28.4.22

As crianças dos Ervideiros ajudam a mudar um bairro invisível


in Diário de Aveiro

“Como te chamas?”, pergunta. E com a maravilhosa caligrafia dos 8 anos, Jéssica desenha com um pau de giz um r, um u e um i no pequeno quadro de ardósia que segura na mão. Pergunta depois a idade e o ano em que nasci e, perante a resposta, faz uma cara de espanto que é tão cómica como reveladora, como quem avisa, sem uma palavra, que os meus dias de juventude já ficaram muito para trás.
Com Jéssica estão Taís, Bianca, Tamara e outras crianças ciganas da escola da Quinta do Simão, em Esgueira, e ainda Danilo e Ivan, já adolescentes. Mesmo ao lado da escola existem dois pequenos pré-fabricados outrora usados pela Cáritas e onde agora funciona um projecto que, em especial a partir da visão das crianças, quer melhorar as condições do bairro onde esta comunidade vive nos Ervideiros.

 Através do projecto, a que foi dado o nome “Levantar a pedra para construir pontes”, são assegurados pequenos melhoramentos nas casas e nos seus espaços exteriores. Mas o objectivo não se esgota nessas acções concretas. “Queremos alargar a percepção, sobretudo das crianças, de que existe um mundo bom fora do bairro e oportunidades que também são delas”, explica Rosa Madeira, investigadora da Universidade de Aveiro (UA) e coordenadora do projecto, desencadeado ao abrigo do programa Bairros Saudáveis (ver caixa). O que muitas vezes acontece, reconhece, é que o discurso de inclusão esbarra no preconceito com que os ciganos são ainda olhados por muita gente.

Élio Maia, de 28 anos, é o mais velho dos mediadores do projecto – os outros são Cátia, Samaritana e Lara – e conta como sentiu esse estigma na pele. “Estão sempre de pé atrás connosco”, diz. Quando quis completar o 12.º ano, na primeira aula ficou sozinho nas mesas dispostas em u. “Ninguém se sentou ao pé de mim. E na primeira semana ninguém falava para mim”.