A poucos dias do Dia do Trabalhador, que se assinala este domingo, 1 de maio, a Caritas Luxemburgo publicou um comunicado sobre os "trabalhadores pobres", alertando que "o trabalho já não é uma garantia para escapar à pobreza" no país. A associação pede a implementação de políticas que garantam aos trabalhadores um rendimento que lhes permita viver com dignidade.
No comunicado, a Caritas começa por assinalar que "cada vez mais trabalhadores ativos enfrentam dificuldades financeiras e o trabalho já não é uma garantia para escapar à pobreza" no Luxemburgo, que é o segundo país europeu com maior risco de pobreza no trabalho na UE, a seguir à Roménia.
A organização nota ainda que este risco "tem vindo a aumentar nos últimos anos". Em 2020, por exemplo, a percentagem de trabalhadores que pertencem a uma família que vive abaixo do limiar de pobreza era de 11,9%, em comparação com 9,3% em 2007.
"A ligeira diminuição em relação a 2019 (12,1%) pode ser explicada pelas numerosas garantias que o Estado tinha posto em prática durante a pandemia da covid-19", refere a Caritas.
O fenómeno dos 'trabalhadores pobres', também conhecido como 'pobreza no trabalho', refere-se a pessoas cujo rendimento mensal bruto é inferior a 60% do rendimento mediano, apesar de terem emprego. "Note-se que os trabalhadores fronteiriços não estão incluídos nas estatísticas, apesar de representarem 45,2% do emprego remunerado no Luxemburgo", esclareceu a organização no comunicado.
Risco de pobreza é maior para estrangeiros
Em 2020, 17,4% da população do Luxemburgo (103.929 pessoas) viviam abaixo do limiar do risco de pobreza, com uma taxa de risco de pobreza de 30,7% entre os 18-24 anos, em comparação com 7,3% para as pessoas com 65 e mais anos, aponta a Caritas.
Este risco é ainda maior para os imigrantes: "As disparidades de pobreza entre nacionais e estrangeiros continuam a ser significativas: em 2020, a taxa de risco de pobreza dos estrangeiros a viver no Luxemburgo era o dobro da dos nacionais (23% contra 10,6%)", acrescenta.
A associação refere também que os agregados familiares dependentes de um único rendimento estão "sistematicamente mais expostos ao risco de pobreza". Além disso, a pobreza no trabalho "é mais prevalente" em certos setores económicos, especialmente aqueles com salários baixos.
De realçar que o trabalho a tempo parcial ou contratos a termo certo também aumentam o risco de pobreza no trabalho. "De facto, quase um em cada dois trabalhadores que trabalham a tempo parcial com um contrato a termo certo está em situação de pobreza no trabalho (48,5%)", aponta a Caritas.
Famílias monoparentais, nacionais não luxemburgueses, trabalhadores pouco qualificados em setores com salários baixos, trabalhadores com contratos temporários ou a tempo parcial (ou ambos) "têm todos um risco mais elevado de pobreza no trabalho".
Mais difícil para pagar casa
Outro problema apontado pela organização é a subida dos preços das casas no Luxemburgo, sendo que "as pessoas em situação de pobreza no trabalho estão também mais expostas aos custos de habitação".
"Para o período 2010 a 2019, as rendas anunciadas mostram um crescimento de 47,4% para os apartamentos e 31,3% para as casas. Os preços de venda, por outro lado, aumentaram durante o mesmo período cerca de 65% para as habitações existentes e quase 62% para as novas habitações", recorda a Caritas.
De acordo com o Instituto de Investigação Sócio-Económica do Luxemburgo (LISER), em 2019, mais de um terço dos inquilinos utilizou mais de 40% dos seus rendimentos para pagar renda e aquecimento. Em 2016, esta percentagem era ainda de 25%. As famílias inquilinas do primeiro quintil do nível de vida (os 20% das famílias com os rendimentos mais baixos) têm uma taxa de esforço habitacional de 50%.
Medidas políticas para combater pobreza no trabalho
A Caritas Luxemburgo apela assim aos decisores políticos para que tomem medidas que "assegurem uma distribuição mais equilibrada do rendimento", lembrando que não existem políticas específicas para combater a pobreza no trabalho. "O salário social mínimo não é suficientemente elevado para tirar as pessoas da pobreza. O mesmo pode ser dito do rendimento mínimo garantido - o rendimento de inclusão social (REVIS)", critica.
A associação considera que, embora o salário mínimo seja muito elevado em termos comparativos e absolutos na Europa, "o seu nível está quase no limiar da pobreza no Luxemburgo". "Em 2019, o salário social mínimo não qualificado era de 2.071,10 euros, mas o orçamento de referência (o orçamento de que uma pessoa precisa para viver uma vida decente e socialmente inclusiva no Luxemburgo) era de 2.115 euros".
Para a Caritas, o orçamento de referência deve ser a base para determinar o nível do salário social mínimo. "Um único adulto só conseguirá sobreviver se o salário social mínimo for superior ao limiar de pobreza, bem como o orçamento de referência. O orçamento de referência deve ser calculado e atualizado regularmente", assinalou a organização.
Ajustar a tabela fiscal ao custo de vida
No comunicado, refere-se ainda que, durante os últimos 15 anos, os abonos de família não foram adaptados à evolução dos preços. "Como resultado, as famílias com crianças viram o seu poder de compra diminuir", lamentou a Caritas, afirmando que é "necessário um mecanismo regular de ajustamento do custo de vida para outros subsídios, tais como o subsídio de custo de vida e o subsídio de renda".
Para a Caritas, a fim de alcançar uma maior justiça social, é necessária uma "reforma fiscal baseada numa redistribuição social real". Para isso, a associação sugere que seja realizado um estudo aprofundado sobre a melhoria da atual redistribuição, a fim de eliminar as numerosas desigualdades existentes, como, por exemplo, o facto de os salários serem tributados a 100% e os rendimentos do capital a 50%.
A associação relembra que a tabela fiscal não foi adaptada à evolução do custo de vida desde 2009 e apela à introdução de um mecanismo para adaptar periodicamente a tabela fiscal. "Além disso, o imposto sobre o rendimento deve ser reduzido nos parênteses inferiores da escala e aumentado nos parênteses superiores, e devem ser acrescentados parênteses adicionais no topo", explica.
"O sistema fiscal deve ser concebido para isentar sistematicamente os pobres do pagamento de rendimentos e outros impostos, na medida do possível", lê-se ainda. "Quer uma pessoa viva sozinha, em coabitação, numa união civil ou casada, não deve fazer qualquer diferença em termos de tributação. O critério de diferenciação deve ser se existem ou não crianças no agregado familiar, de modo a beneficiar de uma classe fiscal 2".
Pessoas devem ser capazes de viver do trabalho
A organização nota também que seria benéfica uma reforma na formação profissional, para a tornar "mais relevante na prática" e encorajar "a aprendizagem ao longo da vida". "Alargar a gama de cursos de formação com um catálogo em várias línguas e visando uma língua específica para um ciclo de formação (em vez de duas ou mais línguas) também ajudaria".
Por fim, conclui a Caritas, deve ser feito "um esforço contínuo para melhorar a conciliação da vida profissional, familiar e privada, a fim de oferecer a todos a possibilidade de ganhar a vida através do trabalho, podendo ao mesmo tempo assumir responsabilidades familiares, participar na vida comunitária e contribuir para o bem-estar social".
A ideia de que "qualquer trabalho é melhor do que nenhum trabalho" deve ser contrariada pela proposta de que "as pessoas que trabalham devem ser capazes de viver disso", termina o comunicado.