”. M.J.S.
Vila Nova de Gaia
Depois da recuperação, o impacto da 2-ª vaga

Apesar do número elevado de pessoas à espera de consulta no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho — Unidade I, a entrada é feita de forma célere e organizada. Confirma-o Sandra Brandão que acompanhou o pai a uma consulta de urologia marcada para as 10h30. “São 10h40 e já estamos cá fora”, afirma. A consulta já estava marcada “há algum tempo” e não houve alterações por força dos ajustes feitos no centro hospitalar para responder à pandemia.

O mesmo não aconteceu com Carlota Gomes que para ter consulta de Hematologia viu por duas vezes adiada a marcação originalmente programada para o início da pandemia. No primeiro adiamento aguardou “alguns meses” por novo agendamento. À segunda vez esperou “apenas três dias”. Quanto ao horário de entrada para o consultório, afirma, batia certo com a nota de aviso da consulta.
Apesar do número elevado de pessoas à espera de consulta no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, a entrada é feita de forma célere e organizada. Confirma-o Sandra Brandão que acompanhou o pai a uma consulta de urologia marcada para as 10h30. “São 10h40 e já estamos cá fora.”

De acordo com o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho (CHVNGE) a formação de filas é provocada por utentes que antecipam a sua chegada à consulta. O pedido que lhes é feito é para que apareçam apenas “15 minutos antes da hora marcada”.

Desde o início da pandemia foram adiadas no centro hospitalar 1518 cirurgias e 52.525 consultas. Em Maio, “altura em que foi retomada a actividade programada não prioritária”, tornou-se possível “recuperar paulatinamente”. Porém, no regresso ao estado de calamidade já se sentiram “os primeiros impactos” nas consultas externas e na actividade cirúrgica programada, tendo sido adiadas seis operações desde quarta-feira.

O hospital foi obrigado a reajustar-se às necessidades. A Unidade de Cuidados Pós Anestésicos foi reconvertida em Unidade de Cuidados Intensivos para doentes covid-19. “Em caso de aumento exponencial de casos”, está prevista a ocupação dos Cuidados Intermédios Polivalentes e da Unidade de Cuidados Intensivos Cardiotorácicos. Havendo necessidade de alargar os cuidados intensivos covid-19 para estas áreas, “haverá cancelamento de cirurgias”. O mesmo se poderá verificar nas enfermarias de medicina, “caso haja necessidade de expandir a área de internamento”. André Borges Vieira

FotoCentro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho diz que a formação de filas é provocada por utentes que antecipam a sua chegada à consulta NELSON GARRIDO
Matosinhos
Recurso aos privados com médicos do público

No Hospital Pedro Hispano (HPH), em Matosinhos, que agora ainda consegue garantir a actividade assistencial programada, equacionam-se reajustes, recorrendo à externalização de algumas especialidades cirúrgicas para hospitais privados, de forma “a libertar camas e a não adiar as intervenções”. As intervenções serão feitas na mesma por profissionais desta unidade de saúde. Ortopedia avançará já na próxima semana para esta modalidade, mas poderão ser mais.

Desde o início da pandemia foram adiadas 2768 cirurgias, 34.740 consultas e 345.602 exames. À espera de consulta desde Maio, altura em que foi desmarcada, estava esta semana Eduardo Ramos, residente em Leça da Palmeira há mais de 50 anos. Só agora é que conseguiu ser atendido na especialidade de ortopedia. Entrou no consultório à hora marcada, mas antes esperou numa fila “grande”, que “escoou rapidamente” — ao fim da manhã, como foi possível confirmar, já não havia aglomeração de pessoas.

João Rouxinol, do Movimento dos Utentes dos Serviços Públicos do Porto, actualmente a recolher dados sobre reclamações de utentes, teme poder vir a existir um agravamento desta situação nos próximos tempos e alerta para o atraso “significativo” já existente no tratamento de doenças crónicas e no acesso a médicos de especialidade, sublinhando o atraso das cirurgias programadas. A.B.V.

Guimarães
“Disseram-me que o hospital está cheio"

Cerca de 15 pacientes espalham-se em redor do edifício das consultas externas no Hospital Senhora da Oliveira, em Guimarães, pelas 9h15 , numa fila organizada e espaçada. Um deles é Sérgio Silva, 46 anos. Sofreu uma arritmia responsável pela aceleração do ritmo cardíaco e já viu “uma cirurgia às válvulas” duas vezes adiada: o primeiro agendamento era para 16 de Junho e o segundo para 16 de Outubro. “Explicaram-me que não foi possível por causa da covid-19. Disseram-me que o hospital está cheio, que há várias emergências”, desabafa o utente de Vizela.

A consulta pela qual está à espera enquanto fala não garante a marcação de uma cirurgia que a sua cardiologista já disse ser “urgente”. “Sinto-me muito cansado, mas a cirurgia ainda não tem data marcada”, acrescenta. Noutra posição da fila, encontra-se Ana Maria Pereira, residente em Guimarães. Previamente agendada para Março, está aqui nesta quinta-feira para finalmente ter a consulta de ortopedia que vai viabilizar uma eventual cirurgia aos tendões da mão direita. “Foi adiada por causa da covid-19”, conta.

O director clínico do Hospital Senhora da Oliveira, Hélder Trigo, explica que a covid-19 perturbou o “funcionamento normal” da unidade, antes do início do programa de recuperação das listas de espera para consultas, exames e cirurgias, aquando da descida do número de infecções, entre Maio e Agosto. “Temos conseguido uma boa recuperação. Vamos conseguir mais de 90% dos objectivos do Ministério [da Saúde] quanto aos tempos de espera.”
“Há dois ou três pacientes mais urgentes do que eu. Vou ser operado no final do ano ou no início do próximo.”

Sem adiantar mais números, o médico diz também que o hospital já recorreu à teleconsulta para alguns casos. “Esse modelo é adequado para um doente que fez aqui um tratamento, em que só é preciso controlar se está bem ou não.”

Ana Maria Pereira e Sérgio Silva não estão nessa fase. À saída da consulta, a paciente vimaranense diz que se confirmou a tendinite e aparenta estar confiante que a carta para a cirurgia será “enviada brevemente”. Já o utente de Vizela deixa o hospital com mais incerteza. “Há dois ou três pacientes mais urgentes do que eu. Vou ser operado no final do ano ou no início do próximo.” Tiago Mendes Dias